Alenquer não tem resposta social para crianças com deficiência
Sem infraestruturas ou serviços no concelho de Alenquer, famílias de crianças com deficiência enfrentam vários desafios. Diariamente deslocam-se à Cerci, em Azambuja, a resposta mais próxima onde podem deixar os filhos até às 15h00. A associação Rising Child trabalha para preencher estas lacunas e o sonho é poder ter uma residência própria em Alenquer.
Não existem respostas sociais para as crianças com deficiência no concelho de Alenquer. Os pais não têm onde deixar os filhos na sua área de residência e por isso todos os dias as crianças vão de autocarro até à Cerci Flor da Vida, em Azambuja, para estarem ocupadas e fazer terapias. As preocupações com estas famílias são um dos focos da associação Rising Child, criada há sete anos em Alenquer.
O sonho maior da Rising Child é construir uma estrutura de raiz com a possibilidade de alojar temporariamente crianças com deficiência ou oferecer espaços de ocupação de tempos livres em períodos não lectivos. Nesta estrutura dariam apoio técnicos de saúde (sobretudo enfermeiros) com formação e apoio médico 24 horas por dia. As famílias sem recursos não têm onde deixar as crianças após as 15h00, hora de encerramento das actividades na Cerci em Azambuja. Nestes casos, é frequente um dos progenitores deixar de trabalhar para poder ser cuidador.
A Rising Child nasceu da vontade de ajudar de três amigas que já faziam voluntariado em África e de uma conversa saiu a decisão de avançarem para a criação da associação. “A Câmara de Alenquer fez o ano passado um diagnóstico social mas os números da deficiência não são reais. Por isso, ainda este mês vamos começar a fazer um levantamento com a ajuda do centro de saúde e escolas. Mas há-de haver sempre uma franja de miúdos que não entram nas contas, porque ou não vão à escola, não saem de casa ou não são acompanhados no centro de saúde, mas não devia ser assim”, avança a presidente da direcção, Andreia Costa.
A associação dedica-se a dar resposta em áreas onde as outras instituições não conseguem chegar. No projecto Escutar, a associação dá apoio psicológico às famílias através da partilha de vivências e conversas. “Eu ouço os pais queixarem-se da mesma coisa há sete anos, problemas comuns como não terem tempo uns para os outros, e sobre a grande preocupação que é quem vai tomar conta dos filhos quando morrerem. Muitos pais têm um segundo filho já a pensar que irá tomar conta do irmão com deficiência”, conta Andreia Costa, fisioterapeuta.
Durante a pandemia surgiu o projecto Cuidar, uma rede de apoio de “babysitting especializado” para crianças e jovens com deficiência motora, facilitando o direito ao descanso dos cuidadores. A associação dá suporte temporário às crianças com deficiência, sempre que os cuidadores o solicitem, permitindo-lhes períodos de descanso (uma noite, um fim-de-semana ou um período de até um mês). Este suporte da criança com deficiência também pode ser útil quando um dos pais precisa de um período de recuperação de uma doença aguda ou crónica, de uma intervenção cirúrgica ou de um parto, como já aconteceu. O projecto depende da disponibilidade das enfermeiras voluntárias que colaboram com a instituição.
“A deficiência é um nicho e aquilo que ninguém quer ver”
A partir dos 18 anos não há nenhuma resposta disponível. Nas instituições como a Cerci Flor da Vida, os utentes só podem estar até atingirem a maioridade. É o caso do filho de Carla Sousa, 18 anos, diagnosticado com doença rara (Síndrome 18 Q), e que por falta de resposta passa o dia num lar de idosos em Meca. “A deficiência é um nicho e aquilo que ninguém quer ver. Enquanto sociedade temos de criar estruturas para estas pessoas poderem viver da melhor forma possível e dar-lhes competências para serem adultos funcionais, um trabalho, e viverem de forma mais independente possível”, sublinha a presidente da direcção.
A Rising Child apoia actualmente cerca de 30 famílias, a maioria do concelho de Alenquer e não tem recursos para ter pessoas a trabalhar todos os dias. Através do site é possível as pessoas oferecerem-se como voluntárias ou fazerem-se sócias da instituição com o custo simbólico de 20 euros anuais. A associação tem 200 sócios e empresas que ajudam, além dos órgãos sociais que acabam muitas vezes por injectar verbas próprias nos projectos. A sede está localizada no centro de Alenquer e a renda e despesas fixas são pagas com verbas próprias.
Alenquer é um tormento para quem se desloca em cadeira de rodas
Alenquer é um concelho com elevado número de crianças com deficiência. De acordo com a presidente de direcção da associação, os números são maiores porque entram nas estatísticas casos de crianças que não são capazes de subir uma escada, com problemas nos joelhos ou falta de mobilidade.
A Rising Child entregou à Câmara de Alenquer um relatório com as barreiras arquitectónicas que impedem a circulação de cadeiras de rodas pela vila sede de concelho. Através de um peddy paper realizado durante a Feira da Saúde, as crianças foram convidadas a andar de cadeiras de rodas e a fotografar as dificuldades com que se depararam. “São barreiras inacreditáveis. Ninguém consegue andar bem sozinho numa cadeira de rodas sem precisar de ajuda de outra pessoa. Os pais, como não conseguem ir à rua, ficam com os meninos em casa e as pessoas fecham-se e sentem-se desamparadas. Depois, há sítios mais evoluídos, como o concelho de Vila Franca de Xira, porque tem a vereadora Manuela Ralha, que tem uma deficiência, e consegue fazer muita coisa”, reitera.
Graças à Rising Child, o Forúm Romeira, em Alenquer, tem rampa de acesso ao palco desde Novembro de 2024. Na altura em que a associação quis realizar o seu congresso constatou que o palco não tinha acesso para cadeira de rodas e pessoas com mobilidade reduzida. “Telefonei para a câmara e recebi depois um e-mail de uma funcionária a dizer que a câmara não tinha rampa nem a iam fazer. Liguei para o vereador Paulo Franco, já zangada, e uns dias depois estava lá a rampa. Se estas coisas não partem dos órgãos públicos, partem de quem afinal?”, observa Andreia Costa.