Na Chamusca semeia-se a parentalidade consciente para quebrar padrões indesejáveis
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Educar pode ser desafiante e trazer ao de cima fragilidades do próprio adulto. Como agir perante uma birra? Devo castigar, devo educar como me educaram? Estas são algumas das questões às quais a psicóloga Patrícia Mendes dá resposta numa conversa à margem da primeira sessão do programa Parentalidade Consciente, promovido pela Junta da Chamusca.
Educar uma criança pode ser um desafio para o adulto lidar com as suas próprias emoções, vivências passadas, o modelo de educação que lhe foi transmitido. E, nalguns casos, é preciso repensar, voltar à estaca zero para se conseguir educar de forma consciente. É para ajudar aqueles que querem fazer essa “tomada de consciência”, e aprender que “a relação é a base da educação”, que a psicóloga Patrícia Mendes lidera o programa Parentalidade Consciente, com sessões às sextas-feiras, no Edifício Sérgio Carrinho, na Chamusca.
“É difícil ao adulto, na relação com a criança, lidar com as suas próprias emoções. Muitas vezes a relação com a criança é desafiante porque vem activar gatilhos da nossa infância e educação, de padrões que trazemos e que nem sequer reconhecemos. E quando não paramos para reflectir e não tomamos consciência deles há tendência para repetir, por exemplo, padrões de permissividade, de abandono, de falta de afecto na relação com a criança”, explica a O MIRANTE a psicóloga de 37 anos, residente em Santarém.
Fazer parentalidade consciente é, prossegue, “um caminho que se escolhe” e no qual a pessoa trabalha o seu auto-conhecimento para conseguir usufruir da “fase bonita” que é cuidar e educar uma criança. Não é o mesmo, esclarece, que ser permissivo. Até porque, o que se propõe ao adulto é que faça uma distinção entre aquilo que é a necessidade da criança e aquilo que é um desejo. “Uma coisa é satisfazer a fome, outra é satisfazer o desejo de comer um gelado”, exemplifica.
Foi para se tornar numa mãe mais consciente de si e dos valores que quer passar para a filha de três anos que Joana Salgado, de 42 anos, integrou o grupo. Não só agora neste programa mas num anterior, com o mesmo propósito, na altura promovido pela Câmara da Chamusca. “Senti que precisava de mais ferramentas, de mais apoio, e surgiu oportunidade de ir para uma formação sobre parentalidade consciente. Há imensa culpa, dúvidas e, de repente, encontrei-me com mães, educadoras, quase que um grupo de suporte onde podemos tirar dúvidas, falar sem medos”, explica.
Quando esse projecto terminou, Joana Salgado foi uma das mães que procurou forma de lhe dar continuidade. O grupo encontrou na Junta da Chamusca e Pinheiro Grande a abertura e apoio de que precisavam. “Fomos contactados por um grupo de mães dando conta de que o projecto através do município tinha acabado e porque achámos que era muito interessante, decidimos colaborar com este grupo de pais e contratar a psicóloga que trabalhava para o município e continuar nos mesmos moldes”, explica o presidente da junta, Rui Martinho, sublinhando que o programa passou a ser também aberto aos alunos da Universidade Sénior da União de Freguesias da Chamusca e Pinheiro Grande.
As sessões, salienta a psicóloga Patrícia Mendes, são destinadas a todas as pessoas que regularmente lidam com crianças e adolescentes. “É fundamental que o grupo saiba que este se pode tornar num espaço de partilha onde se valoriza a confidencialidade”, destaca.
Birras e castigos
Questionada sobre a melhor forma de se lidar com a birra de uma criança, Patrícia Mendes, especializada em Psicologia da Educação, defende que o adulto pode olhar para ela de duas formas: “como um comportamento de desafio ou como um comportamento que manifesta uma necessidade da criança”. Se o adulto escolher o primeiro, se lidar como se de um “ataque” se tratasse, a tendência vai ser “querer corrigir aquele comportamento”, o que não é, para a psicóloga, a melhor forma de se lidar com a birra.
“Se olhar para aquele comportamento como uma necessidade que a criança não está a saber expressar de outra forma, a minha disponibilidade para lidar com o comportamento vai ser outra. O foco vai ser tentar perceber que necessidade é aquela e vai permitir acolher o comportamento, validar as emoções da criança e encontrar forma de corresponder ao que a criança não está a saber verbalizar ou demonstrar de forma mais desejável”, afirma.
Quanto ao tema castigo e se este cabe no conceito de parentalidade consciente, Patrícia Mendes vinca que o castigo não gera mudança. “Todo o comportamento a que dou atenção, seja positivo ou negativo, estarei a reforçar”, diz. Nos dias de hoje, com o ritmo acelerado do quotidiano, é comum dar-se “mais atenção aos filhos quando estão a gritar, a fazer um disparate ou uma birra do que quando estão sossegados”. E é precisamente “quando a criança está sossegada”, defende, que “devia ter a atenção do adulto, porque se é esse comportamento que é o desejável, então é esse comportamento que deve ter a atenção do adulto, ser reforçado”. O castigo, vinca, “vai focar a atenção num comportamento negativo, não desejável e, provavelmente, vai gerar revolta, tristeza e criar um fosso cada vez maior de repetição e na relação com a criança”.