Na Barrosa faz-se artesanato com alma e imaginação
Elsa Arsénio e o casal Ana e José Silva resgatam tradições locais e métodos de artesanato que lhes permite criar peças únicas em cortiça e vime. Nesta actividade, os artesãos da Barrosa encontram uma forma de expressão e terapia.
Na Barrosa, um refúgio tranquilo no concelho de Benavente, o artesanato é muito mais que uma ocupação para Elsa Arsénio e o casal Ana e José Silva. Entre cestos de vime para a lenha que já têm lista de espera, cabaças transformadas em presépios e castiçais de rolhas, estes artesãos trazem consigo a autenticidade de quem esteve boa parte da vida ligado à actividade agrícola. Em cada peça, revelam-se memórias de trabalho no campo que inspiram e dão alma a estas criações, feitas de materiais nobres e técnicas que só o tempo aperfeiçoou.
Elsa Arsénio, artesã de 59 anos, vive há 40 anos na Barrosa, onde encontrou o silêncio e a paz que tanto aprecia. “É uma calma muito grande, embora não haja trabalho, por isso é preciso sair”, confessa. O artesanato surgiu na sua vida há cerca de um ano, após 20 anos de trabalho numa lavandaria no Porto Alto e outros anos como trabalhadora agrícola, mas também em fábricas da região. Na adolescência, com cerca de 15 anos, começou a sua experiência no campo a mondar e a fazer, de enxada na mão, os muros dos arrozais e a marcar sobreiros, numa rotina de trabalho duro que lhe deixou histórias de perseverança.
Hoje, dedica-se a criar bonecas de trapo e peças em cortiça, com uma abordagem baseada na imaginação. “Faço as coisas do que idealizo e invento a partir da minha cabeça. Não tenho nenhuma peça que vá tirar uma ideia da internet”, explica. A artesã transforma cabaças em presépios e castiçais, faz porta-chaves com iniciais e até cochos em cortiça, que antes eram utilizados como recipientes de água pelos pastores. Cada peça, de carácter único, surge do processo manual em que a cortiça é trabalhada desde a prancha em bruto até ao produto final.
Apesar da paixão e do investimento emocional, Elsa Arsénio, natural do Couço, concelho de Coruche, admite que o mercado do artesanato é difícil. “Podemos não vender nada numa feira”, revela, reconhecendo que as dificuldades financeiras do público muitas vezes impedem a compra, ainda que apreciem as peças. No entanto, para a artesã, o elogio sincero de alguém que aprecia o seu trabalho é um incentivo valioso. “Quando alguém diz que nunca viu uma peça tão bem-feita, isso dá-nos valor e serve de incentivo”, vinca.
O artesanato depois da reforma
Já Ana Silva, de 56 anos, e o seu marido José Silva, de 66, partilham a paixão pelo artesanato que se tornou realidade com a reforma de José. “Sempre disse que, quando me reformasse, queria fazer isto”, conta José Silva, que passou a vida entre a agricultura, a construção civil, a carpintaria e como motorista de pesados. A zona da Várzea Fresca foi a paisagem da sua “mocidade”. Durante a crise de 2009 conseguiu emprego no município de Benavente, onde permaneceu até se reformar “antes do tempo”, em 2023, mas depois de “51 anos de descontos”.
A paixão pela criação manual levou o casal a aperfeiçoar o ofício ao longo de um ano, até finalmente começar a receber convites para feiras de artesanato. Nas bancas onde expõem as suas criações, Ana Silva adiciona um toque especial com os bolinhos brancos tradicionais da Barrosa, amassados à mão e cozidos em forno de lenha. Esta receita, que inclui uma calda especial, não é facilmente replicada, mantendo-se como um tesouro da sua herança cultural passada de geração em geração. “Não é aquele bolo em que partilhamos a receita e qualquer pessoa faz”, avisa.
O artesanato da dupla vai além dos doces: criam cestos de vime, sobretudo para lenha, que ganharam popularidade pela sua resistência e qualidade. “As pessoas percebem a diferença em relação aos cestos dos chineses que se partem logo”, comenta José Silva, que dedica horas a preparar o vime, ajustando a espessura e flexibilidade para criar cestos robustos e forrados à mão.
Com orgulho, Ana Silva, que nasceu e foi criada na Barrosa, descreve o pormenor de funcionalidade nos seus cestos: uma pequena abertura que permite aspirar o lixo acumulado no fundo sem comprometer a estética tradicional. Para ele, cada peça é um desafio que envolve vários passos – desde a escolha e tratamento do vime até à montagem final –, num processo que exige experiência e dedicação. “É preciso gostar e praticar muito”, diz José Silva, cuja dedicação ao ofício reflecte uma trajectória de luta e resiliência.
Ana Silva, reformada devido a problemas de saúde, encontrou no artesanato uma forma de superar essas dificuldades. “Pus-me nisto também para ajudar a ultrapassar certas coisas”, revela, afirmando que o trabalho manual se tornou uma verdadeira “terapia”. Este amor partilhado pelo ofício ajuda o casal a lidar com os desafios e a manter o sonho vivo, mesmo quando o mercado não é favorável.