Fernando Morais tem a casa ameaçada pelo comboio de alta velocidade

O traçado da Linha de Alta Velocidade que vai atravessar o concelho de Rio Maior prevê a demolição de apenas uma moradia. E o azar calhou a Fernando Morais e família, que não se conformam com essa triste sina e apelam a que o projecto possa ser revisto.
As duas opções de traçado da Linha de Alta Velocidade (LAV) em estudo para o concelho de Rio Maior prevêem a demolição de apenas uma habitação, no lugar de Casalinho, e os infelizes contemplados são Fernando Morais e a família, que ali vivem há duas décadas. Na sessão pública de esclarecimento organizada pela Câmara de Rio Maior, o potencial lesado expressou a sua insatisfação e disse que não houve preocupação de desviar o traçado para evitar esse eventual desfecho. No final, dirigentes e técnicos da empresa pública Infraestruturas de Portugal (IP) deixaram no ar alguma esperança de que essa solução radical possa ser revertida. Mas sem garantias, até porque a última palavra caberá à entidade a quem for concessionado o serviço nesse troço.
Na sessão, que decorreu ao final da tarde de 10 de Abril no Cineteatro de Rio Maior, onde a IP prestou esclarecimentos, Fernando Morais ironizou que ser dono da única moradia afectada pela linha do comboio de alta velocidade no concelho de Rio Maior “é quase como acertar no euromilhões”. E sublinhou que vive numa zona de Reserva Ecológica Nacional (REN) onde nada se pode fazer mas por onde já passam quatro linhas de alta tensão, um gasoduto e, futuramente, a alta velocidade ferroviária que vai ligar o Porto a Lisboa.
“Para construir a minha casa andei dois anos de volta do projecto com arquitectos e mais três anos a construir, por estar em zona de REN, e agora levamos com o TGV... Custa estar com a vida em suspenso. Eu não sou obrigado a pagar o desenvolvimento”, disse a O MIRANTE após a sessão, referindo que o valor da indemnização que lhe vierem a pagar nunca compensará a componente imaterial, que não é mensurável. “Foi uma opção de vida, tudo isto foi feito ao longo do tempo e o que me irão pagar é um valor de mercado com contas feitas numa folha Excel. Onde é que vou arranjar uma casa igual? Não existe!”, desabafou.
Fernando Morais vive com a esposa e dois filhos no lugar que escolheu, em terrenos da família, e reforça que esse sítio é insubstituível, até no domínio dos afectos e da memória. Por isso apela a que possam ser estudadas soluções alternativas. Alega que há manchas florestais a sul e a nascente que poderiam ser opções para passagem da linha e reitera que “não houve a preocupação” de evitar a sua habitação, supostamente para não afectar uma área de extracção de inertes. “Haveria possibilidade a sul de afastar o traçado da minha habitação, nem que fosse 50 metros”, defende, lembrando que, no traçado que esteve projectado em 2007, a linha passava entre 80 a 100 metros da sua moradia, situada quase no limite do concelho de Rio Maior com o de Alcobaça, perto da Benedita.
O morador, que tem uma horta e animais de criação na sua propriedade, criticou também a pouca divulgação do projecto da alta velocidade junto da população da zona. Referiu que mesmo a sessão pública realizada em Rio Maior só foi divulgada nas redes sociais, recurso a que muita população mais idosa não acede.
O engenheiro João Pereira, da IP, disse que poderá ser avaliada qual a margem de manobra e flexibilidade para, dentro do corredor com a largura de 400 metros previsto em cada opção do traçado, eventualmente se poder evitar a demolição da moradia, referindo, no entanto, que noutros concelhos os impactos da passagem da LAV são previsivelmente muito maiores. “Acho que dentro desse corredor há sempre possibilidade de encontrar alternativas”, declarou.
Rio Maior vai ter ponto de estacionamento de comboios
Também o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, disse que poderá ser avaliada uma solução que não afecte a habitação de Fernando Morais, mas sem garantias, porque “a palavra final é do concessionário”. O mesmo sucede em relação à possibilidade de se criar uma estação na zona de Asseiceira (Rio Maior) para servir uma região mais ampla, para onde está previsto um ponto de estacionamento e ultrapassagem de comboios. Mas isso, para já, são apenas cenários. A decisão quanto ao traçado escolhido ainda não está tomada em definitivo, aguardando-se parecer técnico da Agência Portuguesa de Ambiente.
No âmbito da consulta pública do estudo de avaliação ambiental das duas opções de traçado para Rio Maior, a Câmara de Rio Maior pronunciou-se para que seja escolhida a opção A, a menos invasiva e que menos afecta o concelho e os seus habitantes, embora a opinião técnica tenda para a opção B. Tanto o presidente do município, Filipe Santana Dias (PSD), como o vereador Miguel Paulo (PS) apelaram à IP no sentido de uma minimização dos impactos no território, designadamente em relação à habitação que pode ser afectada.
“A Câmara de Rio Maior, não se opondo ao desenvolvimento do país, continuará a pugnar pela defesa dos riomaiorenses e do seu património, defendendo sempre a solução que, não comprometendo o projecto, onere menos o seu território”, expressou a autarquia em comunicado.
Outros impactos identificados
A linha de alta velocidade em Rio Maior vai atravessar sobretudo solos de uso florestal, em especial de produção (mais de 70%), apanhando ainda áreas agrícolas mais pontuais e localizadas. Quanto à Reserva Agrícola Nacional, serão afectados 5 hectares (ha) na solução A e 15ha na solução B. Em área de Reserva Ecológica Nacional, o projecto incidirá em áreas de elevado risco de erosão hídrica do solo, em que será maior na solução B. Prevê-se também interferências com linhas eléctricas e com duas centrais solares, uma delas em projecto e a outra aprovada mas não construída. A solução B margina uma pedreira.