Bruno Filipe de Brito reaprendeu a viver após um grave acidente de viação
Bruno Filipe de Brito, natural de Aveiras de Cima, sofreu um traumatismo cranioencefálico aos 17 anos, num grave acidente de viação que mudou a sua vida.
Teve de reaprender tudo o que sabia, incluindo ler, escrever, falar, tocar instrumentos e comer. Aos 31 anos, é pai de uma filha de quatro anos e constitui um exemplo de tenacidade e amor à vida. Completou a licenciatura, o mestrado e para o ano vai entregar uma tese de doutoramento sobre as filarmónicas da lezíria ribatejana. É uma pessoa ligada ao associativismo cultural e um eclético amante e executante de música, que vai do folclore ao heavy metal.
Bruno Filipe de Brito teve de reaprender a viver aos 17 anos, após um acidente de viação no dia 21 de Novembro de 2009. O automóvel, conduzido pela mãe e onde também viajava o irmão mais novo e um primo, entrou em despiste e embateu contra dois postes de electricidade. Um deles caiu sobre o tejadilho do carro e provocou-lhe um traumatismo cranioencefálico que o deixou em estado muito grave. Ficou duas semanas internado em coma induzido no Hospital de São José, em Lisboa, depois passou para o antigo Hospital Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, até regressar a casa para recuperar. A mãe não quis que fosse para Alcoitão defendendo que o melhor para o filho era recuperar em casa com a família.
Reaprendeu a falar, escrever, ler, comer, tocar e a ter um pensamento lógico. Só cinco anos após o acidente é que teve alta dos hospitais. Já contou a sua história publicamente e a mensagem que quer passar é de esperança, que é possível voltar a ter uma vida normal e apreender novas competências depois de um traumatismo neuro-encefálico. “Pensei noutros casos e penso que é meu dever passar uma mensagem de esperança. É possível recuperar com força de vontade”, diz.
Antes do acidente era um jovem introvertido e quando a noticia se espalhou por Aveiras de Cima as pessoas não sabiam que era filho dos seus pais e só tinham memória do irmão mais novo. Com os olhares virados para si e para a recuperação o irmão mais novo assumiu o papel de mais velho e cresceram os dois depressa.
Os ranchos folclóricos, a filarmónica e o heavy metal
Bruno Filipe de Brito sempre teve queda para a música e já a mãe tocava saxofone em bandas filarmónicas. O avô materno era carteiro, fundou ranchos folclóricos, foi ensaiador e deixou um espólio etnográfico significativo ao neto. Foi pela mão do avô Manuel que começou com oito anos a dançar no Rancho Folclórico infantil “Os Traquinas”, de Quebradas. Nunca mais parou e tocou instrumentos e dançou no Rancho Folclórico da Casa do Povo de Aveiras de Cima e no Rancho “Os Camponeses” do Vale do Brejo. Fez parte da Banda Filarmónica Recreativa de Aveiras de Cima e da Banda Filarmónica de Azambuja, bem como dos órgãos sociais do Centro Cultural Azambujense.
Desde 2007 participou em bandas de música original e versões e antes do acidente tocava numa banda de metal. Chegou também a dar aulas de música. “As pessoas sabem que sou ecléctico e nunca acharam estranho ter uma banda de metal e gostar de metal extremo e tocar no rancho. Desdobro-me pelas influências que tive em vários géneros musicais. Sempre fui uma bolacha fora do pacote”, diz divertido.
As histórias do avô contribuíram para que, desde criança, gostasse de saber mais do que os meninos da sua idade. Mal sabia ler já transportava livros de história e mitologia debaixo do braço, o que motivava a família a rotulá-lo de intelectual. Na pré-adolescência os colegas consideravam-no misterioso e uma composição sobre Deus e o Diabo levaram-no até à psicóloga escolar. “A psicóloga perguntou-me o que eu gostava de fazer e eu respondi que era ler Tolkien e Harry Potter. Respondeu que era uma criança perfeitamente normal (risos). Mas o curioso é a imagem que fica. No primeiro ano de licenciatura um colega de Azambuja perguntou-me se era satânico. Tive uma educação católica e tenho o Crisma mas sou ateu”.
Doutoramento sobre as filarmónicas da lezíria ribatejana
No ano seguinte ao acidente terminou o ensino secundário mas por causa das capacidades cognitivas, que ainda estava a recuperar, baixou as notas e estudou dois anos para conseguir entrar na faculdade. Fez os exames e cumpriu o sonho de entrar no Instituto Universitário de Lisboa no curso de História Moderna e Contemporânea. Fez o mestrado onde apresentou uma dissertação sobre a corrente musical do rock progressivo em Portugal entre 1967 e 1981, enquanto dava explicações. Ingressou no doutoramento em 2018 e é bolseiro do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia.
Com os estudos, trabalho e a parentalidade entrou em depressão. Tinha de parar. Agora o objectivo é entregar em 2025 a tese de doutoramento sobre as actividades das bandas filarmónicas na lezíria ribatejana entre 1945 e 1990, perante a inexistência de estudos sobre o movimento filarmónico de forma transversal e num momento em que se desenvolvem esforços para a UNESCO reconhecer esta prática cultural como Património Cultural e Imaterial da Humanidade.
“Cada vez que participo em algo etnográfico é como se o meu avô estivesse comigo. O principal objectivo da tese é identificar os factores que levaram ao período de crise das filarmónicas e que elementos foram responsáveis por reverter a situação”, explica Bruno Filipe de Brito. Quando projecta o futuro imagina-se a dar aulas no ensino básico e secundário e quem sabe ser docente no ensino superior. Após entregar a tese quer continuar a investigar a história dos ranchos folclóricos porque há muito por descobrir. Com uma banda nova na calha não tenciona sair de Azambuja, mas defende que o concelho precisa de mais dinamismo cultural e iniciativas que dignifiquem o movimento associativo.