Sociedade | 11-04-2025 12:00

Viver entre grades e sair com a vida organizada para conseguir quebrar o ciclo

Viver entre grades e sair com a vida organizada para conseguir quebrar o ciclo
Paulo Mendes e João partilham a sua experiência na prisão com os alunos das turmas de 10º ano de mecatrónica e de programação e gestão de equipamentos informáticos da Escola Secundária Maria Lamas

Reincidir no crime é o caminho mais fácil quando se sai da prisão sem trabalho ou o apoio da família e amigos. Mas há quem consiga quebrar o ciclo. Depois de na primeira saída ter falhado, desta vez, Paulo Mendes, funcionário na Câmara da Golegã, está a conseguir. E João, ainda recluso, segue o mesmo caminho. Os alunos da Escola Secundária Maria Lamas, Torres Novas, ouviram os seus testemunhos.

Passaram-se quase 23 anos desde que foi preso pela primeira vez e apenas 15 dias desde que está em liberdade. Voltar à vida que tinha, ao bairro na Mouraria, aos amigos do crime, ao tráfico de droga e aos assaltos, não é mais uma opção para Paulo Mendes que, desta vez, quer fazer diferente. Ser uma pessoa diferente. Durante o período em que esteve em regime aberto ao exterior, no Estabelecimento Prisional (EP) de Torres Novas, tirou a carta de condução e conseguiu um trabalho na Câmara da Golegã, como auxiliar de serviços gerais. Recebe o ordenado mínimo e com o que juntou durante esta fase de reclusão acredita que vai conseguir cuidar da família que já se mudou para Torres Novas.
Desta vez, “Paulo sai com todas as ferramentas para poder seguir uma vida melhor”. Não é como da primeira vez em que saiu da cadeia e “teve de voltar para o crime para poder sustentar a sua vida” e da sua família, incluindo uma bebé e um menino de 11 anos. A explicação sai a João com a voz tremida e de lágrimas nos olhos, que são de “orgulho”, perante o auditório da Escola Secundária Maria Lamas, em Torres Novas, que se encheu de alunos, na manhã de 2 de Abril, para ouvirem o relato destes dois homens que passaram um período da sua vida na prisão.
Paulo Mendes corrobora. Sim, desta vez tem apoio e sabe a que porta há-de bater caso precise de ajuda. Àquela por onde tem entrado nestes últimos tempos enquanto recluso, porque no EP de Torres Novas, afirma, encontrou pessoas que o ajudaram a conseguir essas ferramentas para sair e poder fazer diferente. Em frente aos dois homens que partilham com os alunos as fases mais duras da sua história de vida, senta-se Paula Quadros, a directora do EP que vai acenando positivamente com a cabeça à medida que escuta os testemunhos.
Questionado por um dos alunos de 10º ano, Paulo Mendes conta que assim que saiu em liberdade correu para abraçar os filhos. “São a maior alegria da minha vida. Sentir-me livre junto da família é a maior alegria que se tem. Poder chegar a casa e ter um abraço da mãe, do pai, da mulher, é o melhor da vida. Só damos valor às coisas quando as perdemos”, confessa o ex-recluso que tem a sua experiência de vida retratada na pele através de tatuagens feitas de improviso, com uma agulha, nas várias celas de cadeias por onde passou.

Vive-se na solidão e perdem-se os ‘amigos’
Estar preso é como viver parado no tempo. “Como se a vida cá fora andasse e ali não”, desabafa Paulo que conheceu as grades da prisão com apenas 16 anos. Nessa altura tinha sido pai de uma menina há um mês. Andava de fio de ouro ao pescoço e dinheiro no bolso. Não lhe faltavam amigos. “Mas desde que se vai preso, das pessoas que tinhas ao teu lado passas a ter ninguém. És tu, sozinho. E lá dentro a ficha cai e temos de nos mentalizar que vamos ter de pagar pelo que fizemos”, diz.
João, 27 anos, está preso há oito anos por homicídio. E mentalizar-se do crime que cometeu durante uma rixa numa noite de copos foi como cair de um trapézio sem rede. “Não tive consciência do que fiz, não foi com intenção, foi em defesa”, começa por explicar em resposta a mais uma pergunta da plateia de alunos que está de olhos postos nele. “Sou detido, saio em liberdade mas ao fim de 10 dias vou-me entregar porque tinha de pagar pelo que fiz. E quando caio lá dentro [na cadeia-escola de Leiria] percebi que não tinha amigos. Até a namorada que tinha deixei de ter”, prossegue. Até um nome deixou de ter. De João passou a ser o 661. Número pronunciado vezes sem conta pelos guardas que o repreendiam pela sua rebeldia e que o mandavam entrar na cela ao fim da única hora do dia que tinha para gozar de uma espécie de liberdade. Nessa hora tinha de tomar banho, ir até ao pátio, limpar a cela e, nos últimos cinco minutos, podia usar a cabine telefónica para contactar a família. “É um impacto muito grande para quem está habituado à liberdade”, vinca o recluso que depois de quatro anos em Leiria foi transferido para o EP de Alcoentre.
Agora, no EP de Torres Novas, que acolhe exclusivamente reclusos em regime aberto, conquistou um pouco dessa saudosa liberdade. Embora seja fechado na cela às 19h00, todos os dias às seis da manhã levanta-se para ir trabalhar como servente de pedreiro na Câmara de Almeirim e regressa às 17h00. “Sinto-me mais livre agora do que dantes”, afirma com convicção o recluso que deixou para traz os traços de “jovem problemático” que chegou a arranjar problemas na prisão.
“Sabem? Há muitas cadeias em Portugal mas como esta [de Torres Novas] não existe nenhuma. Nesta somos tratados pelo nome e não por um número e temos uma directora que tem compaixão para connosco”, afirma João, que antes de ir preso era monitor num jardim-de-infância em Benfica, Lisboa. Paulo intervém no mesmo sentido: “só estou aqui, a falar para vocês, graças a estas pessoas. À directora, ao meu encarregado no trabalho...”.
Paulo Mendes foi envelhecendo na prisão e, ao mesmo tempo amadurecendo as ideias sobre o que vale a pena valorizar na vida. “Estar feliz não é vender droga e ter um bom carro, mas poder estar com a família. Valorizem quem está convosco, a vossa liberdade, porque a cadeia não é boa”, afirma, confessando que cá fora fazia bullying e lá dentro sofreu-o na pele. “Não façam isso!”, advertiu, dirigindo-se aos alunos. João remata em resposta à pergunta feita pela única aluna presente no auditório: “O que levo para a vida? Levo vontade de viver com os meus, constituir família, ter um futuro melhor”.

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