Manuel Sequeira soube que sofria de cancro dias depois de ter decidido reformar-se
Manuel Sequeira entrou para a Câmara de Tomar com 16 anos, começou como servente de obras, passando depois para motorista, actividade que exerceu na maior parte do tempo.
Fazia essencialmente o transporte de crianças da escola para casa e vice-versa, mas não só. Figura muito acarinhada em Tomar, guarda muitas histórias e memórias desses tempos. No dia em que decidiu reformar-se, há um ano atrás, sentiu-se mal e foi parar ao hospital. Descobriu dias depois que tinha um cancro nos intestinos. Agora está a recuperar, aguardando nova operação.
Uma vida de trabalho, uma infância complicada e a luta contra o cancro. Em traços gerais, assim é a história de vida de Manuel Sequeira, 63 anos, natural de Ferreira do Zêzere, que trabalhou como funcionário da Câmara Municipal de Tomar durante 46 anos. Durante grande parte do tempo foi motorista, fazendo sobretudo transportes escolares. Assume que nunca pensou muito na reforma e sempre foi apaixonado pelo trabalho. Ironia do destino, quando decidiu reformar-se, por influência de um amigo, há um ano atrás, soube que tinha cancro nos intestinos. E a doença acrescentou uma mudança não programada à sua vida.
Manuel Sequeira foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, fez tratamentos, estando agora a recuperar da doença. Diz que tem saudades do trabalho e que baixar os braços não é solução. Mesmo limitado continua a tentar manter uma vida activa, fazendo o que pode, conta a O MIRANTE este cidadão muito acarinhado e reconhecido na cidade de Tomar.
Entrou para a Câmara de Tomar com apenas 16 anos, mas antes disso trabalhava em Lisboa, num armazém de ferro. Começou como servente de obras e depois, quando abriu concurso para motorista, decidiu concorrer e foi escolhido. O seu trabalho como motorista passou essencialmente pelo transporte de crianças da escola para casa e vice-versa. “Fiz transporte de crianças durante 35 anos, transportei crianças e já transportei os filhos dessas crianças que andaram comigo, foi espectacular, foi uma profissão que adorei e tenho saudades”, assume.
“Quando mudava a presidência notava-se alguma diferença”
Garante que sempre teve uma boa relação com as crianças. “Muitas vezes agarrava num saquinho de rebuçados e dava-lhes; ficavam todos contentes”, recorda. Enquanto funcionário do município, diz que não tem razões de queixa e que sempre foi bem tratado ao longo dos 46 anos que esteve empregado na autarquia. Passaram por si nove presidentes de câmara e sempre manteve uma boa relação com todos. “Quando mudava a presidência notava-se alguma diferença, mas a pessoa acaba por se adaptar”, refere.
Ao longo de mais de 40 anos como motorista, são muitas as histórias que Manuel Sequeira tem para contar. Recorda-se de quando ainda não havia GPS e tinha que fazer viagens para Lisboa. “Tínhamos que fazer o mapa antes, marcar pontos de encontro, deslocar a esses locais e depois ir para outros lados, era muito complicado nessa altura”, conta. Também se recorda de quando fez transportes para a Expo98, onde foi umas dez vezes levar jornalistas e vereadores, havendo dias em que praticamente não dormia.
Outras histórias que Manuel Sequeira guarda são mais “complicadas e sentimentais”. Uma delas está relacionada com a morte de uma criança. Recorda que deixou a criança em casa e pouco tempo depois foi atropelada, acabando por falecer. “Foi uma situação que mexeu muito comigo. Ainda hoje me lembro muitas vezes, apesar de eu não ser interveniente no acidente, mas conhecia bem a criança. Transportava-a todos os dias e foi um bocadinho complicado, foi um choque”, confessa.
À espera de nova operação
Em Agosto de 2023, Manuel Sequeira decidiu reformar-se. “Tive uma pessoa amiga que disse para eu ir gozar a minha vida e que estava na altura de me reformar. Comecei a pensar no que ele me disse e fui”, explica. Na altura, estava de férias, entrou ao serviço numa sexta-feira, foi aos recursos humanos avançar com os papéis para a aposentação e disseram-lhe que tinha todas as condições para avançar com a reforma. Nesse mesmo dia, à tarde, começou a sentir umas dores abdominais “horríveis”, acabando por ir para casa. No dia seguinte foi para o Hospital de Abrantes, esteve lá o dia todo, mas regressou para casa com medicação. “Eu não conseguia tomar a medicação, conforme tomava a medicação deitava-a fora”, conta. Voltou ao hospital, fizeram uma TAC, a qual acusou que tinha cancro nos intestinos:
“Fiquei lá, estive uns dias em espera para ser operado. Depois fui operado, correu mal, tive que ser operado outra vez e agora estou à espera de ser novamente operado, estou à espera que me chamem”, explica. Manuel Sequeira está a recuperar da doença, fez tratamentos de quimioterapia em Torres Novas e agora está a ser acompanhado no hospital de Tomar. “Os médicos dizem que os exames estão a correr bem, está tudo em condições”, refere.
Mãe criou dez filhos
Manuel Sequeira é divorciado e tem uma filha fruto desse casamento. Foi casado durante 23 anos, tendo depois voltado a encontrar o amor junto de outra pessoa. “Estou há 15 anos com uma senhora que me tem ajudado bastante e nesta situação da doença tem sido maravilhosa para mim”, conta com um sorriso no rosto. Mora actualmente no concelho de Vila Nova da Barquinha, mas continua a ir regularmente a Tomar, cidade onde cresceu e trabalhou durante toda a sua vida. Nasceu na freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere mas com apenas quatro anos foi morar para Tomar, com a mãe e irmãos.
“A minha infância foi um bocadinho complicada. Éramos 10 irmãos e fomos criados só pela mãe. Felizmente nunca passei fome, a minha mãe trabalhava, era cozinheira, o meu pai sempre foi ausente, era alcoólico e agressivo”, recorda. Apesar disso, considera que teve uma boa infância, brincou muito e começou a trabalhar cedo. “Em novo tive vários trabalhos nas férias de Verão, fui moço de recados num hotel, estive numa sapataria e numa mercearia”, revela. Manuel Sequeira andou a tirar a quarta classe em Tomar, tendo-a concluído já em adulto.
Agora, já reformado, o dia de Manuel Sequeira é passado essencialmente em casa, mas continua a tentar manter uma vida activa, mesmo estando limitado devido à doença. Trata da horta e dos animais que tem, gosta de ver filmes, acorda cedo e deita-se cedo.