Sociedade | 28-08-2024 12:00

O inspector chefe que fechou o SEF de Santarém há quase um ano

O inspector chefe que fechou o SEF de Santarém há quase um ano
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
António Ramalho

O inspector chefe que foi nomeado coordenador do SEF de Santarém depois da decisão de extinguir este órgão policial, após anos como número dois do serviço, foi quem fechou a delegação em Outubro de 2023. António Ramalho recorda os anos de serviço e alguns casos que o marcaram como os dos menores desaparecidos.

António Ramalho entrou no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Santarém no dia do atentado terrorista às torres gémeas em Nova Iorque. Nesse 11 de Setembro de 2001 iria substituir o responsável da delegação, mas ao longo das duas décadas na delegação não passou de número dois na estrutura até ter sido nomeado oficialmente o coordenador da delegação quando já tinha sido anunciada a extinção do órgão policial, em 2022. O inspector-chefe, categoria que atingiu em 2006, fica para a história como o último responsável pelo serviço em Santarém e foi o último a sair das instalações no dia 28 de Outubro de 2023, deixando as chaves e todos os assuntos pendentes em cima da secretária.
Há 22 anos o quadro do SEF em Santarém era de um inspector que também chefiava a delegação. Mas havia três inspectores deslocados para assegurar o aumento de serviço, que foi obrigando à colocação de mais elementos da área da fiscalização e também administrativos com o boom da imigração do Brasil e dos países do leste da Europa. A emissão e renovação de autorização de residência era então feito nas instalações do comando distrital da PSP porque na delegação no edifício do então governo civil não havia espaço. O SEF só viria a expandir-se com o fim dos governos civis e a redistribuição das instalações no Largo do Carmo que passou a albergar o comando territorial da GNR.
As chefias da delegação foram-se sucedendo e enquanto se esperava a substituição era o inspector Ramalho que segurava as pontas, com a experiência de oito anos de serviço exigente no aeroporto de Lisboa. Esteve numa função de verificação da documentação de passageiros quando havia dúvidas sobre a sua identificação e origem. Um trabalho que se tornava estressante quando os passageiros estavam em trânsito e era preciso dar respostas rápidas para não se perderem os voos de ligação.
António Ramalho sempre foi um operacional que nunca contrariou as regras e diz que não lhe compete falar sobre a decisão de extinguir o SEF. Mesmo depois disso e com a incerteza do futuro, manteve-se o esforço de reduzir os processos pendentes de autorizações de residência em nome das pessoas, com profissionais a trabalharem ao sábado. Agora à espera que venha a reforma em breve, numa situação de disponibilidade, António Ramalho, que começou a sua carreira na extinta Guarda Fiscal, sente a falta da actividade e a adrenalina do serviço, que vai colmatando com caminhadas com um grupo de ex-militares.
Nos últimos tempos, o serviço tinha entre 25 a 30 profissionais, entre inspectores e pessoal técnico. O número de inspectores chegou aos 14 e antes do encerramento alguns começaram a procurar outras soluções para a sua vida, tendo dois deles ingressado na Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, que apoia países da união europeia e do espaço Schengen na gestão das fronteiras externas e na luta contra a criminalidade transfronteiras

Os menores desaparecidos e os brinquedos para as crianças
Das situações que mais o marcaram na delegação estão os dois casos de menores desaparecidos. Em 2014 e 2020 conseguiu resgatar, em cada um dos casos, duas crianças ucranianas que tinham vindo com os pais para Portugal contra a vontade das mães que tinham a guarda paternal. Ao fim de várias diligências conseguiu-se encontrar os menores na zona de Santarém. Estes dois casos foram também a constatação de que a cooperação internacional entre organismos congéneres e a ligação entre entidades nacionais funcionam.
Outro episódio marcante pela tristeza foi o de um ucraniano que foi atropelado em 2003 e que estava internado no hospital de Caldas da Rainha numa situação muito debilitada. Não se sabia quem era, de onde vinha e se tinha família. Foi um ano e meio de pesquisas e de tentativas de conseguir falar com ele, até que se conseguiu descobrir a sua terra natal. Já havia médico e enfermeiro disponíveis para fazer a transferência de avião, mas o custo era muito elevado e o SEF não tinha enquadramento para situações destas, só para casos de expulsão. Um grupo de profissionais do hospital conseguiu arranjar o dinheiro, o imigrante foi enviado para casa, mas faleceu ao fim de três dias.
O SEF de Santarém também teve protagonismo numa operação que se revelou na altura uma das maiores e mais importantes de combate ao tráfico de seres humanos, em que numa exploração de morangos em Paço dos Negros, Almeirim, foram detectadas duas dezenas de nepaleses ilegais que trabalhavam em condições desumanas. O dono da exploração, bem como um estrangeiro dono de uma empresa de trabalho temporário foram condenados pelo Tribunal de Santarém a 14 anos de prisão. No julgamento o colectivo de juízes elogiou a postura do inspector chefe em acabar com uma situação degradante e em preocupar-se em encontrar uma solução para os imigrantes.
Aquando da guerra na Ucrânia, o SEF de Santarém foi um dos organismos que teve um papel importante no acolhimento de refugiados. O serviço estava passar dezenas de autorizações de protecção temporária, trabalhando em colaboração com a Segurança Social e o Gabinete de Apoio ao Imigrante e Minorias Étnicas da Câmara de Santarém. António Ramalho lembrou-se de levar brinquedos que eram dos seus filhos para as crianças ucranianas e outros elementos seguiram o exemplo.

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