O milagre escondido e desvalorizado de Santarém

Com uma história que percorre séculos, o Santuário do Santíssimo Milagre atrai a atenção de milhares de estrangeiros, mas para os portugueses, em particular os escalabitanos, continua a ser apenas mais uma igreja escondida nas ruas de Santarém.
O Santuário do Santíssimo Milagre passa despercebido no emaranhado de ruas da zona histórica de Santarém e só quem sabe o que guarda é que o visita, para contemplar a hóstia consagrada do Santíssimo Milagre. Reza a história que no século XIII uma mulher atormentada pela infidelidade do marido roubou uma hóstia consagrada da Igreja de Santo Estevão a pedido de uma bruxa que prometera mudar a sua sorte. Quando caminhava para casa, a hóstia começou a sangrar e a mulher correu a escondê-la em casa, mas durante a noite a hóstia começou a brilhar. Na manhã seguinte foi transportada em solene procissão para a igreja de Santo Estêvão, que é actualmente o Santuário do Santíssimo Milagre.
A história do milagre é desconhecida a muitos habitantes de Santarém, mas o diácono Pedro Madeira, responsável pelo santuário, garante que Portugal já o está a descobrir, graças ao Congresso Eucarístico realizado em 2024, em Braga, que ajudou a dar maior visibilidade àquele que é considerado um dos maiores milagres eucarísticos do mundo. “O Santuário é uma âncora muito mal explorada, porque a própria câmara não valoriza”, assenta Pedro Madeira, apontando falhas como a falta de espaços onde os autocarros das excursões possam parar e o facto de as luzes exteriores do Santuário terem sido desligadas durante a pandemia e assim permanecerem até hoje.
A maioria dos mais de 30 mil visitantes anuais são estrangeiros e pessoas numa idade mais avançada, que visitam o local através de excursões ou peregrinações, sendo a maior parte dos visitantes da Europa, dos Estados Unidos da América, Vietname, Singapura, Filipinas, entre outros. De ano para ano a afluência de visitas tem vindo a aumentar, especialmente desde a escalada dos confrontos entre Israel e Hamas, que provocou uma diminuição das peregrinações àquela que é considerada a Terra Santa para o Cristianismo e Judaísmo, e fez com que os crentes peregrinem para outros destinos, como Fátima, o que traz mais curiosos a este Santuário.
O fascínio e conforto da história milagrosa
À entrada do santuário vêem-se passar muitas pessoas a caminho de casa ou do trabalho, sem nenhuma olhar duas vezes para a igreja que no seu interior contém uma história que fascina e atrai milhares de visitantes por ano. Todos os dias entram grupos de turistas pelas portas da igreja, afirmando muitos que descobriram a história do milagre pela Internet e que nunca tinham visitado um local tão especial e único como o Santuário do Santíssimo Milagre. “É muito emocionante estar aqui, porque em Roma também vi e descobri lá um milagre e hoje descobri aqui outro. Uma pessoa ouve sobre eles, mas como próprio Deus diz, temos que de facto ver para acreditar por inteiro, de corpo e alma, e eu acredito fielmente”. Amanda Porras fez parte de uma excursão peregrina e veio com o seu marido, que é diácono no Texas e que também revelou a O MIRANTE o seu fascínio com a história e milagre da igreja. Bobby Porras afirma que foi um privilégio incrível ter visto a “prova” do milagre de perto e ressalta que para um diácono é duplamente importante ver o santuário, pois pode transmitir o que viu para a comunidade onde prega.
Apesar de muitos turistas e visitantes estrangeiros acharem a história do santuário fascinante e emocionante, a população local não dá importância à igreja, afirma Mariette Carvalho, de 79 anos. Visitante assídua da igreja, Mariette Carvalho, vive a uns passos do santuário e vai todos os dias à missa das 08h30, porém afirma que a maior parte dos escalabitanos e portugueses não sabem e não valorizam o local emblemático da cidade. “É uma pena que apenas pessoas de fora valorizem a sua beleza, porque é realmente uma igreja com uma história única e especial”, explica.


26 anos de serviço ao Santuário do Milagre
Odete Santos tem 82 anos e trabalha no santuário há 26. De todos os empregos que teve, “servir na casa do senhor” foi o que mais a realizou. Odete Silva sofreu um grave acidente quando tinha 21 anos, que a deixou com problemas de locomoção. Depois de várias operações à coluna, Odete Santos depositou a sua esperança de voltar a andar sem constrangimentos nas orações diárias que fazia. Da cadeira-de-rodas passou para as canadianas e conta que um dia, enquanto acompanhava um grupo de peregrinos a ver a hóstia do milagre, deixou as canadianas junto do Santíssimo e não mais as usou. Odete Silva considera que a sua recuperação foi intervenção divina e daí em diante decidiu dedicar a sua vida ao santuário. “A minha missão é tomar conta da igreja, ajudar e guiar os peregrinos e visitantes. Sou uma servidora de Deus”, partilha sorridente. Muitos dos peregrinos que passam pelo Santuário do Santíssimo Milagre saem em lágrimas ou cheios de alegria, afirma Odete Silva, que acredita ser Deus a manifestar-se junto dessas pessoas.