Lares de idosos estão sem capacidade de resposta mas ampliar oferta é uma corrida de obstáculos

Estudo revela que apenas 11% dos lares privados têm vagas para novos utentes. Um problema sentido na região, onde a lotação está esgotada e a mensalidade chega aos 1.500 euros. Há lares a tentar aumentar a capacidade de resposta mas só encontram entraves como regras inflexíveis, burocracia e falta de financiamento.
Num país onde a população idosa tem crescido mais de 2% ao ano desde 2019, fixando-se nos 2,5 milhões, e com o número de pessoas com 100 anos a ultrapassar as três mil, a falta de capacidade de resposta em estruturas residenciais é um problema sem solução à vista. As listas de espera adensam-se e as mensalidades sobem, sobretudo nos lares privados, onde em Dezembro de 2024 apenas 11% tinha disponibilidade para receber novos utentes, de acordo com o 3.º Retrato das Residências Sénior em Portugal.
Em Salvaterra de Magos, na Casa de Repouso Sonhos Meus, que abriu portas em 1998 e tem vindo a aumentar o número de vagas, que passaram de oito para as actuais 24, não há uma cama vazia. E, quando há, explica a gerente Cínia Pereira, é ocupada quase de um dia para o outro tal é a procura das famílias por uma resposta para os seus idosos. “Temos seis pessoas em lista de espera e não são mais porque quem procura quer resposta imediata. Todos os dias recebemos chamadas a perguntar se temos vaga”, refere a O MIRANTE a responsável, que trabalha com idosos há mais de 25 anos.
Neste lar privado, onde o preço por cama varia entre os 1.300 e os 1.500 euros consoante o número de pessoas por quarto, a mensalidade tem aumentado não porque a procura é elevada, mas porque o custo de vida assim como as “exigências que têm de se cumpridas têm aumentado”, justifica Cínia Pereira. São disso exemplo, refere, as medidas de auto-protecção, o controlo da Legionella, ou seja, “custos que não se reflectem na prestação de cuidados diária aos utentes” mas que são necessários para que tudo esteja conforme as normas.
Segundo os dados presentes no relatório divulgado no final de Março, no que respeita ao sector privado - que representa entre 25 mil a 28 mil camas das 105 mil existentes no país - uma cama num quarto duplo custa, na maioria das residências, entre 1.250 e 1.500 euros por mês. Na Quinta da Fonte, uma casa de repouso para pessoas idosas no concelho de Tomar, uma cama num quarto duplo custa 1.300 euros mensais. “Temos aumentado [a mensalidade] todos os anos entre cinco a 10 por cento”, diz Carlos Gorgulho, proprietário e director-técnico desta estrutura privada onde as 37 vagas estão ocupadas mas não há lista de espera. Apenas uns nomes que vai anotando quando lhe ligam a perguntar se tem uma cama livre. “Nas IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] é que existe lista de espera porque o preço é mais reduzido. Nos privados as pessoas querem resposta na hora”, justifica, acrescentando que recebe utentes de Lisboa onde a mensalidade nos lares privados é muito superior.
Tal como Cínia Pereira, o director-técnico considera que o número de camas para idosos no país e na região está muito aquém das necessidades, problema que leva à proliferação de lares ilegais por parte de pessoas que vêem nas fragilidades do sector social uma oportunidade de negócio fácil. “Já fiz parte de um grupo que fez um levantamento da situação dos concelhos aqui à volta e o número era impressionante. E a Segurança Social é obrigada a fechar os olhos porque não tem respostas”, refere.
Tentar aumentar capacidade de resposta é um desafio
O relatório salienta ainda que se forem tidos em conta os cerca de 2,5 milhões de idosos residentes em Portugal com mais de 65 anos, a cobertura de camas em lares é pouco superior a 4%, subindo para 8,7% se se considerar a população com mais de 75 anos. Mas, apesar do baixo número de camas para a população idosa e da falta de vagas ser um problema real, há quem tente aumentar o seu número e apenas encontre obstáculos. É o caso de Cínia Pereira, que lamenta que por 10 centímetros não tenha conseguido passar um quarto duplo a triplo e, assim, aumentar vagas.
Também o Lene - Lar Evangélico Nova Esperança, no concelho de Santarém, tem tentado aumentar a sua capacidade de resposta, sem sucesso. Depois de ter investido em obras de ampliação aguarda, segundo a presidente da direcção, há dois anos o parecer positivo da Segurança Social para três camas. “É absurdo! E como nós estão muitas outras, porque a burocracia no nosso país é grande”, critica Sónia Lobato, considerando que com isso se “está a abrir muita porta para a iniciativa privada e a vedar a oportunidade dos lares já existentes poderem ampliar as suas respostas”.
“Todos os financiamentos, alavanca que permite ampliar as instalações, estão atrasados, mas em simultâneo a oferta privada está a crescer e interessa a essa oferta que se diga que nos lares não há resposta”, afirma Sónia Lobato, comparando o panorama ao da saúde onde também a iniciativa privada continua em crescendo ‘aproveitando-se’ das fragilidades do sistema público. A dirigente diz ser “absolutamente contra que se façam mais lares, porque as pessoas têm casas e não há melhor sítio para a pessoa idosa estar” do que o lar que sempre conheceu. “O que precisamos é de apoio domiciliário e vigilância nocturna eficaz. Temos de deixar de olhar para o betão e começar a olhar para o capital humano, porque mesmo que se construam lares vai-se continuar a precisar de pessoas e este é o grande problema do terceiro sector que tem sido desenrascado pela mão-de-obra imigrante”, diz.
No Lene, onde as idades dos utentes oscilam entre os 65 e os 95 anos e das 25 camas 20 são comparticipadas pela Segurança Social, as mensalidades não sobem há dois anos por decisão da direcção. “Temos segurado com uma gestão apertada, é tudo muito bem contado”, vinca. Nesta IPSS o quarto individual, que não é comparticipado, custa 1.400 euros por mês, mas em média os utentes pagam cerca de 300 euros, o correspondente à sua reforma, no caso das camas comparticipadas. Depois, a Segurança Social “dá o remanescente que actualmente são 580 euros mais um valor adicional”. Montante que, garante, “não paga nem 50% do custo por utente” que ronda os 1.390 euros.
“Estado devia olhar para o sector social de forma diferente”
Mais a sul, na Santa Casa da Misericórdia de Azambuja as 41 camas, todas protocoladas com a Segurança Social, estão ocupadas, havendo lista de espera a rondar as duas dezenas de pessoas. Um método que, na opinião do provedor Vítor Lourenço, não é eficaz porque quando abre uma vaga, na maioria das vezes, já não é oportuno para o idoso que estava em espera. Solução seria, defende, aumentar a resposta. Algo que, tal como o Lene e a Sonhos Meus, é ambicionado por esta instituição. “Temos um projecto de arquitectura para reformular o lar velho, que não tem condições de residência, em vias de aprovação para aumentarmos de 41 camas para 72”, conta, explicando que para o executar será preciso cerca de um milhão e 600 mil euros, estando por isso dependente do apoio do “Estado que devia olhar para o sector social de forma diferente”.
Vítor Lourenço salienta que a falta de oferta no social obriga as famílias a voltarem-se para a resposta privada onde a mensalidade “é muito mais cara do que aquilo que uma misericórdia contratualiza com os seus utentes”, normalmente “pessoas com reformas baixas”. Segundo os cálculos internos, o gasto médio por utente nesta instituição ronda os 1.400 euros. “Nalguns atingimos esse valor, noutros não. É um problema de sustentabilidade. Temos utentes que já cá estão há 20 anos. A nossa população é extremamente idosa no lar, onde a idade média ronda os 90 anos e a média de mensalidades não excede os 750 euros”, sublinha, explicando que os aumentos são feitos sempre que há “ajustamentos nas reformas” dos idosos, de acordo com a lei.