Sociedade | 22-04-2025 15:00

Fernando Miguens: um rosto conhecido de Benavente foi a última vítima do Hospital VFX

Fernando Miguens: um rosto conhecido de Benavente foi a última vítima do Hospital VFX
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
Teresa Miguens de Benavente descreve a O MIRANTE mais um caso desumano no Hospital Vila Franca de Xira

Família de Fernando Miguens diz ter passado uma experiência tenebrosa e nem os sorrisos do presidente do conselho de administração, Carlos Andrade Costa, foram suficientes para reparar o estrago. Doente com Alzheimer saiu do Hospital Vila Franca de Xira e caminhou 20 quilómetros até ser encontrado por populares em Arruda dos Vinhos ainda com o cateter espetado no braço.

Os familiares de Fernando Miguens, idoso de 74 anos a quem o Hospital Vila Franca de Xira (HVFX) perdeu o rasto na manhã de 8 de Abril, dizem ter passado por uma experiência tenebrosa e não têm dúvidas: muita coisa falhou nos protocolos do hospital para que um doente com Alzheimer tenha desaparecido da unidade de saúde. Teresa Miguens, farmacêutica e filha de Fernando Miguens, de Benavente, confirma a O MIRANTE que a família vai apresentar queixa contra o hospital gerido pela Unidade Local de Saúde (ULS) Estuário do Tejo na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e na Entidade Reguladora da Saúde.
Fernando Miguens é um rosto conhecido e acarinhado em Benavente, de onde é natural. Foi engenheiro técnico agrário e agricultor. Uma pessoa cheia de vida a quem foi diagnosticada a doença de Alzheimer. “No último Verão piorou imenso e em Dezembro já não conhecia ninguém. Ficou totalmente dependente. Tivemos de o institucionalizar”, conta Teresa Miguens a O MIRANTE. Na segunda-feira, 7 de Abril, sofreu uma queda ao sair do lar e foi levado para o HVFX para observação e reavaliação na psiquiatria. Fernando Miguens esteve sempre acompanhado por uma filha, irmã de Teresa Miguens, até ser movido para a sala de observação, onde a familiar foi impedida de estar com o pai. Disseram-lhe que não podia ficar com ele. “A minha irmã avisou que ele poderia sair do hospital mas disseram-lhe para ficar descansada porque havia sempre duas pessoas a vigiar a sala”. Esta indicação do hospital parece ir contra a carta dos direitos dos utentes de serviços de saúde, publicada pela Entidade Reguladora da Saúde, onde a legislação prevê que as pessoas com deficiência ou em situação de dependência, com doença incurável ou em estado final de vida, têm direito a acompanhamento permanente de ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado.
Ainda segundo Teresa Miguens “no dia seguinte a minha irmã chegou às 08h00 e começou a perguntar pelo pai. Até às 11h00 foram-lhe dizendo que estava em observação, até ela ter conseguido falar com uma médica e perceber que ele tinha fugido. Aí instalou-se o pânico”, recorda Teresa Miguens.

Valeram os familiares e comunidade
Segundo os familiares, pouco antes de desaparecer Fernando Miguens esteve numa consulta de psiquiatria, pelas 09h30, onde o seu estado foi descrito como alterado e confuso. Ao ser devolvido à sala de observação acabou por desaparecer, pelas 10h15. Segundo relata Teresa Miguens, foi o enfermeiro responsável pelo serviço de observação que confessou ter visto o idoso a sair da unidade pelo seu próprio pé. Alertou o segurança mas este não fez nada para travar o utente. “Os protocolos não foram cumpridos. Muita coisa falhou. Vi tanta gente a quem este tema não passou sequer pelo forro da camisa. Não vi ninguém preocupado. Disse que o meu pai tinha fugido e as respostas eram sempre “não sei”, “fale ali”, “fale além”. Até ter começado a endurecer a voz”, critica.
Foram os familiares que decidiram ir obter confirmação junto das câmaras de vigilância e conseguiram perceber que o pai tinha saído da unidade. “Às 13h35 o meu pai ainda não tinha tido alta de doente de fuga. Para o sistema ele continuava na sala de observações. Se não fossemos tão interventivas, o meu pai desaparecia do mapa”, lamenta a farmacêutica a O MIRANTE.
Teresa Miguens e os restantes familiares pediram para falar com um responsável mas nada aconteceu. Por coincidência, só quando chamou as televisões é que a administração do hospital enviou alguém para a receber, no caso, um advogado. “Perguntei-lhe o que o hospital já tinha feito para encontrar o meu pai, o que tem de fazer nestas situações, se alertou a PSP e a GNR, estivemos duas horas neste processo”, recorda.
Com o desaparecimento de Fernando Miguens a chocar a comunidade e as televisões a caminho do hospital, o presidente da administração da ULS Estuário do Tejo, Carlos Andrade Costa, recebeu os familiares. “Disse-lhe se ele não percebia que o seu hospital tinha falhado em todos os momentos, que a vida do meu pai é muito importante e isto não iria ficar assim. Disse-lhe que só estávamos a perder tempo”, recorda.
Fernando Miguens acabou por ser encontrado, por volta das 15h00, a quase vinte quilómetros do hospital, em Arruda dos Vinhos, por adolescentes que viram a publicação nas redes sociais a pedir ajuda. “Ainda estava com o cateter num braço, num dia de calor horrível, sem dinheiro, sem água, sem comida nem documentos. Quando soube que o meu pai apareceu, o Carlos Andrade Costa ficou todo contente e disse-me esperar que nós não percamos a confiança no hospital. Naquele momento nem quis falar muito com ele”, recorda. O utente acabou por ter alta ao fim do dia.

Hospital remete-se ao silêncio
O MIRANTE questionou o Hospital VFX sobre este assunto mas não recebeu resposta. Também questionámos a Entidade Reguladora da Saúde sobre este caso mas ainda sem resposta. A O MIRANTE fonte oficial da PSP confirma que logo após o desaparecimento de Fernando Miguens o hospital comunicou a situação aos agentes que prestavam serviço permanente remunerado na unidade. A polícia confirma ter encetado de imediato acções para localizar o cidadão, incluindo verificação nas imediações do hospital e artérias adjacentes. Já a GNR explica que nestas situações o hospital contacta sempre primeiro a PSP por se tratar da sua área de influência.
Com a queixa que vão apresentar, os familiares querem saber que protocolos existem no hospital para estes casos, por que é que terão falhado, e o que o hospital pensa fazer para evitar que isto aconteça no futuro com outras pessoas. Hoje Fernando Miguens está bem, cansado e não sabe o que lhe aconteceu. “Foi um drama. O que aconteceu não é aceitável. Foi uma experiência tenebrosa e o dia mais horrível da minha vida. Estamos a falar de uma pessoa que ficou a cargo de uma instituição, um serviço de saúde, que tem obrigação de zelar pelos doentes. O acompanhante foi posto na rua e sabemos que ele hoje está vivo por milagre”, critica Teresa Miguens.

Segundo caso em dois anos

Este não é caso único no Hospital VFX desde que a actual administração tomou conta da gestão da unidade. Um outro caso que O MIRANTE noticiou aconteceu em Dezembro de 2022, quando Casimiro Pereira, de 95 anos, que estava desorientado e internado no hospital, saiu do piso 3 da unidade de saúde, atravessou todo o edifício e andou perdido pela cidade, descalço, sem que ninguém desse por nada. Foi encontrado por populares com a roupa do hospital. A família exigiu um pedido público de desculpas da administração, da qual até hoje nunca se ouviu falar. Na altura o hospital abriu um inquérito interno que acabou arquivado.

À margem/opinião

A desumanidade continua

Depois de numa das últimas edições O MIRANTE ter dado eco às críticas da Ordem e do Sindicato dos Enfermeiros sobre a crueldade que é ter uma centena de utentes internados em macas no Hospital Vila Franca de Xira, agora foi a vez daquela unidade de saúde perder o rasto a um utente que tinha ao seu cuidado. Não sendo a primeira vez que isto acontece, é no mínimo alarmante como é que nada parece estar a ser feito para impedir estes casos de continuarem a acontecer. A somar a tudo isto, uma administração que, perante uma família em apuros, decide que o mais normal é primeiro enviar um advogado para falar com ela – depois de, por coincidência, as televisões terem sido chamadas - diz bem do tipo de gestores que estão à frente deste hospital.

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