Eurico Gomes mantém vivo o ofício de relojoeiro na Merceana
Rodeado de relógios centenários e ferramentas antigas, Eurico Gomes continua a reparar relógios na aldeia da Merceana, em Alenquer. Enquanto o Mundo se rende aos relógios digitais, o relojoeiro continua a valorizar o trabalho manual e dedica-se a um ofício que tem tendência a desaparecer.
Numa pequena loja e oficina, na Aldeia Galega da Merceana, Eurico Gomes, relojoeiro de 75 anos, mantém-se fiel ao ofício que abraçou aos 14 anos. Na Praça de Camões, a Relojoaria Gomes resiste ao passar do tempo e mantém o aspecto antigo, tal como os relógios centenários que estão lá dentro.
Natural de Atalaia, Alenquer, Eurico Gomes sempre gostou de relógios e assim que teve oportunidade foi trabalhar aos 14 anos para a ourivesaria do “senhor Narciso”, em Torres Vedras. Aprendeu o ofício e trabalhou na loja até 1970, altura em que foi convocado para a Guerra do Ultramar.
Quando regressou da Guiné ficou com a relojoaria na Merceana, cedida pelo patrão. “Estou aqui há 50 anos. Arranjo despertadores, relógios de sala e relógios mecânicos, porque hoje em dia é tudo a pilhas. Estou a par dos relógios electrónicos, mas as pessoas preferem substituir esses relógios em vez de os reparar”, conta.
Quem entra na oficina da relojoaria é como se estivesse a viajar no tempo. Na parede estão relógios de cuco, que têm entre 70 a 100 anos. Ao fundo da pequena sala estão dispostos despertadores com meio século ou mais e uma antiga publicidade pendurada na parede. “Um relógio de sala pode custar 140 euros a reparar, mas há muita procura por parte de pessoas que têm relógios de família”, explica enquanto aponta para um relógio de parede centenário. Na loja tem ainda para vender aos interessados relógios antigos de algibeira, de pulso e de senhora.
Boa visão e paciência são fundamentais para ser relojoeiro
Antigamente os problemas dos relógios eram coroas partidos, cordas, substituição de vidros e braceletes. Eurico Gomes demora dois ou três dias para arranjar um relógio de sala antigo porque têm de ser desmontados. Na mesa de trabalho chegou a ter dois empregados e ao longo dos anos ensinou o ofício a cinco rapazes. Quatro desistiram da profissão e um ficou a trabalhar numa ourivesaria em Vila Franca de Xira.
“Já há muito poucos a fazer o que eu faço. Com os relógios de pilhas, a arte caiu em desuso e os mais novos não têm interesse. A profissão tem tendência a manter-se só em grandes casas, como na Companhia das Jóias, que têm duas ou três pessoas que não são relojoeiros, mas aprendem a fazer qualquer coisa”, relata.
Um relojoeiro tem de ter boa visão e muita paciência. Com 75 anos e sem problemas de saúde, Eurico Gomes consegue continuar a trabalhar à base das lupas. Na mesa de trabalho não pode faltar a pinça e as chaves de fendas de todos os tamanhos e feitios por causa dos parafusos pequenos. Noutra mesa ainda usa uma máquina para lavar os relógios, com mais de 70 anos.
Felizmente, diz o relojoeiro, ainda há muita gente a fazer colecção de relógios antigos e vão aparecendo compradores que procuram modelos e marcas específicos. Mas tirando as ourivesarias que vendem e reparam relógios, existem no país muito poucas relojoarias.
Eurico Gomes está reformado, mas vai à loja todos os dias da semana das 9h30 às 19h00 e aos sábados até às 13h00. Ao domingo, diz a rir, vai à missa. “Enquanto tiver saúde vou continuar, porque gosto de reparar relógios. Estou com uma renda acessível, mas quando sair isto acaba e fecha. Os meus filhos chegaram a estar aqui a tentar fazer umas coisas, mas só mudavam as braceletes e uns vidros. É um ofício que exige paciência”, diz o relojoeiro da Merceana.