Sociedade | 01-03-2025 18:00

Samuel Teixeira fez carreira na PJ e trabalhou 30 anos nos homicídios

Samuel Teixeira fez carreira na PJ e trabalhou 30 anos nos homicídios
Samuel Teixeira vive na Póvoa de Santa Iria e tem quatro livros editados com as suas memórias da investigação criminal

Samuel Antunes Teixeira dedicou 30 anos à investigação de homicídios na Polícia Judiciária, 15 dos quais sem o braço direito. Depois de um diagnóstico de cancro, enfrentou cirurgias e quimioterapia sem nunca abandonar o serviço. Adaptou-se às limitações e continuou a resolver crimes, tornando-se um caso raro na investigação criminal. Nesta conversa recorda a sua carreira, os desafios e os casos mais marcantes, como o da morte de Sá Carneiro.

Samuel Antunes Teixeira vive há quase meio século na Póvoa de Santa Iria e trabalhou três décadas na Secção de Homicídios da Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária (PJ), 15 anos sem o braço direito. Aos 35 anos apareceu-lhe uma borbulha no antebraço, foi ao médico e descobriu ter cancro. Durante seis anos fez várias cirurgias e quimioterapia, sem nunca deixar de trabalhar. Aos 41 anos amputaram-lhe o braço, mas mesmo assim só faltou um mês ao serviço. “Investigação criminal com um tipo sem um braço deve ser caso raro no Mundo. E os meus colegas nunca se recusaram a sair comigo. Para mim, foi muito importante”, recorda.
A direcção da PJ disse ao inspector para se adaptar à nova condição. Não havia carros com mudanças automáticas por isso quando saía com a brigada não ia ao volante. Apesar de ser raro usar arma, adaptou um revólver que prendia na dobra do joelho. Se precisasse de colocar balas fazia tudo com a mão esquerda. Durante 20 anos o inspector de homicídios trabalhou sem computador nem telemóvel. O mais difícil era ouvir as pessoas à secretária e fazer relatórios, sobretudo dos casos mais complexos. Era tudo dactilografado nas máquinas de escrever Olympia. “Naquela época tinha que ficar tudo na cabeça à primeira. A possibilidade de alterarmos as frases sem ter que fixar tudo foi o melhor quando chegaram os computadores. A informática deu uma grande vantagem à investigação”, conta.
A Polícia de Investigação Criminal sempre se destacou pelo uso de tecnologia avançada, com laboratórios de ciência forense e diversas ferramentas que auxiliam na obtenção de provas. Acompanhar a evolução tecnológica é essencial, uma vez que os criminosos estão sempre um passo à frente. A modernização não se reflecte apenas nos meios tecnológicos, mas também na formação dos profissionais. Se no passado bastava o 9.º ano de escolaridade para ingressar na PJ, hoje apenas candidatos com formação superior podem concorrer, acompanhando a exigência dos tempos.
Crimes que marcaram a carreira
O faro de um inspector desenvolve-se com o tempo, explica Samuel Teixeira, e com a orientação dos mais experientes, num processo contínuo de aprendizagem e transmissão de conhecimento. “A PJ tem o futuro garantido, apesar de um ou outro se ir embora porque não ganha o suficiente. Mas os que ficam são bons profissionais”, reitera.
Um dos casos mais marcantes que se recorda foi o assassinato de dois funcionários dos eléctricos da Carris em 1976. O guarda-freio e o cobrador apareceram degolados junto ao eléctrico que fazia a carreira Praça do Comércio/Cruz Quebrada, junto ao Estádio Nacional. Os corpos chegaram a estar em câmara-ardente no Mosteiro dos Jerónimos, num crime que teve impacto na opinião pública e que levou inclusive a greves nos eléctricos, autocarros e, por solidariedade, dos taxistas.
Um homem que convidou os quatro filhos e a esposa para almoçar, numa pausa durante o trabalho, numa oficina de estampagem, foi outro dos crimes que tem memória. Antes da chegada da família, o homicida colocou um tubo de plástico no interior de uma arrecadação anexa e ligou-o a uma bilha de gás. Quando os bombeiros chegaram, tiveram dificuldade em entrar porque os corpos estavam amontoados junto à porta. Escapou uma filha que faltou ao almoço para estar com o namorado. “Praticamente a imprensa não falou neste caso, passou por cima. Mas sempre houve violência doméstica, talvez não se desse tanta importância”, diz. A morte de Francisco Sá Carneiro, fundador do PSD, foi outro dos casos em que trabalhou e que, inclusive, deu origem a um dos livros que escreveu em que garante que a morte do ex-primeiro-ministro foi um acidente aéreo e não um atentado. Um dos últimos casos que acompanhou antes da reforma, em 2005, foi o assassinato de um agente da PSP no Bairro da Cova da Moura, Amadora. O agente, de 33 anos, foi atingido mortalmente por vários disparos de arma automática e de caçadeira quando seguia num carro-patrulha da PSP que circulava de madrugada no bairro.

Relação com os jornalistas e fugas de informação
Enquanto inspector, a relação com a comunicação social nem sempre foi pacífica. Uma vez, Samuel Teixeira foi “perseguido” por um jornalista quando se dirigiu a uma empresa para apurar a identidade de um possível suspeito de um crime de homicídio em Sacavém. “Às vezes estava chateado com a comunicação social. Eu lia notícias no jornal que estavam escritas exactamente da mesma forma que eu tinha escrito no processo, com vírgulas e tudo, porque havia fuga de informação nos tribunais. Nem se davam ao trabalho de contar a história por eles, copiavam tudo”, relata.
Ao longo da carreira foi acordado várias vezes de madrugada com telefonemas a anunciar que tinha sido encontrado um corpo. “Essa parte é como nos filmes”, diz, especialmente antes da formação da PJ de Setúbal. Quando a estrutura entrou ao serviço os homicídios da margem sul passaram a ser investigados por Setúbal.
Em 2002 foi nomeado inspector-chefe (interino) da 2.ª brigada. Começou a ficar cansado e reformou-se em Setembro de 2005. Sentiu um vazio “indefinível” que colmatou nos primeiros tempos com aulas na universidade sénior na Póvoa de Santa Iria, com os amigos e a ler. A escrita levou-o a editar em livro as suas memórias na PJ, e outra obra com as vivências de Timor, onde esteve. Os tempos de criança e juventude passados em Queijas, também tiveram eco num livro.

Começou como tipógrafo mas fez carreira na PJ

Samuel Antunes Teixeira, 75 anos, nasceu em Queijas, concelho de Oeiras. Começou a trabalhar como tipógrafo aos 13 anos. Assentou praça em 1970, e passou à disponibilidade em Março de 1974, após uma comissão em Timor. Em Janeiro de 1975 ingressou no quadro de investigação da Polícia Judiciária, na secção de homicídios, onde ficou até se reformar, em Setembro de 2005.
Desde que casou, em 1976, mora na Póvoa de Santa Iria. Tem uma filha adoptada e dois netos. Editou quatro livros, incluindo Polícias, Crimes e Criminosos — Memórias de um inspector de homicídios da Polícia Judiciária 1975 – 2005, com prefácio do ex-colega Francisco Moita Flores, com quem manteve amizade.
Desde que ensurdeceu Samuel Teixeira passou a levar uma vida sedentária. Foi operado e tem audição de um ouvido através do implante coclear. Lê, vê televisão, navega na Internet, está com a família e acompanha a política.

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