Construir um açude no Tejo em Constância não faz qualquer sentido
Manuel Campilho, um dos promotores do Projeto Tejo, diz que o Estudo de Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste, em fase de consulta pública, prevê infraestruturas sem sentido, como o açude no Tejo na zona de Constância, e esquece recursos hídricos existentes, como a cascata do Zêzere.
O Estudo de Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste está em consulta aberta até 28 de Fevereiro, no site participa.pt, e já começou a suscitar críticas na região, designadamente devido à eventual construção de um açude rebatível no Tejo entre Constância e o Castelo de Almourol. Autarcas de Constância e da Barquinha já se pronunciaram contra essa hipótese, que pode vir a submergir trilhos e passadiços ribeirinhos e a praia fluvial de Constância, e a essas vozes junta-se a de Manuel Campilho, um dos promotores do Projeto Tejo e administrador da Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima, em Alpiarça, que diz não fazer qualquer sentido a construção do açude em Constância para controlo da cunha salina.
“O controlo da cunha salina deve começar cá em baixo, em Valada. Este projecto vai-se fazendo a pouco e pouco, pode ser feito a 20 ou 30 anos, agora começar em Constância, para nós, não faz sentido nenhum”, disse a O MIRANTE Manuel Campilho, que tem outros reparos a fazer ao estudo promovido pela Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural. Designadamente porque não considera a chamada “cascata do Zêzere”, composta por três barragens, mas prevê a barragem do Alvito - no rio Ocreza, afluente que desagua no Tejo no distrito de Castelo Branco -, “que nem sequer está feita, nem ainda se sabe quando vai ser feita”.
O empresário agrícola ressalva que é bom que se construa a barragem do Alvito, por serem importantes as infraestruturas para armazenamento de água, mas vinca que já existe a cascata do Zêzere, recordando que a barragem do Cabril já tem fins múltiplos desde 2022 e a do Castelo do Bode também pode ser para fins múltiplos a partir de 2032. “A cascata do Zêzere pode e deve ser utilizada”, enfatiza, opinando que “o estudo está incompleto e não considera todas as premissas que devem ser consideradas”.
Mesmo assim, Manuel Campilho entende que o estudo agora em consulta pública acaba sempre por acrescentar valor. “Quer dizer que há mais do que uma visão para o Tejo, e isso é útil. Pelo menos há uma consciência de que alguma coisa tem de ser feita para o rio, senão vai-se estragar. As opiniões não têm de ser totalmente coincidentes”, afirma.
Projeto Tejo não saiu da gaveta
Sublinhando que este estudo da Direcção Geral de Agricultura “nada tem a ver com o Projeto Tejo” apresentado em 2018, de que Manuel Campilho e o seu irmão Miguel Campilho têm sido os principais rostos, o empresário agrícola considera que se mantêm todos os pressupostos que levaram ao seu lançamento. “Como temos dito sempre, o Projeto Tejo é faseado e tem uma série de vantagens, desde a produção agrícola à produção de energia, à água de qualidade para o desenvolvimento do turismo e para consumo humano. Tem uma série de valências que, do nosso ponto de vista, devem ser consideradas”, diz, notando que, como chove cada vez menos, é fundamental armazenar água para produzir alimentos e para a nossa sobrevivência.
Desde a entrada em funções do novo Governo, tiveram uma reunião sobre o Projeto Tejo com o ministro da Agricultura e vão ter também um encontro com a ministra do Ambiente. Manuel Campilho ficou agradado com a receptividade por parte do poder político e diz que à medida que se vai falando do assunto as pessoas vão tendo curiosidade e ficando mais atentas ao Tejo. “Ainda não se fez nada, mas pelo menos tem-se falado. Quer dizer que as pessoas estão interessadas em saber o que é que vai acontecer, porque, se nada acontecer, o Tejo vai-se estragar. Mas neste país é assim. Quanto tempo demorou a fazer o Alqueva? Há quanto tempo se fala do novo aeroporto?”, observa em jeito de reparo.
Manuel Campilho e Miguel Campilho estão na primeira linha do Projecto Tejo, apresentado em 2018 e que aponta uma série de soluções para potenciar e dar nova vida ao maior rio ibérico em diversas vertentes. Na sua juventude tomaram banho no Tejo e brincaram com os filhos dos pescadores. Hoje continuam a viver uma relação profunda com o rio que corre junto às terras que cultivam.
Estudo prevê uma albufeira no Tejo em Constância
No preâmbulo do Estudo de Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste refere-se que está subjacente a necessidade de “considerar a questão dos fins múltiplos, a produção de energia, o abastecimento de água, a defesa contra cheias, a regularização de caudais ou a navegação, a questão da racionalidade da eficiência e da sustentabilidade técnica, a questão do ambiente e as questões financeira, social, económica e de desenvolvimento regional e nacional”. Dos estudos realizados resultou uma proposta de novas áreas de regadio e aumento dos regadios já existente.
Relativamente aos cenários futuros, concluiu-se que o cenário que permite o maior consumo é o cenário com a construção da barragem do Alvito, no rio Ocreza, que suporta um aumento significativo da necessidade de água para regadio na região Oeste sem prejudicar a bacia do Tejo.
Segundo se lê no documento que está em consulta pública, o estudo e a proposta de aproveitamento hidroagrícola do Tejo e Oeste apontam o Tejo como fonte principal de abastecimento de água, sendo o sistema reforçado pela barragem de Alvito (rio Ocreza) cuja construção tem como principal objectivo regularizar os caudais ecológicos no rio Tejo. A área a beneficiar pelo aproveitamento do Tejo e Oeste ascende a cerca de 43.760 hectares, relativos a 26 blocos de rega. A rede primária de adução preconizada para o aproveitamento Tejo e Oeste considera a definição de três sistemas hidráulicos: sistema da Margem Direita do Tejo; sistema da Margem Esquerda do Tejo; e sistema do Oeste. Os sistemas têm como origem de água captações a localizar na albufeira a criar pelo açude rebatível a construir a usante de Constância, após a confluência do rio Zêzere com o rio Tejo, lê-se ainda.