Violência doméstica pode criar traumas irreversíveis em crianças
A exposição de crianças e jovens a episódios de violência doméstica deixa marcas para a vida. O impacto psicológico causado por essas situações foi debatido numa palestra na Escola D. Maria II, em Vila Nova da Barquinha. A formação foi ministrada pela psicóloga Telma Almeida, que referiu que há cada vez mais homens a queixarem-se.
A Escola D.Maria II, em Vila Nova da Barquinha, recebeu uma formação sobre os impactos psicológicos da violência doméstica em crianças e jovens. A palestra foi ministrada pela psicóloga e especialista em desenvolvimento infantil, Telma Almeida, que destacou os possíveis traumas irreversíveis em crianças expostas a episódios de violência doméstica. “A fase dos quatro e cinco anos é fundamental no desenvolvimento psicológico de um ser humano e é quando absorve mais informação. Ao estarem expostas a cenários de violência e trauma, as crianças podem desenvolver problemas psicológicos irreversíveis. É a fase em que achamos que as crianças não sabem, não ouvem e não vêem nada, mas é exactamente o oposto”, diz a psicóloga, acrescentando que, no entanto, é possível trabalhar os traumas numa fase mais avançada da idade.
Segundo explica, as formas de reagir diferem de pessoa para pessoa. “Pode-se tornar uma pessoa mais positiva e com um instinto protector, que exteriorize os seus problemas ou, pelo contrário, que fique mais reservada e guarde emoções, memórias e sentimentos para si”, explica. Telma Almeida afirma que as actividades curriculares desempenham um papel fundamental no desenvolvimento positivo da criança uma vez que ajuda a tornar-se mais resiliente e a construir relacionamentos saudáveis.
A exposição ao trauma pode agregar outras manifestações físicas e psicológicas como distúrbios alimentares e de sono, propensão a roer as unhas e inflamação do sistema imunitário provocando doenças como úlceras ou enxaquecas. “As crianças estão em desenvolvimento principalmente nos seus primeiros anos de vida e as suas experiências vão ditar as suas competências e personalidade em adulto. O trauma tem um peso negativo muito grande nesse processo”, afirma Telma Almeida.
O crime de violência doméstica, física ou psicológica, praticada contra crianças e jovens é ainda mais grave, segundo a lei. A psicóloga acredita que as leis estão bem construídas e com boa previsão das sanções, mas que falta aplicar melhor. A informação que mais chocou o auditório, composto por cerca de meia centena de pessoas, foi a punição máxima de 10 anos para autores de homicídio por violência doméstica. Em 25% dos casos de homicídio as crianças estão presentes e cerca de meio milhão de crianças e jovens, por ano, contactam as autoridades para reportar casos.
Há cada vez mais homens a expor as suas situações
“Violência doméstica é um fenómeno complexo. Não conhecemos todos os cenários apenas por conhecer um caso. Cada caso é um caso e tem os seus contornos”, explica a psicóloga acrescentando que violência doméstica não se restringe a violência em casais, existindo também violência no namoro ou entre familiares. Além da violência física, são também considerados casos de violência doméstica agressões psicológicas, ameaças, intimidação ou partilha de fotos íntimas. A violência sexual integra, igualmente, a violência doméstica em casos como a vítima ser forçada a ter relações sexuais com o parceiro, terceiros, filmada sem o seu consentimento ou obrigada a assistir ao parceiro a ter relações com terceiros.
Outra forma de agressão é o abuso económico em que a vítima é privada do acesso a quantias monetárias, não tendo acesso às contas ou restringida da sua liberdade financeira. Telma Almeida explica que na base da agressão e violência doméstica está a vontade do parceiro em exercer controlo e poder sobre o outro fazendo-o sentir-se incompetente, subordinado e sem valor. “É importante frisar que a violência doméstica e a agressão não acontecem apenas do lado do parceiro sobre a companheira. Existem vários homens que são vítimas e é preciso a sociedade saber ouvir e respeitar estes casos. Felizmente, há cada vez mais homens a expor as suas situações também”, diz a psicóloga.