Com as acusações a José Sócrates percebemos que o país é corrupto de norte a sul
João Céu e Silva, jornalista de Alpiarça, biografou algumas das maiores figuras do país. Nesta entrevista está parte de uma conversa que relata 35 anos de vida dedicada ao jornalismo e à literatura.
Além de biógrafo, João Céu e Silva é romancista premiado. Entrevistar um jornalista com 35 anos de trabalho na redacção do Diário de Notícias é entrar na vida política, social e cultural do país das últimas décadas. O DN foi até há pouco tempo um dos jornais de maior referência na nossa democracia. No texto que publicamos nesta edição está uma parte da conversa. Numa próxima publicaremos tudo o que ficou no computador e é importante para conhecermos o biógrafo que trouxe a público a vida de algumas das maiores figuras da nossa vida política e cultural do último século.
Voltando ao sistema. Há um Portugal antes e depois de José Sócrates. Concorda? Acho que o primeiro Sócrates vinha com um bom andamento. Ele queria pôr ordem na Justiça, na Educação e na Saúde. Bastou seis meses para se acalmar. Os barões eram muitos. Era onde tinham muito poder e, portanto, ele acalmou-se. Depois José Sócrates começa a entrar num pântano que o Governo que vem a seguir, do Pedro Passos Coelho e do Paulo Portas, também não saiu. O país com a Troika passou dos piores momentos, tivemos que nos sujeitar a um poder externo quando tínhamos uma democracia consolidada com 35 anos. O Governo do PSD/CDS usou a troika para apoucar os portugueses, para cortar nas reformas, para aumentar impostos, para vender a EDP, as empresas fundamentais para a saúde do país. Tudo o que dava lucro vendeu. Até vendeu a TAP na última hora do dia em que podia assinar um acordo. Depois vem este Governo socialista do António Costa que tem a mão do professor Marcelo Rebelo de Sousa. Está muito por contar sobre o que se passou e ainda está fresco na nossa memória.
Mas há ou não um comportamento ético e moral vergonhoso que tem de ser julgado? É uma situação a que nós não estamos acostumados. Com a troika aprendi a contar os milhões. Não tinha noção o que eram mil milhões de euros. Com estas acusações ao José Sócrates percebemos que o país é corrupto de norte a sul, há corrupção em todos os lados. O legado de José Sócrates foi pôr a descoberto que a corrupção é geral em Portugal.
O país dos Donos Disto Tudo (DDT)… Para mim, a maior mancha da democracia é nós continuarmos um país tão corrupto como era o antigo, embora dantes a corrupção fosse mais ao nível da cunha, do pequeno favor. Mas a democracia não eliminou este problema.
E acredita que o jornalismo vai renascer a tempo de poder contar estas histórias? Não, não, acredito. Cada vez menos a verdade interessa ao jornalismo. O jornalismo agora é dar receitas de uma boa tarte de marmelada com ameixa, o melhor restaurante junto à praia, as grandes festas, os grandes concertos que aí vêm ou vieram. E a par disso vamos vivendo os escândalos na Justiça e noutras áreas da vida pública e política.
Está a dizer que perdemos o poder de nos escrutinarmos como sociedade? Os jornalistas ganham mal, são mal pagos, os jornalistas não têm formação. Não estou a generalizar mas a nova classe não tem formação. Nós vemos nos canais principais de televisão um jovem de 22 anos a fazer reportagem de um incêndio. Isso é errado. As actuais administrações dos grandes grupos não estão interessados em fazer jornalismo. Portanto, o problema não está só nos jornalistas. O problema está nos donos das empresas, nas administrações das empresas que não estão interessadas em fazer jornalismo. Os canais de televisão servem apenas para vender publicidade, para dar lucro. Não é para dar boas notícias.