Juiz de Santarém fez comentários preconceituosos a mulher vítima de violência doméstica
Um juiz do Tribunal de Santarém, absolveu um marido acusado de exercer violência psicológica contra a mulher, sendo possessivo, mas os juízes do Tribunal da Relação de Évora vieram agora condenar o arguido numa pena suspensa de prisão, considerando que o julgamento da primeira instância ficou comprometido pelo comportamento do juiz.
O agressor tinha pedido à vítima uma lista das pessoas com quem se relacionava, proibindo-a de se dar com elas e obrigou-a a dizer com quem é que tinha tido relações sexuais antes do relacionamento. É neste caso que o juiz comentou que ela fez o que fazem as mulheres, que foi mentir.
O Tribunal da Relação de Évora reverteu uma decisão do Juízo Local Criminal de Santarém que tinha absolvido um acusado de violência doméstica, condenando-o agora numa pena suspensa de prisão, criticando a postura do juiz da primeira instância que teceu comentários preconceituosos em relação às mulheres. O juiz em causa, falecido em Janeiro vítima de AVC (Acidente Vascular Cerebral), referiu no julgamento que a paixão não desculpa tudo quando esta justificou que tinha casado com o arguido, apesar dos sinais de ser controlador, porque estava apaixonada.
O juiz Rui Alexandre, dirigiu-se à vítima dizendo: “A senhora é um ser racional. Não custa nada tentar perceber se antes do casamento ele se comportava assim”. O juiz também teceu comentários em termos generalistas insinuando que todas as mulheres são mentirosas, sobre um dos factos que estava em discussão em julgamento em que esta disse que o então marido lhe tinha pedido uma lista de pessoas com quem se tinha relacionado. “A senhora fazia como fazem as mulheres, mentia”, comentou. Rui Alexandre, também disse à mulher que a verdade era com ele quando durante a inquirição esta disse que estava ali para dizer a verdade.
Outra situação do juiz de Santarém referida na decisão da Relação, que veio agora condenar o agressor na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa por igual período, e ao pagamento de uma indemnização de 1500 euros à vítima, tem a ver com o facto de a mulher estar nervosa em julgamento. “Ó minha senhora, para que as suas declarações sejam válidas e entendidas tem de se acalmar”, referiu o juiz, considerando também “a senhora não pode dizer que ele a criticava pela roupa e depois dizer que não se vestia assim” e acabando também por lhe perguntar que outros relacionamentos amorosos é que tinha tido.
Os três juízes da Relação que julgaram o recurso interposto pela vítima, chamam a atenção de que o juiz “tem de se libertar de tudo aquilo que possa afectar o seu olhar e avaliação da prova”. Para os desembargadores os comentários e juízos de valor fizeram com que a mulher desse respostas reveladoras de culpabilização pelos factos que relatava, tendo-se apelidado de “estúpida” e que se “sentia burra”. O acórdão do tribunal superior realça que os preconceitos marcaram também o interrogatório das testemunhas, quer no modo como são interrogadas, quer o conteúdo do que é perguntado e bem assim, de forma evidente, nos apartes e opiniões que são transmitidas”.
Nos casos de violência doméstica, “o julgador não pode ‘projetar-se’ na vítima, exigindo-lhe ou esperando dela um comportamento que acha que deveria tomar ou que ele próprio naquela situação tomaria”, refere a decisão de Évora. Os juízes da Relação referem que nas declarações a vítima descreveu de forma clara o modo de actuar do arguido, realçando que “embora o interrogatório não tivesse decorrido da forma adequada a uma vítima de violência doméstica, a verdade é que anda assim a assistente conseguiu ir respondendo ao que lhe era perguntado”.
Um marido controlador e possessivo
O arguido e a vítima mantiveram uma relação entre 2016 e 2022, sendo que o homem denotava um comportamento controlador e possessivo, não deixando que ela vestisse determinadas roupas e que convivesse com outras pessoas para além da família, sendo que a acompanhava ao trabalho. O condenado acusou a mulher de uma vez estar a olhar para um homem “de uma ponta à outra”. O homem obrigou-a a dizer com quem tinha tido relações sexuais anteriormente. O Tribunal da Relação de Évora refere que as testemunhas confirmaram que a mulher sofreu traumas de um relacionamento marcado por controlo e violência psicológica.