330 vítimas do surto de legionella em VFX ainda esperam por justiça
Dez anos após o surto de legionella que aconteceu em Vila Franca de Xira, 330 vítimas ainda esperam ser indemnizadas. A Associação de Apoio às Vítimas da Legionella organizou um debate no Forte da Casa e reiterou que caso não se faça justiça em Portugal avançam para o Tribunal Europeu.
Dez anos após o surto de legionella que ocorreu no concelho de Vila Franca de Xira, o segundo maior a nível mundial, muitas vítimas ainda clamam por justiça. Dos mais de 400 infectados foram indemnizadas 73 pessoas em que se provou o nexo de causalidade entre a doença e a actividade da fábrica Adubos de Portugal (ADP). As restantes 330 vítimas esperam há uma década para serem ressarcidas por terem contraído a doença e terem ficado com sequelas para o resto da vida.
Como forma de homenagear as vítimas que faleceram e as que ainda lutam por um desfecho do caso nos tribunais, a Associação de Apoio às Vítimas da Legionella (AAVL) assinalou a data no sábado, 9 de Novembro, com um debate na delegação da junta de freguesia no Forte da Casa. O especialista em saúde pública, Mário Durval, interveio na sessão e mostrou-se disponível para defender os lesados. “Estou completamente ao lado das vítimas, não por compaixão, mas porque esta é a posição científica. Há um surto que está definido por quem de direito e as vítimas estão definidas. O resto é fugir com o rabo à seringa”, afirmou.
O pneumologista Filipe Froes recordou que o surto pôs em causa, pela primeira vez, a hipótese de transmissão da legionella entre humanos. Para a história ficou o caso inédito de um trabalhador da Tubogal que laborou na ADP e que transmitiu a doença à mãe, tendo falecido os dois. O caso foi publicado na revista médica norte-americana mais prestigiada e passou a constar da literatura médica posterior.
Em 2014, quando ocorreu o surto, Alberto Mesquita era presidente da Câmara de Vila Franca de Xira. No debate recordou o pânico da população que pensava que a doença estava na água da rede pública. “Se o problema fosse da água, eu disse ao António Oliveira, presidente dos SMAS na época, que me demitia, felizmente não foi. Mesmo assim o ministro da Saúde mandou-nos pôr cloro na água e eu disse que já estávamos a colocar para além do razoável e que as pessoas não morriam da doença morriam da cura. Não o fizemos”, disse o autarca que reafirmou que a justiça pode tardar mas tem de ser feita.
Acção contra o Estado continua embrulhada no Tribunal Administrativo
O Tribunal Administrativo demora anos a dar seguimento aos processos, um deles a acção interposta pelas vítimas contra o Estado português. Maria Manuela, tesoureira da associação, acredita que a justiça é lenta mas que não vai tardar. “Vamos até ao fim e depois de esgotados os recursos em Portugal vamos para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se for preciso. Temos a câmara e a junta do nosso lado”, disse a O MIRANTE.
Das mais de três centenas de vítimas, pouco mais de 70 são representadas pela associação mas a maioria não aparece nem paga quotas. Com o tempo que passou, a esperança que seja feita justiça vai-se desvanecendo e só cerca de 30 passaram procurações à actual advogada da AAVL. “As pessoas encontram-me na rua e dizem para eu não pensar nisto que não vai dar em nada, mas não desisto. A minha mãe sofreu na pele a legionella e ficou com sequelas porque já era de idade. Por mim vamos até ao fim, nem que tenhamos de pedir dinheiro emprestado”, assegura.
Maria Rosa, 76 anos, é uma das vítimas do surto e que é representada pela associação. Acredita que vai ser feita justiça mas lamenta a demora. Apanhou legionella e ficou com sequelas graves, uma vez que já tinha problemas de saúde. Deixou de trabalhar e ficou com incapacidade de 60%. Mais tarde apanhou Covid e actualmente precisa de oxigénio para respirar 16 horas por dia, incluindo durante o sono.
Associação sem direcção vai a votos no final do mês
Sara Machado é a nova advogada da associação depois da anterior representante das vítimas, Ana Severino, ter cessado funções. A advogada referiu no debate que está ainda a inteirar-se do processo deixado pela colega e que não pode pronunciar-se sobre a defesa das vítimas uma vez que a acção contra o Estado ainda tem a decorrer os trâmites legais.
A AAVL vai a eleições no dia 30 de Novembro, a um mês de acabar o actual mandato, porque está sem corpos dirigentes. Maria Manuela vai continuar na associação mas já disse que não quer assumir a presidência da mesma aguardando-se a apresentação de nova lista ao acto eleitoral.
Surto afectou 400 pessoas e matou 12
O surto de legionella de Novembro de 2014 afectou, sobretudo, as freguesias de Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, causou 12 mortes e infectou mais de 400 pessoas. No entanto, o Ministério Público só conseguiu provar o nexo de causalidade em 73 pessoas e em oito das 12 vítimas mortais.
Em Março de 2017, o tribunal deduziu acusação contra as empresas ADP e General Electric e outros sete arguidos por responsabilidades no surto. As empresas arguidas chegaram a acordo com 73 vítimas e evitaram assim irem a julgamento.