Os pais de coração que assumiram o papel de educar os filhos das companheiras

Não são os pais mas criam-nos como se fossem os seus próprios filhos. Educam e dizem com orgulho que são pais de coração. Os padrastos são também figuras de parentalidade que foram beneficiando de alterações à lei que os reconhece, nomeadamente em caso de divórcio ou de o enteado ficar órfão. Jorge Rito, de Santarém, e Telmo Pereira, de Benavente, contam a O MIRANTE as suas histórias de famílias recompostas onde o padrasto não é o mau da fita.
Jorge Silva Rito sempre teve o desejo de ser pai, só não imaginava que além de duas filhas biológicas iria ajudar a educar outros dois, assumindo o papel de padrasto. Sabia que se queria conquistar Luísa teria de se relacionar bem com os seus filhos, a Carolina e o José, na altura duas crianças de 13 e oito anos. Até porque, vinca, “nenhuma mulher aceita um homem que vá contra os filhos”. Mas, apesar da sua intenção ser boa e genuína, lembra que “entrar na família uma nova figura masculina não foi fácil. Havia um instinto de auto-defesa deles em relação à mãe”. Mas aos poucos e “devagarinho”, Carolina e José começaram a “perceber que o Jorge era para ficar”.
“Ser padrasto não é fácil porque temos de mostrar às crianças que não estamos ali para lhes fazer mal. Temos de educar mas conscientes de que não são nossos e que há limites”. Foi por isso que optou por assumir a “figura de diplomata” deixando a de autoridade para a mãe e o pai das crianças. Até porque neste caso o pai era figura presente que não tinha intenção de substituir. “Lembro-me de uma vez o Zé me perguntar se eu não ficava chateado por ele ter uma fotografia onde aparecia com o pai e a mãe. Disse-lhe logo: essa fotografia é muito importante, vamos pendurá-la no quarto. Ainda hoje lá está”, conta.
O problema é que há casos em que a relação com o pai biológico não é pacífica, havendo situações em que acaba por prejudicar, ou até mesmo impedir que o padrasto consiga conquistar o seu lugar naquela família. E se é importante haver uma boa relação e de cordialidade entre ambos é igualmente relevante ficar bem vincado que “o padrasto pode ter um papel de apoio na educação mas não vai substituir o pai”, defende a psicóloga Helena Gonçalves.
Até onde o padrasto pode ir é, diz, uma decisão que cabe à mãe e ao pai biológico, devendo para isso haver “diálogo” sobre as expectativas de cada um, incluindo o padrasto, que também deve falar abertamente e de forma “honesta” sobre o papel que gostava de assumir em relação aos filhos da sua companheira. “É difícil para as crianças terem uma nova figura masculina a entrar pela casa, na dinâmica familiar. Cada um vai levar o seu tempo de adaptação e por isso o diálogo entre todos é tão importante”. Assim como, prossegue a psicóloga de Torres Novas, é fundamental “a mãe perceber o sentir dos filhos” em relação ao seu novo companheiro e não haver, de nenhuma das partes, imposições como: “agora tens de me chamar ou tratar como pai”.
Jorge Silva Rito, chefe de loja na Casa Campeão, em Santarém, nunca entrou nesse jogo de imposições. “Olho para eles e sinto-os como meus filhos, mas nunca lhes pedi isso. Chamam-me pai-drasto”, diz, vincando que está tudo bem assim. Se, por outro lado, um deles lhe dissesse no calor de uma discussão ‘tu não és meu pai’ “iria ser uma coisa horrenda” de se ouvir, reconhece o padrasto que define a relação com os enteados como “um amor que se foi construindo”.
Consciente de que também as suas filhas foram criadas com a presença de padrastos, aos quais agradece, sente como “uma facada no peito” o facto de ter sido mais presente na vida e educação dos seus enteados do que na delas. “Mas se soubermos que do outro lado há um padrasto a fazer um bom trabalho, alivia”, diz. Do seu lado não duvida do trabalho que fez na educação deles, ao ensiná-los a cozinhar, a ter respeito pela mãe, a pôr bem uma mesa ou a saber valorizar as tradições e os domingos passados na sala em família. “No Dia do Pai tenho sempre uma palavra de carinho deles. Cheguei a receber do Zé desenhos que faziam chorar. Sempre houve neles um lugar para mim, nem que fosse na parte de trás da folha”, recorda.
“Pai não é quem faz, é quem cria”
Telmo Pereira, residente em Benavente, conheceu Andreia numa visita a casa do seu irmão e cunhada que acabavam de ter um bebé. Também Andreia tinha um que levava pela mão: o pequeno André, de dois anos. “Sempre disse que não queria uma mulher com filhos para não ter de criar um que não fosse meu”, recorda Telmo, sabedor de que a vida lhe trocou as voltas. Hoje com mais dois filhos e uma filha bebé que teve com a companheira diz que não faz distinção alguma entre eles e André, hoje de 13 anos. “Pai não é quem faz, é quem cria. Sei que não sou o pai do André, ele tem um, mas tento educá-lo o melhor que sei, levo-o comigo aos jogos do Benfica, acompanho-o no futsal”. E se, por algum motivo, “ele ficar triste eu fico também”.
No Dia do Pai, que se assinala a 19 de Março, Telmo sempre recebeu um presente de André. “Na escola sempre fez dois: um para mim e outro para o pai que era deixado na casa da avó”, conta. E embora nunca lhe tenha pedido para lhe chamar pai foi algo que aconteceu naturalmente. “Chama-me pai em qualquer lado, desde sempre”, diz, respondendo afirmativamente quando lhe é perguntado se sente que assumiu verdadeiramente esse papel na vida do enteado.
Saber como André vai reagir em relação ao padrasto quando atingir a maioridade é algo que vai surgindo no pensamento de Telmo Pereira. “E se não quiser estar mais comigo? E se já não me quiser chamar pai? É algo em que penso” na certeza de que, diz, “irei sempre continuar a vê-lo como um filho, o meu primeiro filho”. O mesmo, ressalva, aconteceria caso a sua relação com Andreia terminasse.
O conceito de família foi-se alterando ao longo do tempo e, com o crescimento dos divórcios a lei modificou-se para acolher a figura do padrasto no que respeita às responsabilidades parentais. Por exemplo se um dos pais estiver impedido de as exercer e no caso de o padrasto/madrasta ser cônjuge ou unido de facto de qualquer um dos pais. Também no caso de divórcio o padrasto/madrasta poderá continuar a exercer as responsabilidades parentais sobre o menor, com um determinado regime de visitas e pensão de alimentos a pagar ao seu enteado. A lei também se alterou no sentido de no caso de um menor ficar órfão ficará, preferencialmente, aos cuidados do seu padrasto ou madrasta e não, por exemplo, dos seus avós.