Fernando Mesquita despede-se dos Bombeiros do Cartaxo ao fim de meio século de dedicação

Fernando Mesquita vive a um quilómetro do quartel dos Bombeiros Municipais do Cartaxo e o barulho da sirene nunca lhe foi indiferente. Essa urgência fez com que se tornasse voluntário e depois sapador. Este ano, ao fim de 48 anos de vida por vida, irá reformar-se.
O sapador Fernando Mesquita Vieira Lourenço, o bombeiro mais velho da corporação dos Bombeiros Municipais do Cartaxo, com 66 anos, e o mais velho sapador do país no activo, segundo o comandante Victor Rodrigues, vai reformar-se depois de 48 anos de serviço. Natural do Cartaxo, é carpinteiro desde os 14 anos e foi bombeiro voluntário em paralelo com o ofício. A entrevista acontece em dia de férias, no quartel, do qual é difícil desligar-se por estar a cerca de um quilómetro de casa e onde ainda passa 12 a 13 horas diárias.
Quando foi para a tropa, Fernando Mesquita foi bombeiro na Força Aérea, em Ota, durante dois anos. Ao regressar continuou como carpinteiro e em 1998 foi convidado para a carpintaria da Câmara do Cartaxo, que o homenageou no ano passado pelos 25 anos de serviço. Em 2002 teve o convite do ex-comandante dos bombeiros, Mário Silvestre, para mudar de sector e ser bombeiro a tempo inteiro, que prontamente aceitou por já na altura, que era voluntário, passar muito do seu tempo livre no quartel, porque o barulho das sirenes e ver os carros a sair sempre o fascinou. No mesmo ano esteve 34 dias nas cheias em Moçambique e recorda ter visto muita miséria e emagrecido 20 quilos porque a única alimentação que tinham era rações de combate.
Durante a carreira nos bombeiros houve um episódio que o marcou, há 31 anos. Estava para celebrar a ceia de Natal quando toca a sirene: um carro abalroou uma mota, onde seguia mãe, pai e filha entres eles, e fugiu. “Ficaram todos partidos dentro das silvas, ele tinha as pernas partidas e ela ficou em cadeira-de-rodas. Estavam à procura da filha e o meu colega trouxe a miúda morta. Chorei muito porque era da idade da minha filha”, na altura com 3 anos, conta. Com o tempo, Fernando Mesquita foi aprendendo a gerir emoções, mas é sempre difícil quando se trata de crianças, diz.
Uma vez bombeiro, sempre bombeiro
Mesmo de folga, não consegue ignorar o toque da sirene. Há cinco anos foi almoçar a Sesimbra e perante um sótão em chamas, gritos e a ausência de bombeiros, pediu uma toalha encharcada em água, colocou-a na boca e carregou uma idosa nos braços a quem salvou a vida. “Já é a segunda ou terceira vez”, refere. E se dúvidas houvesse sobre o amor à profissão, há cinco anos foi frequentar o 9º e o 12º ano para poder concorrer a sapador e receber um pouco mais ao fim do mês, acrescenta.
Fernando Mesquita garante sentir-se valorizado na profissão, lamentando apenas que antes havia turnos com 12 homens e agora estão reduzidos a metade. “Se estiver alguém de férias ou de baixa tenho de fazer um extra”, revela. O bombeiro afirma que “abrem concursos, aparecem cinco ou seis, e às vezes fica um”, embora o município faça um esforço financeiro para aumentar o número de efectivos, cerca de 40. Admite que já tem alguma dificuldade em correr, mas que o trabalho se faz à mesma.
Quando questionado se conseguiu ser um pai presente, afirma ter sido complicado, especialmente quando ia para os incêndios, onde eram 24 sobre 24 horas e dias sem ir a casa. Tem um filho, uma filha e um neto do filho, que vivem na Nazaré, onde tem casa há 20 anos e onde teve um restaurante durante 17 anos, que fechou quatro meses antes da pandemia, gerido pela esposa e para onde ia trabalhar nas folgas.
Com a aproximação da reforma já está a entrar em “paranóia”, brinca. Tem uma quinta com horta e onde cria animais e entre os mais novos é conhecido por ir às danceterias. Com o passar dos anos o amor pelos bombeiros não desvaneceu, muito pelo contrário. “Chegamos a um certo ponto que cada vez gostamos mais. Tenho orgulho pela farda”, diz, admitindo que já é difícil os jovens terem a sua força e garra.