Venda ilegal das Finanças deixa casal da Póvoa de Santa Iria sem casa há 25 anos mas a pagar IMI
O imbróglio jurídico da Quinta do Zarol, em Vila Franca de Xira, vendida de forma ilegal pelas Finanças num negócio que envolve um ex-presidente da SAD do Futebol Clube de Alverca, está por resolver há mais de duas décadas. A decisão definitiva pode chegar até final do ano. Luta nos tribunais deixou família a passar dificuldades.
Debilitados financeiramente, cansados, revoltados mas incapazes de baixar os braços: há 25 anos que Guliver Reis e a esposa, Carolina, lutam nos tribunais para que a propriedade que compraram em Vila Franca de Xira, a Quinta do Zarol, volte à sua posse depois de uma venda ilegal promovida pelas Finanças de VFX.
Depois de anos de avanços e recuos nos tribunais, o processo está agora no Supremo Tribunal de Justiça para decisão final, que se espera poder vir a acontecer até final do ano, depois de ter baixado em 2016 à primeira instância para a realização de perícias adicionais a um conjunto de obras feitas pelos actuais ocupantes.
A Quinta do Zarol foi penhorada e vendida pelas Finanças numa operação que os tribunais vieram confirmar ter sido abusiva ao ponto da venda ter sido anulada. No entanto, apesar das várias sentenças favoráveis a Guliver Reis dando-lhe razão na posse da propriedade, até hoje o casal não consegue lá entrar embora continue a pagar o Imposto Municipal de Imóveis (IMI). A luta nos tribunais foi tão longa e dispendiosa que Guliver Reis teve de vender o apartamento onde residia na Póvoa de Santa Iria e mudar-se para Benfica do Ribatejo, em Almeirim, para uma casa mais barata.
A Quinta do Zarol é uma propriedade de milhões que hoje é ocupada por terceiros – um ex-presidente da SAD do Futebol Clube de Alverca, Manuel Bugarim - e as Finanças nada parecem ter feito para recuperar a quinta, enquanto os actuais ocupantes vão arrastando o caso na justiça, recurso atrás de recurso.
Guliver Reis, recorde-se, comprou a propriedade em 1992 a Luís Vanzeller Palha, ao regressar de vários anos de trabalho nos Emirados Árabes Unidos, para aí investir na produção de fruta e de leite, tendo depois tentado transformar a propriedade numa atracção turística. O resultado foi um projecto de exploração agrícola com uma vertente didáctica, candidatado a apoios do Fundo de Turismo. O financiamento foi concedido e aprovado e foram dados apoios de 214 mil euros.
A certa altura, Guliver foi incapaz de pagar os juros da operação e o Fundo de Turismo avançou para a penhora da quinta mas acabou por decidir negociar com o casal, tendo a execução sido suspensa várias vezes por ordem daquela entidade. Mas numa dessas vezes as Finanças de Vila Franca de Xira não terão feito caso e, à margem do Fundo de Turismo, ordenaram a venda da propriedade em hasta pública.
As finanças colocaram a Quinta do Zarol à venda por uma verba a rondar os 245 mil euros mas ninguém se apresentou a licitação. Depois, a quinta foi vendida por negociação particular a António Dias dos Santos por menos de um quarto do valor estimado. Guliver Reis avançou em tribunal para travar a venda e foi durante essa batalha judicial que a família Bugarim comprou a propriedade, entretanto dividida em áreas rústica e de construção.
Os tribunais concluíram que quando compraran o imóvel os Bugarim já saberiam, alegadamente, que a venda do imóvel pelas Finanças tinha sido irregular e que decorria em tribunal um processo de anulação dessa venda.
Recurso atrás de recurso
Em 2016, o Tribunal da Relação determinou que a propriedade da quinta voltasse a Guliver Reis, depois de ter anulado a venda fiscal. Por decisão do tribunal, a posse devia regressar à Autoridade Tribuária, à situação em que se encontrava antes da venda anulada, com posição penhorada à ordem de execução fiscal. A sentença foi confirmada pelo Supremo em 2017 e transitou em julgado sem possibilidades de recurso, tendo o tribunal decidido nomear Guliver Reis como fiel depositário da quinta e dos bens penhorados mas a AT nunca terá chegado a reclamar a posse do imóvel.
Os Bugarim vieram entretanto alegar ter feito investimentos de melhoria nos diversos edifícios que ali existiam e pretendem agora ser recompensados desses investimentos. Mesmo sabendo, notam os tribunais, que essas obras não poderiam ter sido realizadas dada a venda inicial ter sido anulada. Nesse período o município de VFX também embargou duas obras realizadas na Quinta do Zarol.
Entretanto, conta Guliver Reis a O MIRANTE, o Supremo decidiu fazer o caso voltar à primeira instância, para serem feitas novas avaliações às obras realizadas na quinta. Já lá vão cinco anos e só em 2023 apareceu o relatório final da peritagem, permitindo que o caso volte ao Supremo. Isto depois do advogado dos Bugarim, João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça, ter vindo alegar matérias que não tinham sido inicialmente julgadas.
A dada altura um dos juízes que ficou com o caso novamente na primeira instância tentou promover uma conciliação das partes. Guliver Reis manteve o pedido inicial de dois milhões de euros pela propriedade, enquanto a outra parte ofereceu 300 mil euros, e a conciliação não foi possível. Guliver Reis critica a O MIRANTE a postura de João Correia, que acusa de o ter tentado desgastar psicológica e financeiramente. Contactado pelo nosso jornal, João Correia optou por não comentar o caso, dizendo apenas para não contarem com ele para “manchar a honra das juízas e dos juízes que intervieram nas suas decisões”.
O MIRANTE também contactou a Autoridade Tributária sobre o assunto mas não obteve resposta. Também tentámos bater à porta da Quinta do Zarol para falar com Manuel Bugarim sobre o caso mas não obtivemos resposta até à data de fecho desta edição.
À margem/opinião
O monstro das Finanças
A Autoridade Tributária, a mesma que aplica coimas e juros sem apelo nem agravo quando um contribuinte se atrasa um dia no pagamento de uma obrigação fiscal, é a mesma que, ao fim de todos estes anos, parece não querer fazer caso do que a justiça já decidiu e assumir de uma vez por todas as suas responsabilidades no caso da Quinta do Zarol. O processo é complicado, verdade, mas foi precisamente por causa das Finanças terem colocado a propriedade à venda, de forma abusiva como os tribunais já concluíram, que todo este imbróglio começou. A máquina fiscal precisa há muito de uma reviravolta e se este caso não for suficiente para dar esse tiro de partida, então o que será?.