Trabalhadores da Jodel com salários em atraso e postos de trabalho em risco
O MIRANTE acompanhou o protesto de cerca de meia centena de trabalhadores da Jodel, em frente à empresa de detergentes de Aveiras de Cima, onde reivindicaram o pagamento de três meses de salários em atraso que abrange 175 pessoas.
O presidente da Câmara de Azambuja e o presidente da Junta de Freguesia de Aveiras de Cima estiveram presentes e estão a acompanhar a situação. Alguns trabalhadores contam como têm vivido sem receber salário.
Carla Sandra, 52 anos, suspendeu o contrato de trabalho com a Jodel, onde estava há oito anos como auxiliar de produção. O motivo foi ter salários em atraso há três meses, tal como quase 200 colegas, entre eles o filho de 35 anos, com quem vive. Não paga a prestação da casa ao banco há dois meses e ao terceiro mês a casa corre o risco de ser hipotecada, estando à espera de receber do fundo de desemprego. Sobrevive com a ajuda de vizinhos, porque muitas vezes não tem o que comer. “Desde Junho que só entraram 300 euros, 150 meus e outros 150 do meu filho”, diz. Paga 450 euros de renda e ainda pagava transporte para ir trabalhar. “Estou em vias de ir morar para debaixo da ponte”, desabafa.
Célia Gonçalves, 47 anos, trabalha na Jodel há 25 anos numa linha de enchimento. Ainda tem o que comer porque recorre às poupanças de uma vida. “Não posso deixar que a empresa que está em baixo deixe a minha vida no fundo do poço”, refere, acrescentando que procura alternativas de emprego “porque não vale a pena continuar numa mentira”.
Paulo Carmo já está reformado, mas precisa do emprego porque o dinheiro da reforma não chega. “Com 67 anos é difícil encontrar soluções de trabalho, não por falta de forças, mas por preconceito”, afirma. O auxiliar de produção tem três meses de ordenado em atraso e o subsídio de férias. “A empresa não diz nada, empurra os problemas com a barriga. Sinto amargura por ter perdido tanto tempo e ser tão mal compensado. Acho que são demasiado egoístas por verem tantas famílias em dificuldades e não tentarem resolver, só fingirem que resolvem. Se não posso comer duas carcaças como uma, se não posso comer um bife como uma lata de atum”, diz com tristeza.
Administração
não atende telefonemas
O presidente da Câmara de Azambuja revela a O MIRANTE que a autarquia tentou desde o primeiro momento encontrar uma pessoa ou um grupo financeiro interessado em “salvar” a empresa da falência. Segundo Silvino Lúcio, colocaram os eventuais interessados em contacto com a administração, que numa primeira fase não aceitou e agora não atende os telefonemas. “Já tivemos o fecho da Opel, da Impormol. É mais uma machadada no tecido empresarial se vier a acontecer”, lamenta o autarca.
O MIRANTE tentou entrar em contacto com a Jodel por via telefónica e e-mail para pedir alguns esclarecimentos à empresa, nomeadamente quais as medidas a serem tomadas, se pretendem continuar a produção e se a fábrica está em funcionamento, mas até à data de fecho desta edição a empresa remeteu-se ao silêncio.
Uma história com mais de meio século
Fundada em 1968 por José Ferreira e Maria Manuela Ferreira, a Jodel iniciou a sua actividade em Odivelas, com uma unidade fabril de detergentes sólidos e líquidos orientada para o mercado ‘corporate’, segundo se lê na página oficial da empresa. Em 1997, passou a contar com uma nova fábrica de 120.000 metros quadrados em Aveiras, que permitiu integrar novas tecnologias e aumentar a capacidade produtiva, tendo iniciado em 2006 o fabrico de detergentes sólidos atomizados pelo processo de fabrico NTD e, em 2012, investido na construção de um armazém automatizado. Entretanto, Filipa Ferreira e Paulo Ferreira assumiram, respectivamente, a presidência e vice-presidência do grupo Jodel.
Meia centena de trabalhadores já suspendeu contrato de trabalho
Benny Freitas, do Sindicato dos Trabalhadores das indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Centro-Sul e Regiões Autónomas (Site-CSRA), diz que os 175 trabalhadores da Jodel não receberam os salários de Julho, Agosto e Setembro. “A empresa diz que tem problemas de tesouraria e relacionados com dívidas a fornecedores e a bancos, mas que tem intenções de continuar a laborar e manter os postos de trabalho para garantir a produção”, referiu o dirigente sindical no dia da manifestação.
Segundo Benny Freitas, face ao não pagamento dos salários, cerca de meia centena de trabalhadores da Jodel “já suspenderam o contrato de trabalho” e “alguns já demonstraram a intenção de rescindir os contratos com justa causa”. O dirigente sindical lembra que “já há cerca de um ano” que a empresa tem vindo a revelar dificuldades, mas recentemente estas “agravaram-se”, levando à “falha no pagamento dos salários, a bancos e a fornecedores”.
“A empresa diz que deu entrada com um Processo Especial de Revitalização (PER) em finais de Agosto, início de Setembro, para ter condições que possibilitem a manutenção da actividade, mas já passou um mês e ainda não apresentou condições para garantir o futuro”, afirmou. “O Governo não pode continuar a fazer de conta que não é nada com ele”, sustenta Benny Freitas, detalhando que o sindicato contactou o secretário de Estado do Trabalho e o ministro da Economia.