Sociedade | 18-09-2024 07:00

Jovens com mais doenças sexualmente transmissíveis e menos uso de preservativo

Jovens com mais doenças sexualmente transmissíveis e menos uso de preservativo
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
José Salgado dá consultas de terapia sexual em Santarém e Lisboa

O MIRANTE conversou com o psiquiatra e terapeuta sexual José Salgado, que dá consultas em Santarém e Lisboa.

O especialista diz que há uma desvalorização do uso do preservativo entre os jovens e um aumento das doenças sexualmente transmissíveis. Quando à saúde sexual, mais do que problemas de ordem física, a performance e desejo ficam comprometidos pela ausência de diálogo entre casais. Um depoimento a propósito do Dia Mundial da Saúde Sexual, que se assinalou a 4 de Setembro.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) na Europa lamentou a diminuição do uso de preservativos pelos adolescentes nos últimos anos e alertou para os riscos de infecção e de gravidez indesejada. As conclusões constam no recente relatório da OMS sobre o comportamento de saúde em crianças em idade escolar e foram retiradas de inquéritos a quase um quarto de milhão de jovens de 15 anos em 42 países, entre 2014 e 2022.
Os resultados não surpreendem o psiquiatra e terapeuta sexual, José Salgado, que sublinha a tendência dos jovens para o risco. “O uso do preservativo cresceu por causa da SIDA e como hoje em dia é uma doença tratável, o medo e o impacto diminuíram. Apesar das campanhas que existem, há uma desvalorização do papel do preservativo e não só nos jovens”, afirma.
Os últimos relatórios divulgados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (EDCD) mostram ainda que as doenças sexualmente transmissíveis (DST) estão a aumentar em Portugal, e no resto da Europa, sobretudo entre os adolescentes. A gonorreia, clamídia e sífilis estão entre as infecções mais frequentes.
Na experiência com as camadas mais jovens, devido às consultas de sexologia que deu no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (antigo Hospital Júlio de Matos), José Salgado relata casos de herpes genital e jovens infectados com sífilis, uma infecção que já há muitos anos que não se manifestava. O aparecimento de DST nestas camadas da população, refere o especialista, está muitas vezes relacionada com ambientes familiares desestruturados, consumo de drogas e a banalização da ideia de que as doenças só acontecem aos outros.
A este nível, a escola tem de estar atenta e saber passar a mensagem de forma apelativa para que os alunos oiçam. “A escola tem de analisar a forma como a mensagem passa e ajustá-la para causar interesse entre os jovens. É mais fácil falarem com os pares, da mesma idade, do que com os professores”, declara o especialista.

Falta de comunicação é causa para problemas na vida sexual
A principal dimensão que deve ser encarada no comportamento e relacionamento sexual é a comunicação. “Tenho casais com uma relação boa, casados há muitos anos, mas que falam de tudo menos de sexualidade. E vamos encontrar insatisfação em coisas que podiam ser facilmente resolvidas caso houvesse comunicação”, diz José Salgado. No seu consultório, em Santarém, recebe pacientes que vão pelo próprio pé mas a maioria é reencaminhada por outros profissionais de saúde. Os mais novos levantam problemas relacionados com a performance sexual, em que se sentem inferiorizados fazendo comparações com os amigos. Já os mais velhos sentem-se inseguros porque “já não são o que eram” e apresentam disfuncionalidades. Em comum os pacientes têm dificuldades em falar sobre a sua sexualidade.
José Salgado explica que se deve consultar um terapeuta sexual quando a pessoa sente que existe alguma disfuncionalidade e não por aquilo que os outros dizem. Depois existe a fronteira sobre o que é ou não normal, o que tem diferentes interpretações. “As pessoas perguntam se determinado comportamento é normal. Para ser normal tem de ser consentido, não causar sofrimento e ser desejo das duas pessoas. É normal desde que o comportamento não entre no domínio das perversões que já são doença”, afirma.

Mulheres de 70 anos têm vergonha de dizer que têm desejo sexual
Um casal que deixe de funcionar a nível sexual é um sintoma de outras situações latentes. Quando se diz que não existe tempo ou se dá desculpas para não ter relações com o parceiro é porque existem outras dimensões da vida do casal a ser tratadas. Mas ainda existe pudor em falar de sexo e de relacionamentos. Uma mulher de 70 ou 80 anos tem vergonha de dizer que tem desejo sexual ou que tem dificuldades na lubrificação vaginal, normal com o passar dos anos, porque acha que é indecoroso ou mal visto.
Em relação às mulheres existe pouca medicação relacionada com o desempenho sexual. Os homens têm o famoso Viagra e medicamentos similares. O próprio comprimido é um desbloqueador de medos. O médico dá conta de casos de pacientes, com disfunção eréctil, que começaram a tomar comprimidos mais espaçadamente e depois até começaram a funcionar já sem tomar nada, porque se sentiram mais seguros.
“Esta ideia que a sociedade faz da separação do físico do psíquico é uma perfeita asneira. As doenças são um todo. Por exemplo, uma mulher grávida que esteja deprimida tem o dobro do risco de ter um aborto espontâneo e uma pessoa deprimida tem alterações dos factores de coagulação do sangue. Ao nível da sexualidade a alteração do humor provoca alterações de desejo sexual”, refere. Os antidepressivos em doses baixas são receitados nos casos de ejaculação precoce, por exemplo.

Consultas em Santarém e Lisboa

José Salgado dá consultas em Santarém e Lisboa mas no capítulo sexual a realidade das duas cidades é igual. A diferença é que em Santarém as pessoas marcam consultas de psiquiatria e acabam por falar da vida sexual. Outros escalabitanos preferem marcar consulta com o médico em Lisboa com receio de serem reconhecidos numa ida ao consultório.

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