A luta pela água na Herdade da Comporta e o brutal aumento do preço da construção
A Herdade da Comporta está a ser alvo de um atentado ambiental nunca imaginado. O projecto mais recente, que junta cerca de 80 proprietários, prevê o aumento de mais três mil camas à custa da abertura de furos de água para consumo humano à margem dos serviços municipalizados. O resultado pode ser o fim de um aquífero importante na margem esquerda do Tejo que nasce em Abrantes e acaba no concelho de Grândola.
Os terrenos da Herdade da Comporta estão a ser disputados de uma forma que pode ser considerada muito perigosa para quem lá vive e investiu a contar com um futuro risonho. Há um projecto em andamento que prevê o crescimento de mais três mil camas que roça o ridículo, pois pretende utilizar água para consumo humano sem estar ligada aos serviços municipais
A herdade da Comporta é muito mais que um pequeno território. Segundo dados que O MIRANTE consultou, há um novo projecto aprovado em reunião de câmara de Alcácer do Sal que pode secar para sempre o aquífero T3, que se estende do concelho de Abrantes ao de Grândola, e que actualmente mostra já sinais alarmantes de esgotamento.
A Associação de Proprietários Agroflorestais da Comporta (APAFLOC) iniciaram em setembro de 2020, juntamente com a câmara de Alcácer do Sal, o Plano de Intervenção em Espaço Rural nos Montes da Comporta (PIER-MC). Este plano, que abrange uma área de mais de 1.700 hectares na freguesia da Comporta, visa licenciar 3.100 camas em 76 propriedades.
O PIER-MC propõe a construção de fossas sépticas individuais e a obtenção de água através de furos artesianos, em vez de um sistema de saneamento básico e abastecimento público de água. Esta abordagem levanta sérias preocupações sobre a potencial contaminação do aquífero, assim como a sustentabilidade dos recursos hídricos. Para se ter uma ideia das preocupações ambientais e estruturados que já são fáceis de comprovar, a água armazenada já diminuiu de 60 hm³ em 2003 para 28 hm³ em 2022, devido à instalação de várias culturas intensivas e indústrias, como é o caso da empresa de fabrico de relva que é uma das maiores do mundo, assim como dois dos maiores campos de golfe construídos também nos últimos anos.
Dos impactos ambientais visíveis, com a política de concessão de todas as facilidade a quem quer construir e investir naquele território, a lagoa de Melides já perdeu quase metade do seu volume de água desde 2019, e o açude de Vale de Coelheiros, construído em 1950, está seco desde 2019
Nesta altura, para tentar salvar aquilo que os autarcas dos concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola parecem ignorar, há vários proprietários a recorrerem a pareceres técnicos de forma a mostrarem que o território não aguenta a pressão a qualquer custo dos investidores, mesmo que estejam com as melhores das intenções.
O MIRANTE conversou com um dos consultores envolvido na defesa de um dos proprietários que está a sofrer com esta corrida desenfreada ao pote, e veio à conversa o brutal aumento do preço da construção em toda a zona da Comporta, que já atinge preços na ordem dos quatro mil euros por metro quadrado. "As empresas de construção civil têm neste território um verdadeiro poço de petróleo, e mesmo assim não chegam para as encomendas", disse ainda a mesma fonte a O MIRANTE. Para dar uma ideia do que representa para o território da Comporta alguns investimentos, é público que as últimas empresas a instalarem-se, como foi o caso da empresa de relvados, abriram mais de duzentos furos, o que dá uma ideia do consumo de água num território que é de seca e vive dos aquíferos.
A LUTA PELA ÁGUA
A luta pela água nos concelhos de Alcácer do Sal e Grândola também preocupa alguns serviços municipais que já deram pareceres contrários aos dos executivos das autarquias, nomeadamente quando aceitam que os novos empreendimentos se liguem a furos, em vez de ao serviço de águas de abastecimento público dos municípios.
Os erros do passado, as três mil camas porque lutam os operadores turísticas à custa de empreendimentos que vão viver independentes dos serviços municipais de abastecimento de água, a falta de vontade política para actualizar a REN nos dois concelhos, são preocupações que estão a mobilizar vários técnicos e que podem saltar para os tribunais europeus se, entretanto, não houver retrocessos e os planos previstos forem homologados.