Sociedade | 15-06-2025 10:00

Brincar é um ensaio para a vida adulta

Brincar é um ensaio para a vida adulta
Osama El Rafaey e Beatriz Dias abriram o Espaço Meraki no centro de Santarém - foto O MIRANTE

Com impacto no bem-estar e desenvolvimento da criança, a brincadeira é um ensaio para a vida adulta. Aprende-se a lidar com emoções e a desenvolver ferramentas como a criatividade e empatia. E brincar ao ar livre traz vantagens únicas, defende a psicóloga Beatriz Dias, numa conversa a propósito do Dia Internacional do Brincar.

Brincar com uma criança pode ser um acto simples, descomplicado, que não implica ter à disposição um baú cheio de brinquedos. Basta ter vontade e imaginação, e permitir-se mergulhar no mundo criativo dos mais pequenos. “Para uma criança, uma panela e uma colher pode ser um brinquedo, dançar, fazer uma competição de plasticina ou de pintura pode ser divertido”, começa por referir a propósito do Dia Internacional do Brincar, que se assinala a 28 de Maio, a psicóloga clínica, Beatriz Dias.
A terapeuta cognitivo-comportamental, explica que um dos maiores obstáculos à brincadeira é o adulto tentar “condicioná-la” dizendo à criança: “não é assim que se faz, não é assim que se brinca”. Inevitavelmente, ao ouvir isto, a criança vai sentir “limitação” que se poderá reflectir no seu desenvolvimento e impactar a vida adulta a vários níveis, desde as relações interpessoais à auto-estima. “O nosso papel enquanto adultos deve ser o de oferecer, disponibilizar, mais do que dirigir. Nós, adultos, sabemos que um escorrega sobe-se pelas escadas e desce-se pela parte que escorrega. Mas as crianças sobem por qualquer sítio e está tudo bem. As regras sociais são nossas”, afirma.
Na infância, destaca, o brincar tem um papel fundamental no bem-estar e no desenvolvimento da criança. “O brincar é o ensaio da vida geral. A criança está a treinar a resolução de problemas, a aprender a regular emoções, a trabalhar a tolerância à frustração e a capacidade de espera, a empatia pelo outro e a copiar o que aprende, por exemplo, quando brinca com um kit médico, recriando a sua consulta de rotina. O brincar é, no fundo, a ferramenta que as crianças têm para se preparar para a vida adulta, portanto, quanto mais completo for este brincar mais completas e desenvolvidas serão em adultas.
Foi precisamente para dar oportunidade às crianças e suas famílias de terem acesso a um brincar completo, diferente e criativo que Beatriz Dias e Osama El Rafaey abriram, no centro de Santarém, em Abril passado, o Espaço Meraki. Pais de uma menina de dois anos, contam que passavam os dias a correr para outras cidades para poderem proporcionar experiências diferentes e enriquecedoras à pequena Gabriela. “Só que gostamos muito de viver em Santarém e então pensámos que seria interessante pararmos de reclamar da nossa cidade e sermos proactivos, fazermos algo por ela”, dizem.
Na pior das hipóteses, se não houvesse adesão por parte das famílias, seria um espaço para a Gabriela explorar com os seus pais. Mas não, a adesão aos ateliês que desenvolvem, pensados para diferentes idades e propósitos, têm sido um sucesso. “Às vezes não nos queremos preocupar em planear a brincadeira, às vezes não temos tempo... Percebo que seja a realidade da maioria das famílias. Mas aqui sabem que vão encontrar um local seguro, planeado para as idades dos filhos onde os pais também são convidados a explorar”, refere Beatriz Dias.

Brincar na natureza ajuda a regular emoções
Brincar, um direito da criança consagrado nos direitos das mesmas, deve “em idades precoces ser aquilo que fazem além das necessidades básicas”, destaca a psicóloga, explicando que é natural que à medida que a criança cresce o tempo de brincadeira vá diminuindo e aconteça de forma mais estruturada. “A brincadeira não tem contra-indicações” e a forma como acontece traz ensinamentos distintos. “Brincar sozinho ensina competências como a tolerância, a frustração, o resolver sozinho, e melhora a auto-estima. Em grupo trabalham-se normas sociais, o respeito pelo outro, a noção de que existo eu e outros; brincar com o adulto beneficia a vinculação e o efeito espelho, de estar a aprender. Todas são importantes”, afirma.
O trabalho “Portugal a Brincar II – 2022”, que teve por base um inquérito a mais de 1.600 famílias com crianças até aos 10 anos, demonstrou que a casa é o principal local de brincadeira fora da escola e que se brinca, cada vez menos, ao ar livre. A conclusão não surpreende Beatriz Dias. “As crianças estão cada vez mais fechadas em casa, brincam menos e estão mais paradas. Percebo que hoje se coloca a questão da segurança, mas brincar na natureza é fundamental para a criança, é um regulador emocional excelente que oferece aprendizagens sociais. Trepar a uma árvore é perceber o que se faz com o corpo, saber que se não se agarrar vai cair. E quando colocamos as crianças em casa perdemos esses benefícios. É importante voltarmos a investir mais na brincadeira ao ar livre”, defende.

Ecrãs e tecnologias são um obstáculo ao brincar

Embora Beatriz Dias não considere que sejam um “vilão”, porque efectivamente oferecem vantagens, “os ecrãs e as tecnologias estão a ser um obstáculo” ao brincar. “Estão a substituir aprendizagens importantes para a construção neurológica, porque o ecrã é um estímulo rápido e previsível. As crianças ficam a assistir, passivas, não envolve imaginação nem esforço”. E quanto maior for a oferta, alerta, maior será a solicitação. “Se temos um adulto constantemente com o telemóvel na mão, é natural que a criança queira ver, mexer”. O ideal, diz, é que os cuidadores saibam fazer uma utilização regrada e que o deixem de lado para brincar com as crianças.

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