Sociedade | 15-04-2025 10:00

Mercado de Samora Correia faz-se entre bancadas vazias e memórias antigas

Mercado de Samora Correia faz-se entre bancadas vazias e memórias antigas
Cassiana Rocha, Otília Zacarias e Deolinda Oliveira resistem à pouca clientela que acorre durante a semana ao mercado de Samora Correia

Nos tempos áureos, as bancadas do mercado municipal de Samora Correia transbordavam de produtos e clientes. Hoje, contam-se pelos dedos de uma mão os vendedores que ainda resistem, num espaço que, mais do que um local de comércio, se tornou um ponto de convívio entre aqueles que se recusam a abandonar a tradição.

Contam-se pelos dedos de uma mão os vendedores que resistem no mercado de Samora Correia. Dizem-se asfixiados pelos supermercados que colhem as preferências dos habitantes que durante a semana, com excepção do sábado, parecem de costas voltadas com o mercado do Largo Fernandes Pratas. Eugénia Simões Morais, de 81 anos, é um dos rostos dessa resistência. Há 50 anos a vender frutas e legumes, lamenta a falta de clientes. São 9h00 de um dia de semana e ainda não fez um cêntimo. Afirma que as pessoas se habituaram a ir aos supermercados. A vendedora, que trabalha no mercado de quinta a sábado, considera que o espaço se transformou mais num ponto de convívio do que num local de comércio. “Para mim, que estou sozinha, é um entretém. Venho porque é uma forma de sair de casa e porque gosto. Faz-me bem à cabeça”, refere. O mercado, explica, tem problemas estruturais. “No Inverno é muito frio e, no Verão, é muito quente. Pelo menos temos câmaras frigoríficas, o que permite guardar a mercadoria”, diz. Os produtos que vende são, na sua maioria, fornecidos por uma agricultora da Castanheira do Ribatejo.
A tendência de consumo da população é apontada como a principal causa do declínio do mercado. Os jovens vão aos supermercados, onde têm tudo: fruta, legumes, carne, peixe e pão. Além disso, ainda têm descontos. O pouco movimento que ainda tem lugar regista-se ao sábado, com alguns clientes mais velhos. Apesar das dificuldades, Eugénia Morais insiste em continuar. “O mercado também é uma família. Estamos tão habituados uns aos outros que é como se fôssemos parentes. Por vezes zangamo-nos, mas faz parte”, conclui, enquanto descasca favas frescas com a facilidade de quem conhece a vida rural na palma da mão.

Grandes centros prejudicam mercado
No mercado encontramos Cassiana Rocha, de 80 anos. A vendedora, nascida e criada em Samora Correia, tem 40 anos de experiência no mercado e descreve a mudança no perfil dos consumidores. Está em crer que os grandes centros mataram o mercado. “Vão lá e compram tudo. A gente compra a segundos e temos que vender a terceiros”, lamenta. A octogenária abastece-se com fornecedores do Montijo e de Arruda dos Vinhos, mas nota que o volume de mercadoria caiu drasticamente. Apesar disso, garante que a sua banca continua a ser uma das mais movimentadas. A reforma pequena e a necessidade de continuar activa fazem com que Cassiana se mantenha no mercado. Possui uma quintinha no Porto Alto, mas este ano já comprou favas porque o marido, mais velho, não semeou. A comerciante foi pioneira na ligação ao Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). “Fui a primeira pessoa de Samora Correia a ir ao MARL comprar”. À terça e à sexta-feira deslocava-se com uma carrinha que chegava ao mercado carregada nesses dois dias e, ao domingo, fazia também a venda de hortaliças e verduras em Castanheira.
O período da pandemia revelou-se uma oportunidade inesperada. “Quando era 7 da manhã já tínhamos uma fila de gente à porta com um papelinho com aquilo que queriam. Fiz um pé de meia que gastei agora”, afirma. O dinheiro foi investido numa nova casa para receber a família. “A casa que tinha era pequena e ao fim-de-semana tudo quer vir a casa da avó comer”, justifica. Cassiana Rocha vende fruta, legumes, ovos, mel, doces caseiros, entre outros produtos. Diz trabalhar e aproveitar tudo. A lida da casa também lhe compete mesmo na ternura dos 80.

No supermercado não olham a preços
Otília Zacarias, de 71 anos, também vende no Mercado de Samora Correia há cerca de uma década e não esconde a preocupação com o futuro do espaço. Vinda de Trás-os-Montes, estabeleceu-se nos Arados há mais de 40 anos, depois de ter vivido em Angola e França. Durante mais de três décadas geriu um restaurante na localidade, mas acabou por fechar as portas e dedicou-se à venda de produtos no mercado, muitos deles provenientes da horta que o marido cultiva. A falta de clientes é o maior problema que identifica, atribuindo a quebra de movimento à concorrência dos supermercados. “A pessoa vai ao supermercado, nem olha a preços, põe no carrinho, chega à caixa e passa o cartão”, afirma, sublinhando que os produtos do mercado são mais frescos e naturais. Aos sábados, o movimento ainda é maior, mas longe do que já foi. O cenário agrava-se com o encerramento de várias lojas dentro do mercado. “Se as lojas conseguissem abrir, talvez houvesse mais vida”, sugere, embora mantenha reservas sobre a viabilidade do espaço face à concorrência das grandes superfícies. Apesar das dificuldades, Otília continua a trabalhar e a resistir à incerteza do futuro, consciente de que, para muitos comerciantes, as perspectivas de melhoria são cada vez mais reduzidas.
Deolinda Oliveira, de 87 anos, é a responsável pelo café do mercado há mais de 30 anos, e recorda tempos de maior afluência e aponta causas para a quebra do movimento. “Há dois anos para cá caiu muito. Questiono-me se é por causa dos supermercados, as pessoas vão para lá porque têm mais estacionamento e levam tudo o que é preciso. Dantes estava tudo cheio e agora não está. É pena”, afirma. Apesar da diminuição da clientela, a rotina de Deolinda Oliveira mantém-se. Valem as conversas com os vendedores, com os clientes também e outras pessoas que a procuram para tomar um cafezinho. O seu horário fixa-se até ao meio-dia e meia, altura em que regressa a casa. Natural de Pombal, Deolinda Oliveira vive em Samora Correia há 66 anos, para onde veio inicialmente integrada em ranchos folclóricos. Antes de se dedicar ao café do mercado, trabalhou nove anos na cozinha de restaurantes e em tasquinhas de Santarém. A sua experiência profissional incluiu ainda serviços de limpeza no Banco Espírito Santo, onde se sentiu valorizada. “Tinha os mesmos direitos das pessoas que estavam a trabalhar nas secretárias. No primeiro dia que entrei deram-me logo a chave do banco. Fiquei um bocado surpreendida, mas correu sempre tudo bem e fui sempre uma querida deles”, conclui.

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