Sociedade | 16-11-2024 21:00

Artistas ajustaram-se à bolsa de mil euros e enriqueceram Bienal de Coruche

Artistas ajustaram-se à bolsa de mil euros e enriqueceram Bienal de Coruche
Bienal de Coruche recebeu candidaturas de 40 artistas que receberam mil euros, cada, para criarem as suas obras

Artistas residentes na Bienal de Coruche elogiam o contacto com o território e a receptividade do público local, mas adequaram a produção das suas obras ao montante de bolsa disponível. Autarquia, que já aumentou valor do apoio, pondera continuar a subir contributo para valorizar artistas participantes.

A Bienal de Coruche, que decorreu de 19 de Outubro a 3 de Novembro, estendendo-se a permanência das obras em exibição até ao dia 10, levou à vila ribatejana a diversidade e inspiração artística de nomes como João Farelo, Frederico Ferreira e Antónia Labaredas. Os três integraram um lote de 10 artistas de 40 que responderam à chamada. Mergulharam na identidade e história local para criar obras singulares.
João Farelo foi um dos artistas residentes na Bienal de Coruche. O artista visual e sonoro reside em Azeitão e desconhecia “totalmente” o concelho ribatejano. O foco do seu trabalho, durante duas semanas, centrou-se na localidade do Couço, onde desenvolveu o projecto “Os Caminhos do Vale”, que envolveu a criação de uma antologia sonora e visual que retrata o território do vale do Sorraia, as suas tradições e histórias, com foco nas interacções com a água.
Durante a Bienal de Coruche ficou alojado em Santa Justa, numa experiência que classificou como sendo “muito gratificante” pelo contacto “muito forte” com a população local. “Conheci algumas pessoas que, de forma muito informal, me revelaram camadas deste território que não são muito óbvias”, frisou.
O apoio financeiro atribuído pela autarquia, no valor de mil euros, foi suficiente para cobrir as despesas totais do artista. “A autarquia pensou nos mil euros como sendo um valor que chegaria para todas as despesas de deslocações, de alimentação… Na verdade, houve algumas ajudas, o que facilitou bastante também, por parte da Junta de Freguesia do Couço. Correu muito bem. O município garantiu também o alojamento durante este período, mas as despesas que tive ficaram à justa, sim”, afirmou João Farelo a O MIRANTE.
O artista salientou que, devido às limitações financeiras, foi obrigado a restringir algumas das suas escolhas expositivas, especialmente no que diz respeito às impressões fotográficas, mas destacou que, de forma geral, o evento decorreu de forma positiva. João Farelo comentou ainda o artigo publicado pelo jornal Público, em Junho, sobre o estado das artes em Portugal, dando destaque à Bienal de Coruche, referindo ter ficado surpreso pela ênfase dada ao evento e por algumas críticas apontadas ao panorama artístico nacional. “Li o artigo do Público que se fixou muito na Bienal de Coruche e até comentei com uma pessoa amiga o porquê de se debruçar tanto neste evento. Não sei se foi uma má experiência da pessoa que escreveu o artigo, não faço ideia”, referiu. No entanto, o artista reconheceu que o artigo levantou questões importantes sobre a valorização das artes e o papel dos artistas em eventos desta natureza em Portugal.

É difícil quantificar o trabalho do artista
Frederico Cordeiro Ferreira, natural de Coruche, formou-se em Engenharia Agronómica, mas desde cedo demonstrou inclinação para as artes, tendo estudado música, desenho, guionismo e realização. O seu talento para contar histórias através de imagem e som levou-o até à residência artística na Bienal de Coruche. Desenvolveu o projecto “8 em 1”, um filme de fotografias e áudios recolhidos em estabelecimentos tradicionais das oito antigas freguesias de Coruche, explorando a coesão social e a identidade territorial num trabalho que abrangeu barbearias, minimercados, lojas de ferragem e sociedades recreativas.
Questionado sobre a importância da Bienal de Coruche e se é preciso investir mais na cultura, Frederico Ferreira sublinha que “melhorias” são sempre bem-vindas a cada edição. “Não só remuneratórias, como a outros níveis. Penso que é uma questão generalizada e, no caso de Coruche, nós já sabíamos das condições, portanto, tentámos adaptar aquilo que eram as realidades logísticas ao nosso trabalho”, considerou.
“É sempre muito difícil quantificar aquilo que é a nossa dedicação, as horas de permanência nos espaços ou as horas de edição do trabalho. A bolsa atribuída pelo município foi uma ajuda significativa porque pagou as despesas de produção, algum trabalho de pesquisa e essas condições são, mais ou menos, globais da realidade e não só desta Bienal”, disse o artista de Coruche.

“O trabalho do artista é sempre um bocadinho ingrato”
A artista Antónia Labaredas, natural de Évora, preparou um percurso intitulado “A Rota Antifascista”, destacando os locais que foram palco de encontros clandestinos antes do 25 de Abril de 1974. “Tem uma grande carga política. Tenho essa herança devido aos meus avós e aos irmãos dos meus avós maternos que foram todos presos políticos. Era impossível fugir a essa proposta”, referiu. Com uma carreira marcada pela experimentação na cerâmica, Antónia Labaredas, licenciada em Design Industrial pela Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha, partilhou a sua visão artística, convidando os participantes a reflectir sobre liberdade e resistência.
Em declarações a O MIRANTE, Antónia Labaredas reconhece que o investimento na Bienal é relevante tendo em conta a dimensão do município de Coruche, mas admite que ainda há um caminho a percorrer no que diz respeito à valorização de profissões ligadas às artes visuais. “Houve pessoas mais satisfeitas que outras. Não tenho razão de queixa a esse nível, mostraram-se sempre disponíveis para o que fui questionando. Ainda assim, a nível do valor que foi dado a cada artista penso que o investimento está muito bem para uma câmara pequena como esta. Sei de casos que não têm o tecto que esta Bienal tem. É claro que o trabalho do artista é sempre um bocadinho ingrato e pouco valorizado, é o que sinto. Mas aos poucos talvez isso possa mudar”, realçam a artista.

Vereadora destaca aumento de apoios para artistas na Bienal

A vereadora Susana Cruz, da Câmara de Coruche, sublinha o aumento da bolsa atribuída aos artistas participantes na Bienal de Coruche, que passou de 600, em 2021, para 1.000 euros, em 2024, além de apoios adicionais em alojamento, refeições e alguns recursos para montagem das obras. Explicou que o regulamento da residência artística foi claro quanto às condições de apoio e que os artistas seleccionados estavam informados sobre os recursos disponíveis. “Recebemos 40 candidaturas e se concorreram estariam disponíveis para fazer o seu trabalho em função da bolsa no âmbito das duas semanas da residência artística”, detalhou.
Questionada sobre eventuais melhorias, a autarca admitem a possibilidade de reforçar a bolsa em futuras edições. A responsável destacou ainda o sucesso do evento, tanto pelo número de actividades culturais como pela diversidade de público. “Acho que estão todos satisfeitos com o resultado desta Bienal, que foi bastante rica, diversificada em termos de actividades culturais”, acrescentou. Susana Cruz vincou ainda o esforço feito para atrair visitantes externos, através de publicações especializadas. “Houve gente de fora que veio de propósito para o evento e para isso tentámos ir ao encontro de públicos específicos através de publicações em comunicação social especializada na área cultural”, concluiu.

À margem/opinião

Valorizar o trabalho dos artistas

“Uma admiração pastoril pelos artistas” foi o título de um artigo de opinião publicado pelo jornal Público, em Junho deste ano, assinado por Maria Gil, artista da área das artes performativas. Nele critica-se a falta de remuneração justa para artistas, com destaque para a open call da Bienal de Coruche. Refere-se que “os termos da open call para artistas lançada pela Bienal de Coruche revelavam uma preocupante desconsideração pelo trabalho dos artistas e pelo seu direito a uma justa remuneração”. Mais refere que “open calls, convocatórias, chamadas de artistas, editais, anúncios, muitos são os nomes para designar uma das formas mais comuns de que os artistas e profissionais da cultura dispõem para conseguir apoio e financiamento para o seu trabalho”.
Embora essas chamadas sejam apresentadas como democráticas e inclusivas, muitas vezes mascaram a exploração dos artistas, exigindo muito trabalho e comprometimento sem oferecer compensação financeira adequada. A autora defende que as instituições culturais devem repensar as suas políticas, garantindo que os artistas sejam pagos de forma justa pelo seu trabalho e propõe uma mudança de mentalidade para valorizar verdadeiramente o papel dos artistas como trabalhadores profissionais.
O artigo de opinião serviu de rastilho e fonte de inspiração para questionarmos, sem receio, artistas e município, colocando o dedo na ferida de microfone aberto, sempre pela verdade e através de perguntas que pretendem respostas transparentes a bem de uma sociedade justa, mais forte.

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