Sociedade | 12-04-2025 21:00

Abuso sexual tem de deixar de ser um crime que se oculta aos mais novos

Abuso sexual tem de deixar de ser um crime que se oculta aos mais novos
Daniela Martinho é psicóloga clínica da Unidade Local de Saúde (ULS) da Lezíria

O abuso sexual de menores é uma realidade que não pode ser ignorada e que não deve, em circunstância alguma, permanecer em segredo. É por isso fundamental saber como agir perante um relato e apostar na prevenção desde o pré-escolar, defendeu a psicóloga Daniela Martinho, perante uma plateia de duas centenas de pessoas em Almeirim.

Durante anos foi vítima de abusos sexuais por parte do padrasto, mas só aos 11 anos percebeu isso. Até então achava aquele comportamento normal, até porque ninguém lhe tinha explicado o que é ou não abuso, onde é que um adulto pode ou não tocar e de que forma. Só ao conversar com amigas e questionar, ingenuamente, se também tinham aquela interacção sexual com os seus pais entendeu que era, afinal, vítima de violência sexual por parte de alguém em quem confiava e que a devia proteger.
O caso é verídico e foi partilhado, mantendo o anonimato da vítima, pela psicóloga da Unidade Local de Saúde (ULS) da Lezíria, Daniela Martinho, no 1º Encontro do Núcleo Hospitalar de Apoio às Crianças e Jovens em Risco, que se realizou a 4 de Abril no Cineteatro de Almeirim, no âmbito do Mês da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância.
Daniela Martinho quis chamar a atenção da plateia, com cerca de 200 pessoas, nomeadamente profissionais de saúde e docentes, para a importância de, desde cedo, as crianças terem acesso a informação relevante sobre o que é ou não um comportamento abusivo. Mas, lamentou, da experiência que tem “há ainda muita resistência” por parte das escolas em “receber programas no pré-escolar porque acham que se vai falar sobre sexo com as crianças” e os pais não vão gostar que isso aconteça. Mas o que se explica - e é importante explicar - vinca, é as crianças saberem “o que é um toque adequado ou não, o que é a parte privada do corpo e quem pode ou não tocar-lhe. Se souberem isto desde cedo mais facilmente vão falar e contar as situações”, caso aconteçam. Se não souberem, advertiu, vão achar que é normal e levarão tempo demais a perceber o contrário.
Crianças com dificuldades de comunicação ou com necessidades educativas especiais, salientou, “são mais vulneráveis porque têm uma menor capacidade de compreender e pedir ajuda”. Também se o agressor for uma pessoa próxima a “possibilidade de revelação da situação precocemente acaba por estar condicionada”. Importa, por isso, além dos programas de prevenção nas escolas, que as famílias funcionem como factor de protecção para a violência sexual. “Famílias onde há um ambiente seguro, onde os pais servem como modelo de relação saudável e a criança consegue perceber o que é um comportamento normal, é protector”, afirma, acrescentando que é igualmente importante as crianças terem uma boa rede de suporte na escola, com vínculos fortes com várias pessoas, por facilitar a comunicação de possíveis situações que possam constituir violência sexual.
Até porque, por norma, uma criança vítima de abusos tem dificuldades na revelação porque acha que vai ser desacreditada, que vão achar que está a inventar. Algo, por vezes, incutido pelo próprio agressor. Há também a lealdade ao agressor, sobretudo em contexto familiar, com a criança a recear que ao revelar o crime aquela pessoa vai ter algum tipo de penalização, como ir presa, e que ela ficará sem família. A vergonha e a culpa, associadas à crença de que a situação podia ter sido evitada pela própria vítima, também entram nas dificuldades de revelação.

Profissionais de saúde são muitas vezes os primeiros a saber
“Não é à toa que este é um crime que acaba por estar muito oculto”, salientou a psicóloga antes de entrar num outro rol de dificuldades a envolver os profissionais de saúde. Estes, defendeu, não podem descredibilizar a criança ou entrar pela via da “normalização da violência” ao dizer, em resposta à queixa da criança, que talvez tenham, de alguma forma, contribuído para a situação. “Pôs-se a jeito ou já foi há muito tempo, vais ultrapassar isso”, são exemplos de frases que desvalorizam o abuso e que não podem ser ditas por profissionais de saúde, aqueles que, sublinhou, são muitas vezes os primeiros a contactar com crianças vítimas de algum tipo de violência sexual e que têm o dever de comunicar os casos às autoridades.
Das más práticas, a mais perigosa de todas, na opinião de Daniela Martinho, é o tentar “evitar a exposição mantendo o segredo” por se acreditar que é o melhor para a criança e que dessa forma se está a protegê-la, por exemplo da obrigação de fazer exames médicos ou de ter de ir a tribunal. “Não há nenhuma circunstância que justifique ocultarmos ou mantermos o segredo de uma situação destas”, frisou.

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