Insultos a deputada Ana Sofia Antunes fizeram correr muita tinta e ultrapassaram todos os limites
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“Drogada” e “aberração” foram alguns dos nomes chamados por deputados do Chega a Ana Sofia Antunes, deputada socialista cega e ex-secretária de Estado residente em Vila Franca de Xira. Presidente da Câmara de VFX diz que há limites para a falta de educação. O vereador e deputado do Chega, Barreira Soares, desvaloriza o caso.
Vários deputados do Chega no Parlamento insultaram na sexta-feira, 14 de Fevereiro, Ana Sofia Antunes, deputada e ex-secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, residente em Vila Franca de Xira, chamando-a de “drogada” e “aberração”. O bate-boca entre Chega e PS aconteceu de microfones desligados e fez correr muita tinta nos dias seguintes. Ana Sofia Antunes, que é cega, diz que se bateu no fundo e acusa os deputados do Chega de falta de respeito e de serem mestres da ofensa.
“Durante muito tempo muita gente achou que ignorar ou não dar importância a estes apartes era a melhor forma de reduzir os comportamentos destas pessoas à sua verdadeira dimensão. Mas não vai funcionar, esse comportamento apenas dá força à indignidade, à calúnia, ofensa e mau trato. Agora foi comigo. Batemos no fundo, num limiar onde pensámos que nunca iríamos chegar”, lamenta a deputada. Para Ana Sofia Antunes, o que aconteceu no Parlamento foi uma falta de respeito para todas as pessoas que sofrem de deficiência no País. “Se o Chega abre confrontos e insultos, obviamente há resposta, as pessoas não são passivas, não podem ficar caladas perante o que ouvem reiteradamente”, nota.
A O MIRANTE o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, também ele ex-deputado socialista, reagiu ao que aconteceu alinhando a sua opinião com a do secretário geral do PS, Pedro Nuno Santos, que sublinhou que o partido não irá compactuar com o desrespeito do Chega. “Há limites para a falta de educação e para a sujidade com que o Parlamento às vezes é inundado. Quando se parte para um insulto daquela natureza, acho que se ultrapassaram todos os limites e os portugueses devem ter isso em conta”, lamenta o autarca.
O debate no Parlamento, recorde-se, foi motivado por um projecto de lei do PS que propõe a criação de um regime jurídico dos estudantes com necessidades educativas específicas no ensino superior. Os insultos começaram depois da intervenção de Diva Ribeiro, do Chega, que acusou Ana Sofia Antunes de participar nos debates apenas quando estão em cima da mesa temas relacionados com a inclusão e a deficiência. A declaração motivou um pedido de defesa da honra da bancada parlamentar do PS, com Marina Gonçalves a acusar Diva Ribeiro de desrespeitar “o trabalho sério” dos deputados socialistas. Perante os apartes, as bancadas do Bloco de Esquerda e do PSD também condenaram os comentários da bancada do Chega.
“Não somos rufias”
Já Barreira Soares, vereador do Chega na Câmara de VFX e deputado no Parlamento, diz a O MIRANTE desvalorizar o que aconteceu. “A colega da Ana Sofia Antunes começou a chamar nomes ao nosso deputado Filipe Melo, que tem um filho com deficiência, e ele reagiu. Não deu para perceber depois o que lhe chamaram porque os gritos eram tantos de parte a parte que acabei por não entender quem chamou o quê a quem. Tem sido uma constante”, explica. Ainda assim, Barreira Soares considera que a intervenção inicial de Diva Ribeiro foi mal interpretada pela bancada socialista e que se fez depois uma tempestade num copo de água. “Não tem o significado que lhes estão a dar. O PS condena dizendo que houve ofensa à condição da Ana Sofia Antunes. Ela poderá ter-se sentido ofendida e quando não passamos pelas coisas não atribuímos tanta importância. O que houve foi uma má interpretação e um aproveitamento da parte do PS para fugir ao facto de não fazerem o que devem em prol do cidadão. Assim é mais fácil chamar-nos de rufias, mas não somos nada disso e com o tempo vamos prová-lo”, explica.
Um rosto de Vila Franca de Xira
Ana Sofia Antunes, cega congénita, tornou-se em 2015 a primeira cidadã com este tipo de deficiência a integrar o governo. Foi presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal e tem sido ela própria um exemplo vivo de inclusão das pessoas com deficiência, tendo tirado a licenciatura em Direito pela Universidade de Lisboa. Vive em Vila Franca de Xira, é um rosto conhecido da cidade e foi assessora jurídica na Câmara de Lisboa entre 2007 e 2013. Em 2010 chegou a ser responsável pelo Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa e Personalidade do Ano de O MIRANTE em 2016.