Médicos de proximidade: relatos de uma vida dedicada à medicina e à comunidade de Alcanena
Premiados com o Galardão Carreira em Alcanena, Tiago Gaspar e João Paulo Batista contam a O MIRANTE a sua vida ligada à medicina e a proximidade que sempre mantiveram com a comunidade local. Ainda fazem trabalho ao domicílio e dizem que o mais gratificante da sua profissão é o carinho que recebem dos utentes.
Dedicaram as suas vidas a ajudar os que mais precisavam e agora foram reconhecidos pelo seu mérito, trabalho e dedicação à população de Alcanena. Tiago Gaspar e João Paulo Batista são dois médicos de família que foram homenageados com o galardão Carreira atribuído na cerimónia “Regenerar Alcanena 2024”. Após a homenagem, O MIRANTE falou com os dois clínicos sobre o caminho que fez deles dois médicos de excelência e, sobretudo, muito acarinhados pela população local.
Tiago Gaspar nasceu no Funchal, na ilha Madeira, e por lá viveu até aos 18 anos. Entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1973 para concretizar um sonho de criança: ser médico e ajudar a salvar vidas. No entanto, refere, tinha um plano B, que era ser piloto de aviões “devido ao fascínio que os ilhéus têm pelas viagens aéreas”. Especializou-se em Medicina Geral e Familiar e desde 2 de Janeiro de 1980 que exerce uma profissão, que também considera vocação, e que o enche de orgulho e entusiasmo. Ao acabar o curso e o estágio de dois anos, Tiago Gaspar foi colocado em Alcanena devido ao serviço médico à periferia, e desde aí que decidiu ficar pelo concelho. Casou com a sua actual mulher em 1985 e afirma, sem hesitar, que foi a sua melhor escolha porque conseguiu construir uma família unida longe da sua terra natal. “Tem sido muito gratificante. O apoio e a ligação às pessoas foram incríveis desde o início e ajudou muito à minha integração”, vinca.
Tiago Gaspar diz que se sente “da casa”, revelando, entre sorrisos, que a relação de proximidade é tão evidente que por vezes dá consultas na rua. Após 40 anos, Tiago Gaspar continua a fazer trabalho ao domicílio. “Tenho uma relação muito honesta com os meus pacientes. As pessoas preferem ficar à minha espera em casa, do que irem para as urgências e ficarem no hospital”, revela.
A era das novas tecnologias
João Paulo Baptista, curiosamente, também sonhava ser médico ou piloto, mas neste caso de automóveis. Nasceu em Pernes, no concelho de Santarém, no ano de 1954. Entrou no curso de medicina na Universidade de Lisboa e estagiou no Hospital de Santa Maria, onde terminou os estudos a 31 de Julho de 1981. Por questões familiares acabou, nessa altura, por ficar em Alcanena e por lá se manteve. Passadas quatro décadas, João Paulo Batista revela que ainda se sente muito bem a trabalhar e que tem um amor enorme à profissão. Ser médico em Alcanena, define, é ser um médico de proximidade e a prova disso são as inúmeras mensagens de afecto que continua a receber desde que se aposentou. “Um médico faz um pouco de tudo. É conselheiro, padre, advogado e confidente”, afirma, sublinhando que muitos pacientes o procuram para “desabafarem a sua vida”.
Na era das novas tecnologias, João Paulo Batista lamenta a perda do contacto com as pessoas. “Antes de haver computadores olhávamos para o rosto do utente, e agora só olhamos para o ecrã para colocar toda a informação, no entanto foi um processo gradual, e não de choque”, garante. Apesar do avanço, a tecnologia na saúde não consegue salvar todas as pessoas e como médicos há sentimentos que falam mais alto. “Em fases terminais somos sempre impotentes e por mais que queiramos não conseguimos salvar todas as vidas”, frisa.
A homenagem aos dois médicos simboliza não apenas o reconhecimento das décadas de dedicação à medicina e à comunidade de Alcanena, mas também destaca o impacto positivo que a proximidade e o cuidado têm nas vidas dos pacientes. Em tempos de desafios para o SNS, os testemunhos partilhados com O MIRANTE sublinham a importância de manter o espírito de compromisso e o carinho no atendimento médico. A emoção e a gratidão expressas durante a cerimónia “Regenerar Alcanena 2024” reflectem o valor de uma vida inteira dedicada ao bem-estar colectivo.
Médicos preferem os privados
Sobre a actual situação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Tiago Gaspar acredita que as ofertas ao nível privado são tantas, que qualquer jovem médico se sente motivado em ir para as clínicas ou hospitais privados. “Não é pela remuneração, é mais por terem outras condições de trabalho e outro tipo de sossego que não têm no SNS”, confessa. João Paulo Batista explica que, para além de ser necessário arranjar melhores condições de trabalho para os médicos, é também crucial reduzir o número da lista de utentes para cada médico. Acredita ainda que deve haver uma reestruturação no serviço porque “nós temos 15 minutos para cada utente, e há pacientes que precisam de menos e outros de mais”.