Sociedade | 10-02-2025 12:00

Podas das vinhas são feitas por quem não se pode render à reforma

Podas das vinhas são feitas por quem não se pode render à reforma
Belmira Besteiros, Luís Sampaio e António Constantino (à dir.) podam uma vinha na zona da Tapada, concelho de Almeirim

Numa manhã invernosa, com um vento de cortar e o terreno enlameado, um casal e um vizinho podam uma vinha perto da Tapada, concelho de Almeirim, fazendo ver aos mais novos a resistência de quem não pode ou não quer deixar o trabalho agrícola.

Até porque se não fossem os estrangeiros algumas tarefas estariam comprometidas. António Constantino e a companheira Belmira Besteiros, casal que se conheceu a podar, e o vizinho Luís Sampaio, têm uma média de idades de 80 anos.

Numa vinha perto da Tapada, concelho de Almeirim, António Constantino, 82 anos, com as mãos enrugadas e enregeladas da manhã invernosa, poda a vinha com Belmira Besteiros, a sua companheira, 14 anos mais nova, que conheceu há duas décadas precisamente a podar. O casal faz-se acompanhar por outro homem do campo, vizinho deles, que não é homem de ficar em casa a lamentar os seus 91 anos de idade. Luís Sampaio improvisou umas protecções para não molhar as pernas, enfiando-as dentro de duas sacas de plástico que já transportaram adubo. Todos trabalham no campo desde adolescentes e estão habituados ao rigor de uma actividade, de que os jovens fogem, e fiéis às tesouras mecânicas, como antigamente.
Nos seus tempos de juventude os namoricos começavam nos campos, onde quase toda a gente se conhecia. Não como hoje nos bares e discotecas, até porque então não havia esses divertimentos. Luís Sampaio lembra que ao fim de um mês de nascido, os pais levaram-no “logo para o campo” e que desde pequeno que trabalha na agricultura. À medida que se curva para podar as cepas, o agricultor de Almeirim diz a sorrir que ainda não se fartou de andar no campo, onde sente menos dores do que no sofá em casa. No campo os aquecedores são as várias camadas de roupa, responde quando se lhe pergunta como combate o frio.

Pode faltar tudo à vinha menos a poda
A poda é a actividade mais importante numa vinha, porque, diz António Constantino, a vinha “pode passar sem adubo, mas sem a poda não passa” sendo o que requer mais mão-de-obra e que leva mais tempo. O agricultor explica que a poda é um trabalho que “só quem souber é que o deve fazer” e que não é “qualquer indivíduo que agora chega aqui e começa a podar”. É um trabalho específico, em que as pessoas têm que saber o que fazer, senão pode comprometer a produção da vinha.
Mas podar até é o trabalho “mais leve que há no campo” e diz Luís Sampaio, de Almeirim, com pena que “só vai para o campo quem não tem mais nada”, pois é uma vida dura e sem “regalia alguma”. É isso que explica que a agricultura seja feita pelos mais velhos. António Constantino começou na agricultura com 13 anos e não conhece outra vida. Nascido e criado em Almeirim, movimenta-se de cepa para cepa a coxear com uma tesoura na mão e um serrote pendurado à cintura.

Os mais jovens na agricultura são estrangeiros
Apesar de terem crescido no meio, as filhas de António não seguiram as suas pisadas e ainda bem, reconhece, porque é das profissões que tem as piores reformas na velhice. Quem trabalha hoje no campo é maioritariamente quem cresceu nele, constata António Constantino, excepção feita para alguns estrangeiros que começam a aprender algumas tarefas agrícolas, como cabo-verdianos e timorenses. E a maior parte mostra interesse em saber fazer, observa Belmira Besteiros, 68 anos, que é a que sabe podar há menos anos, tendo começado nesta arte aos 30 anos de idade. Mas tal como Luís e António, os pais e avós de Belmira também trabalhavam no campo. Alheia às tesouras eléctricas, Belmira reconhece que em muitos casos se não fossem as máquinas e a mão-de-obra estrangeira, a agricultura estava condenada.
Belmira Besteiros, enquanto corta uma vide com a precisão de quem nem precisa olhar para a tesoura, lembra-se do quanto se sofria antigamente com a falta de condições. Não havia luz e a roupa era lavada à mão à noite no tanque, depois de um dia de trabalho duro. Hoje “temos tudo e não temos nada, porque antes mesmo com essas dificuldades havia mais alegria no trabalho do campo”. António e Belmira, dizem que em breve vão deixar de trabalhar no campo e planeiam arrendar alguns terrenos que têm para compensar as pequenas reformas. Luís Sampaio não pensa nisso ainda porque pelo menos no campo vai-se distraindo.

Paula Proa, de Almeirim, considera que os jovens deviam experimentar podar vinhas

A importância da poda e da agricultura

Paula Proa trabalha na agricultura desde adolescente e ainda sente alegria em ir para o campo podar. A agricultora de 59 anos explica que a poda é fundamental para as vinhas produzirem uvas e que este tipo de actividade, ao contrário do que muitos jovens podem pensar, é fácil e muito boa de se fazer. Paula salienta que os mais jovens deviam pelo menos experimentar, pois é um trabalho que se faz bem e que hoje em dia até há muitas formações onde qualquer pessoa pode aprender e saber mais sobre esta actividade agrícola.
Acompanhada de outras mulheres que todos os anos também andam a podar, a trabalhadora de Almeirim sublinha que na agricultura a poda é um dos trabalhos que não pode ou deve acabar e que mais pessoas lhe deviam dar mais valor. “Muitas pessoas quando estão a comer as suas uvas ou a beber o seu vinho, não pensam no trabalho que deu para que as vinhas pudessem produzir e a poda é uma das partes mais importantes desse ciclo”, acrescenta Paula Proa.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1702
    05-02-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1702
    05-02-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1702
    05-02-2025
    Capa Vale Tejo