Sociedade | 13-11-2024 10:00

Depressão pós-parto: o lado negro da maternidade

Depressão pós-parto: o lado negro da maternidade
O impacto de um parto difícil deixou consequências na saúde mental de Patrícia Rosa. Sessões de psicologia e voluntariado no IPO ajudou na cura

Patrícia Rosa amava e cuidava da filha, mas havia dias em que não suportava ouvi-la chorar. Teve pensamentos sombrios dos quais se envergonha.

Estava doente e demorou a procurar ajuda. A depressão pós-parto não é uma condição rara na maternidade, afectando 20% das mulheres. Agora o SNS vai dar apoio psicológico às grávidas para evitar a doença.

Patrícia Rosa sabia que a maternidade ia ser desafiante e que o medo de falhar ia estar lá. Mas nunca imaginou que iria ter de ficar quatro meses afastada da sua filha devido a um problema de saúde e depois de um parto complicado. “A minha filha nasceu morta, teve de ser reanimada, ou seja, aquele que devia ser um momento de felicidade foi de pânico e horror. Só a vi no dia seguinte”, começa por relatar a O MIRANTE a mulher de 47 anos residente em Samora Correia, que passou por uma cesariana de emergência quando estava grávida de 37 semanas e a bebé deixou de ter batimentos cardíacos.
Com a filha finalmente nos braços, Patrícia Rosa não percebeu logo o impacto que aquela experiência de parto difícil ia ter na sua saúde mental e, consequentemente, na mãe que acabava também de nascer. Um papel que estava a experimentar pela primeira vez e, conta, sem o suporte familiar que gostaria de ter tido. “O que senti foi que o meu casamento acabou no dia em que a minha filha nasceu. Não tive o acompanhamento que precisava por parte do pai da bebé e havia muita pressão da parte da família dele sobre como devia cuidar dela; não nos entendíamos”, relata.
Também da parte do Sistema Nacional de Saúde (SNS) houve, na sua opinião, uma falha ao não lhe ter sido perguntado, durante o internamento na maternidade, se estava bem ou se precisava de apoio psicológico tendo em conta as circunstâncias do nascimento.
Mas aquele não foi o único internamento que deixou marcas. Um mês depois de se ter tornado mãe, e ainda a recuperar da cesariana, Patrícia Rosa começou a sentir “dores muito fortes na zona das costelas” que foi “deixando andar”. Só quando a dor se tornou incapacitante para cuidar da bebé é que se deslocou ao hospital. “Estava com a vesícula dilatada, queriam-me operar, mas não deixei. Tinha a minha filha para cuidar. Assinei um termo de responsabilidade e voltei para casa”, conta. Apesar do esforço em controlar a dor acabou por ter de voltar ao hospital dois dias depois e, dessa vez, teve mesmo de ser operada de urgência. A intervenção não correu bem, levando a uma inflamação aguda no pâncreas.

“Meti na cabeça que não me ia querer como mãe dela”
“Fiquei quatro meses internada sem ver a minha filha, só por fotografias”, conta. E o impacto que esta estadia no hospital teve foi devastadora. “Meti na cabeça que quando voltasse a casa, ela não me ia reconhecer, não me ia querer como mãe dela”. A partir daí foi sempre a piorar. “Vi que não estava bem, mas deixei andar”. Afinal, partilhar com a família que suspeitava ter depressão pós-parto não era conversa que a deixasse confortável. “Não se falava e ainda não se fala nestas coisas, não havia cá doenças. Tinha de ser mãe, fazer o que tinha de fazer e ponto”, afirma.
Com a doença instalada e a privação de sono e o regresso ao trabalho a ajudar, a falta de energia e motivação foram tomando conta dos dias de Patrícia. Depois veio a ideia de morte. “Não andava cá a fazer nada, não estava a saber ser uma boa mãe” - eram estes os pensamentos que a assolavam, mas não os mais negros. Esses, tem até “vergonha” de os partilhar, mas fá-lo num acto de coragem para que outras, na sua condição, não se sintam sozinhas e procurem ajuda. “Quando ela chorava pensava em apertar-lhe o pescoço para se calar. Pôr-lhe uma almofada em cima da cara para que deixasse de respirar”, detalha confrangida com o próprio discurso e ressalvando que apesar destes pensamentos amava a sua filha.

SNS lança programa de prevenção à depressão pós-parto

Pensar em magoar-se a si ou ao bebé é um dos sintomas/sentimentos enumerados pelo Sistema Nacional de Saúde na sua página oficial acerca da depressão pós-parto, uma doença mental caracterizada por sinais prolongados de tristeza, perda de interesse em actividades diárias, ansiedade e irritabilidade. Pode surgir um pouco antes do parto e/ou durante todo o primeiro ano após o parto, sendo mais frequente o seu início até quatro meses após o parto. Afecta 20% das mulheres em Portugal, a média mais elevada da União Europeia.
Este mês de Outubro foi anunciado que o SNS vai incorporar o “Be a Mom”, um inovador programa que visa prevenir e identificar precocemente casos de depressão pós-parto. A plataforma já funcionava online e foi desenvolvida por psicólogos clínicos da Universidade de Coimbra, com o apoio da Fundação Gulbenkian. Numa primeira fase vai chegar a quatro unidades locais de saúde (Vila Nova de Gaia, Guimarães, Beja e Viseu), com os distritos de Santarém e de Lisboa a ficarem de fora.
Patrícia Rosa acabou por procurar ajuda, já tardiamente reconhece, através de sessões de psicologia que frequentou durante quatro anos. Além deste tratamento acredita que o voluntariado que fez na pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa em muito contribuiu para a cura. “Foi ali que aprendi a ser mãe”. Hoje, diz com orgulho, a sua filha é também a sua melhor amiga e é com ela que partilha os melhores momentos da sua vida. Para trás ficam os tempos negros da maternidade. “Talvez um dia, quando ela for mãe, tenha a coragem de lhe contar pelo que passei nos primeiros meses de vida dela”, remata. (Linhas de apoio e prevenção ao suicídio- Voz Amiga- 222 080 707/ Conversa Amiga- 225 506 070).

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