Filipa Rodrigues viveu anos de terror às mãos do companheiro em Tomar
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Ameaçada, violada, espancada e mutilada. Acusação do Ministério Público relata o inferno vivido por Filipa Rodrigues às mãos do ex-companheiro, com o qual tem uma filha. Arguido com antecedentes criminais pede inimputabilidade. Está acusado de oito crimes e de ter agido com intenção de causar sofrimento emocional, dores e lesões à vítima.
Filipa Rodrigues relatou ao Ministério Público (MP) a sua história de terror onde alega ter sofrido violência doméstica durante anos às mãos do companheiro com o qual teve uma filha. Tentou, por diversas vezes, pôr um ponto final na relação mas cedendo a ameaças e sofrendo violência física, sexual e psicológica foi adiando a decisão até ao dia 17 de Março de 2024, em que lhe comunicou, mais uma vez, que queria terminar a relação. Esse dia marcaria a cabeleireira de Tomar para o resto da vida.
Segundo a acusação à qual O MIRANTE teve acesso, o MP descreve que o arguido, movido por ciúmes por causa de um colega de trabalho de Filipa Rodrigues, a fez entrar no carro e, num local sem iluminação junto à rotunda da Atalaia, “de forma agressiva, agarrou e puxou a ofendida para o exterior do automóvel” e desferiu-lhe “duas a três bofetadas na face”. Depois “agarrou o cabelo da ofendida e arrastou-a para junto do carro, desferiu-lhe dois pontapés no peito e apertou-lhe o pescoço, esganando-a” e obrigou-a a ter relações sexuais, que filmou com o telemóvel. “Durante este período, a ofendida gritou e chorou, suplicando ao arguido que parasse”, lê-se na acusação.
Nessa noite, depois de a espancar e violar, preparava-se para a levar para a Barragem de Castelo de Bode, “procurando assustar a ofendida atendendo a que se trata de um local com histórico de suicídios/homicídios”, quando recebeu uma chamada da irmã da vítima a pedir-lhe que voltasse a casa porque a filha estava assustada. Já no dia seguinte, depois de lhe bater, segundo o MP, o arguido fez Filipa ajoelhar-se e com “uma tesoura de cozinha cortou-lhe o cabelo”. Depois pegou numa máquina e “rapou o cabelo, sobrancelhas e pestanas, deixando-a careca e desfigurada, causando-lhe profunda tristeza, angústia e humilhação”, alega o MP, acrescentando que após o acto lhe voltou a bater e lhe disse: “quero ver quem te vai amar assim horrorosa”.
A violência não parou por aqui. Empunhando uma tesoura de grandes dimensões, o arguido “cortou o dedo indicador da mão direita da ofendida, causando dor, ferimento e sangramento abundante”. Um acto que o MP considera ter sido propositado para privar Filipa de “exercer a sua actividade profissional” como cabeleireira, embora o arguido, desempregado, vivesse às custas dos rendimentos da companheira. Depois de a mutilar, telefonou para a Guarda Nacional Republicana de Tomar e para o 112 e fugiu para parte incerta, tendo sido mais tarde localizado em Asseiceira.
Considerando que o arguido “agiu consciente e voluntariamente (...) com intenção expressa de molestar a saúde e o corpo da ofendida e de lhe provocar as dores e lesões verificadas, o que quis e concretizou” (...) “prejudicando o seu bem-estar e ofendendo-a na sua dignidade, o MP acusa-o de um crime de violação agravada, um crime de sequestro, na forma agravada, um crime de violência doméstica, um crime de ofensa à integridade física (grave) qualificada, na forma tentada, um crime de acesso ilegítimo, um crime de gravações e fotografias ilícitas, um crime de detenção de arma proibida. E, ainda, um crime de violência doméstica contra a filha que “teve de passar a receber acompanhamento psicológico”.
O julgamento começa a 12 de Março no Tribunal de Santarém e, caso venha a ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, o MP requer desde já que sejam aplicadas ao arguido “as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima, com afastamento da sua residência e local de trabalho” com sujeição a monitorização electrónica, caso as penas sejam suspensas ou após a sua libertação. Pede-se também a “proibição de uso e porte de armas, pelo período de cinco anos, e de obrigação de frequência de programas de prevenção da violência doméstica”.
Arguido já tinha sido condenado por violência doméstica
Em 2011, o arguido, que iniciou a sua relação amorosa com Filipa Rodrigues em 2005, foi condenado a dois anos de prisão com pena suspensa por violência doméstica e de um crime de detenção ilegal de arma proibida. Nesse ano, e até 2014, Filipa e o arguido estiveram separados tendo reatado a relação amorosa e voltado a viver juntos em Paialvo.
De acordo com a acusação, “entre os anos de 2014 e 2023, o arguido levou a cabo a prática de relações sexuais com” Filipa Rodrigues, contra a vontade da mesma e manifestava uma “conduta menos adequada, controlando-a, injuriando-a e ameaçando-a”. Já no início de 2024, “pegou numa arma de fogo e apontou à cabeça e disse-lhe que no dia em que o deixasse não ia ter paz”. Em Fevereiro, depois de mais uma vez a ter forçado a ter relações sexuais e depois de Filipa lhe ter dito que queria terminar a relação, “o arguido disparou um tiro, com arma de fogo”.
Agressor pede inimputabilidade devido a doença psiquiátrica
O arguido, ao qual foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, solicitou que seja avaliada a sua eventual inimputabilidade alegando que “padece de doença psiquiátrica e que, no final de 2022 e em 2023, esteve de baixa médica durante cerca de um ano, por doença do foro psiquiátrico”, lê-se em despacho do MP. Nesse sentido requereu que ao processo se junte toda a documentação clínica do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Tomar referente à sua condição clínica.
Caso venha a ser considerado inimputável, ou seja, se o tribunal considerar que em virtude de anomalia psíquica o arguido não tiver sido capaz de identificar que os actos que estava a cometer eram ilegais, aos olhos da lei, não poderá ser responsabilizado por crimes dos quais está acusado.