Quando tiro um pólipo fico muito contente porque estou a evitar um possível cancro

Ana Lúcia Sousa é especialista de gastrenterologia no Hospital CUF Santarém e fala nesta entrevista da saúde digestiva e da importância dos exames de diagnóstico na prevenção e tratamento do cancro colorrectal.
A médica revela que os sintomas digestivos são muito frequentes e realça a importância da colonoscopia como meio de rastreio. Mas também pela sua grande importância na remoção dos pólipos e cada vez que o faz pensa que está a evitar que uma pessoa tenha cancro, o que a deixa muito contente. Ana Lúcia Sousa alerta para a importância de as pessoas fazerem rastreios mais cedo, antes dos 50 anos, quando há um historial familiar de doenças digestivas. A médica adverte para a importância da colonoscopia, por causa da incidência do cancro do cólon, salientando que se estima que existam 10 mil novos casos por ano em Portugal.
Como é que está a saúde digestiva das pessoas da região abrangida pelo Hospital CUF Santarém? Os sintomas digestivos comportam uma grande percentagem de consultas, nomeadamente nos cuidados de saúde primários. Seja por doenças mais orgânicas. Seja por doenças funcionais, da interacção do eixo cérebro-intestino. Por exemplo, quando estamos mais ansiosos, ou mais deprimidos, isso poderá em algumas pessoas, com tendência a ter a síndrome do intestino irritável ou dispepsia funcional, provocar sintomas digestivos que podem ter impactos na qualidade de vida. Os sintomas digestivos são muito frequentes. As doenças mais frequentes do tubo digestivo são as funcionais, mas não podemos descurar outras que muitas vezes se confundem, nomeadamente a doença inflamatória intestinal e o cancro colorrectal.
E quais são as características dessas doenças funcionais? Na síndrome do intestino irritável, uma das patologias mais frequentes da interacção cérebro-intestino, caracteriza-se por dor abdominal, associada à alteração das fezes, diarreia ou obstipação. A dispepsia funcional caracteriza-se por um desconforto na região do estômago que poderá ter relação com a alimentar.
Quando é que devemos procurar o médico? A esmagadora maioria destas doenças pode ser tratada nos cuidados de saúde primários. Mas em determinadas situações é necessária a ajuda do gastroenterologista, nomeadamente quando é necessária medicação, quando é necessário um apoio multidisciplinar que pode envolver psicólogos, psiquiatras, nutricionistas.
As pessoas estão despertas para a importância dos rastreios e dos sinais que devem ter em atenção em termos de saúde? Quando se procura um gastrenterologista a pessoa já está desperta para procurar ajuda. O que vejo na minha prática clínica é que as pessoas têm interesse em realizarem exames para saberem o seu estado de saúde.
Qual é a melhor prevenção das doenças gastrenterológicas? Em relação ao cancro colorrectal há factores que não se conseguem prevenir, como o avançar da idade, antecedentes familiares de cancro e a genética. Nestes casos é preciso manter uma vigilância mais cedo. O que todos podem fazer é uma actividade física regular; ter uma alimentação saudável, pobre em carnes vermelhas e rica em fibras, fruta e vegetais; não fumar nem ingerir álcool além do consumo moderado. O exame para o diagnóstico e também para a prevenção do cancro do intestino é a colonoscopia. Faz parte da prevenção porque através da colonoscopia conseguimos remover os pólipos e assim evitamos, a longo prazo, o cancro.
E as endoscopias não são importantes em termos de rastreio? O rastreio do cancro do estômago não está ainda preconizado em Portugal, contudo cada vez mais aproveitamos a sedação profunda na realização das colonoscopias para fazermos um despiste de gastrites avançadas, atróficas. A endoscopia é feita através de um tubo que entra pela boca e permite avaliar o esófago, estômago e duodeno. As colonoscopias assumem uma grande importância por causa da incidência do cancro do cólon, estimando-se que existam 10 mil novos casos por ano em Portugal. É a segunda causa mais frequente de cancro nas mulheres, depois do cancro da mama, e a segunda nos homens depois do cancro da próstata. É o mais mortal em ambos os sexos.
Quando é que os rastreios devem ser feitos mais cedo do que o que está preconizado? Quando existem dois familiares ou um com menos de 50 anos, de primeiro grau, com neoplasia do cólon, o rastreio deve começar aos 40 anos. Há outros métodos de rastreio, como a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Não é um assunto consensual e maioria dos gastrenterologistas não é grande adepta deste exame, porque é inferior à sensibilidade da colonoscopia para detectar cancro. A Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) considera que a coloscopia é o exame de eleição.
E há situações em que é preciso baixar ainda mais a idade do início da vigilância? Quando temos descendentes de pessoas com síndrome de Lynch (que têm um elevado risco de desenvolvimento de cancro do cólon e recto), devemos começar aos 25 anos de idade. Nos casos de polipose adenomatosa familiar (doença hereditária que causa numerosos pólipos e costuma resultar em carcinoma do colo, geralmente aos 40 anos de idade) deve-se começar o rastreio aos 10 anos.
Há cada vez mais uma tendência para os jovens terem problemas digestivos e cancros? Sim há. A minha doente mais nova tem à volta de 37 anos.
Em que situações é que a pessoa deve procurar de imediato o médico? Nas situações em que exista dor abdominal persistente, anemia, cansaço, perda de peso, diarreia persistente ou obstipação.
O que é que tem a dizer às pessoas que têm de fazer uma colonoscopia? As pessoas não devem ter receio de realizarem a colonoscopia, porque ela pode salvar vidas e as complicações são pouco frequentes. Cada vez que removo pólipos fico muito contente porque penso: evitei um cancro a esta pessoa. Por isso é que os gastrenterologistas preferem fazer as colonoscopias como exame de eleição.
Ivone Miguel é o exemplo da importância da colonoscopia
Ivone Miguel, utente do Hospital CUF Santarém, onde lhe foi diagnosticado um pólipo, é o exemplo da importância da realização da colonoscopia para prevenir complicações mais graves. Residente em Maçussa no concelho de Azambuja, tem 69 anos, está reformada, e tem sido acompanhada na CUF desde que fez o exame em 2019. Na altura o pólipo foi retirado durante a colonoscopia e foi enviado para análise, tendo-se verificado que o mesmo era maligno. Mas após cinco anos de doença, Ivone Miguel permanece livre de cancro, o que lhe dá uma grande esperança de qualidade de vida.
A utente foi para a CUF depois de o médico de família a ter aconselhado a fazer a colonoscopia por causa de Ivone Miguel ter tido um familiar que faleceu com um cancro nos intestinos. A doente diz sentir-se bem e fazer uma vida normal, cumprindo as indicações de fazer todos os anos o exame. Diz que tem sido bem acompanhada na CUF, que gosta dos serviços e que se sente confiante com os médicos. Ivone Miguel, antes de se reformar, trabalhou num armazém de fruta e quando era preciso trabalhava na agricultura. É uma mulher de garra e bem-disposta que encara a vida com alegria.
O que são pólipos?
Os pólipos são pequenas protuberâncias que surgem na parede interior dos intestinos, em especial no cólon (intestino grosso) e recto, segundo se refere no site da CUF na internet. Estas lesões são mais frequentes à medida que as pessoas vão tendo mais idade. Estima-se que os pólipos afectem cerca de 30 % da população com mais de 50 anos. Refere também a página da CUF que a maior parte dos pólipos no intestino são benignos, mas uma vez que resultam de uma proliferação anormal de células, causada por alterações genéticas, pode acontecer que alguns deles se tornem tumores malignos.