Sociedade | 19-11-2024 15:00

330 vítimas do surto de legionella em VFX ainda esperam por justiça

330 vítimas do surto de legionella em VFX ainda esperam por justiça
Debate no Forte da Casa assinalou dez anos do surto de Legionella de VFX

Dez anos após o surto de legionella que aconteceu em Vila Franca de Xira, 330 vítimas ainda esperam ser indemnizadas. A Associação de Apoio às Vítimas da Legionella organizou um debate no Forte da Casa e reiterou que caso não se faça justiça em Portugal avançam para o Tribunal Europeu.

Dez anos após o surto de legionella que ocorreu no concelho de Vila Franca de Xira, o segundo maior a nível mundial, muitas vítimas ainda clamam por justiça. Dos mais de 400 infectados foram indemnizadas 73 pessoas em que se provou o nexo de causalidade entre a doença e a actividade da fábrica Adubos de Portugal (ADP). As restantes 330 vítimas esperam há uma década para serem ressarcidas por terem contraído a doença e terem ficado com sequelas para o resto da vida.
Como forma de homenagear as vítimas que faleceram e as que ainda lutam por um desfecho do caso nos tribunais, a Associação de Apoio às Vítimas da Legionella (AAVL) assinalou a data no sábado, 9 de Novembro, com um debate na delegação da junta de freguesia no Forte da Casa. O especialista em saúde pública, Mário Durval, interveio na sessão e mostrou-se disponível para defender os lesados. “Estou completamente ao lado das vítimas, não por compaixão, mas porque esta é a posição científica. Há um surto que está definido por quem de direito e as vítimas estão definidas. O resto é fugir com o rabo à seringa”, afirmou.
O pneumologista Filipe Froes recordou que o surto pôs em causa, pela primeira vez, a hipótese de transmissão da legionella entre humanos. Para a história ficou o caso inédito de um trabalhador da Tubogal que laborou na ADP e que transmitiu a doença à mãe, tendo falecido os dois. O caso foi publicado na revista médica norte-americana mais prestigiada e passou a constar da literatura médica posterior.
Em 2014, quando ocorreu o surto, Alberto Mesquita era presidente da Câmara de Vila Franca de Xira. No debate recordou o pânico da população que pensava que a doença estava na água da rede pública. “Se o problema fosse da água, eu disse ao António Oliveira, presidente dos SMAS na época, que me demitia, felizmente não foi. Mesmo assim o ministro da Saúde mandou-nos pôr cloro na água e eu disse que já estávamos a colocar para além do razoável e que as pessoas não morriam da doença morriam da cura. Não o fizemos”, disse o autarca que reafirmou que a justiça pode tardar mas tem de ser feita.

Acção contra o Estado continua embrulhada no Tribunal Administrativo
O Tribunal Administrativo demora anos a dar seguimento aos processos, um deles a acção interposta pelas vítimas contra o Estado português. Maria Manuela, tesoureira da associação, acredita que a justiça é lenta mas que não vai tardar. “Vamos até ao fim e depois de esgotados os recursos em Portugal vamos para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se for preciso. Temos a câmara e a junta do nosso lado”, disse a O MIRANTE.
Das mais de três centenas de vítimas, pouco mais de 70 são representadas pela associação mas a maioria não aparece nem paga quotas. Com o tempo que passou, a esperança que seja feita justiça vai-se desvanecendo e só cerca de 30 passaram procurações à actual advogada da AAVL. “As pessoas encontram-me na rua e dizem para eu não pensar nisto que não vai dar em nada, mas não desisto. A minha mãe sofreu na pele a legionella e ficou com sequelas porque já era de idade. Por mim vamos até ao fim, nem que tenhamos de pedir dinheiro emprestado”, assegura.
Maria Rosa, 76 anos, é uma das vítimas do surto e que é representada pela associação. Acredita que vai ser feita justiça mas lamenta a demora. Apanhou legionella e ficou com sequelas graves, uma vez que já tinha problemas de saúde. Deixou de trabalhar e ficou com incapacidade de 60%. Mais tarde apanhou Covid e actualmente precisa de oxigénio para respirar 16 horas por dia, incluindo durante o sono.

Maria Rosa ficou com sequelas graves e teve de deixar de trabalhar
Maria Manuela, tesoureira da associação, não desiste de lutar por justiça

Associação sem direcção vai a votos no final do mês

Sara Machado é a nova advogada da associação depois da anterior representante das vítimas, Ana Severino, ter cessado funções. A advogada referiu no debate que está ainda a inteirar-se do processo deixado pela colega e que não pode pronunciar-se sobre a defesa das vítimas uma vez que a acção contra o Estado ainda tem a decorrer os trâmites legais.
A AAVL vai a eleições no dia 30 de Novembro, a um mês de acabar o actual mandato, porque está sem corpos dirigentes. Maria Manuela vai continuar na associação mas já disse que não quer assumir a presidência da mesma aguardando-se a apresentação de nova lista ao acto eleitoral.

Surto afectou 400 pessoas e matou 12

O surto de legionella de Novembro de 2014 afectou, sobretudo, as freguesias de Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, causou 12 mortes e infectou mais de 400 pessoas. No entanto, o Ministério Público só conseguiu provar o nexo de causalidade em 73 pessoas e em oito das 12 vítimas mortais.
Em Março de 2017, o tribunal deduziu acusação contra as empresas ADP e General Electric e outros sete arguidos por responsabilidades no surto. As empresas arguidas chegaram a acordo com 73 vítimas e evitaram assim irem a julgamento.

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