Cancro da mama está a aumentar e a afectar mulheres mais jovens

Pedro Freitas Carvalho, coordenador da Unidade da Mama do Hospital CUF Santarém, fala sobre a realidade desta doença, que está a afectar mulheres mais novas.
Desde 2016 regista-se um aumento anual de 3,5% no número de diagnósticos em mulheres com menos de 40 anos. Os rastreios a esta doença que tem grande impacto na auto-estima e na vida das doentes, já baixara, para 45 anos. A sensibilização das mulheres jovens, fazendo a auto-vigilância, é importante para garantir um diagnóstico atempado. O avanço da tecnologia e da medicina têm permitido melhorar o tratamento do cancro da mama, especialmente no que toca à cirurgia com novas técnicas que asseguram um tratamento menos invasivo, mais seguro e mais preciso.
A equipa da Unidade da Mama do Hospital CUF Santarém utiliza uma abordagem diferenciada, que combina o conhecimento e a experiência de cirurgiões gerais e cirurgiões plásticos: a cirurgia oncoplástica. Esta abordagem permite tratar e, em muitos casos, fazer a reconstrução mamária, na mesma intervenção. Desta forma, minimiza-se o dano causado pela cirurgia e o impacto na auto-estima das doentes. O Hospital CUF Santarém dispõe também de um hospital de dia oncológico. O tratamento do cancro da mama deve ser personalizado e na CUF dá-se importância a uma abordagem multidisciplinar, em que todos os casos são discutidos em reuniões multidisciplinares, com especialistas de diversas áreas e unidades da rede, para definir o melhor tratamento, com menores impactos.
O cancro da mama é uma doença cada vez mais prevalente? O cancro da mama é uma das neoplasias mais comuns nas mulheres e uma das principais causas de mortalidade. São diagnosticados cerca de nove mil novos casos anuais e a mortalidade relativamente a esta patologia ainda tem números expressivos. Morrem cerca de duas mil mulheres por ano. Sabemos que existe a probabilidade de uma em cada oito mulheres poderem ter cancro da mama.
Essa taxa de mortalidade tem a ver com o arrastar das situações, com um diagnóstico mais tardio? Existem múltiplos factores. É uma doença muito heterogénea e que é multifactorial e que se apresenta sobre múltiplos aspectos e com múltiplas gravidades. Temos casos clínicos que são diagnosticados numa fase inicial e casos que são diagnosticados numa fase mais tardia. Esta situação também tem a ver com o aumento do envelhecimento da população.
E qual é a incidência nas mulheres jovens? O rastreio começou a ser feito cinco anos mais cedo, aos 45 anos, porque os números em Portugal mostram que entre os 20 e os 49 anos houve um aumento de 54 por cento de novos casos. Há os factores de risco que estão identificados, como as alterações hormonais, as terapêuticas hormonais e o papel dos estrogénios, factores reprodutivos em que as doentes têm uma exposição prolongada ao estrogénio, ou seja, a primeira menstruação muito precoce e menopausa tardia. Há também a questão da maternidade tardia ou mesmo a ausência dos filhos.
Ter filhos pode prevenir o cancro da mama? É importante a mama passar por esse processo, como também é muito importante a amamentação para prevenir e para ajudar a mama a não ter este tipo de problemas. Depois há factores genéticos e familiares. Ter uma familiar de primeiro grau com cancro da mama define em si um maior risco.
Quais é que são os cuidados que as mulheres devem ter? O que é fundamental, como em qualquer tipo de cancro, é o estilo de vida. O sedentarismo, a obesidade, a má alimentação e o consumo de álcool têm de ser evitados. Temos de incentivar o exercício físico, que devia ser quase obrigatório, porque em conjunto com a alimentação reduz imenso as incidências.
Uma mulher que tenha cancro na juventude pode voltar a ter? Pode voltar a ter. A doença é muito heterogénea, os tumores são muito diferentes. Há vários tipos de tumores com comportamentos clínicos totalmente diferentes, com agressividades diferentes. Cada doente é uma doente. Hoje todas as situações de doentes são discutidas em reuniões de grupo e estamos ligados à unidade da mama de Lisboa, que está certificada. A questão do aparecimento da doença depende muito de um conjunto de factores e de qual é que é o tipo de cancro. Claro que se for mais nova há uma maior probabilidade de voltar a ter porque também tem mais anos de vida que uma pessoa mais velha.
Em que medida é importante o diagnóstico e o tratamento precoce da doença? O diagnóstico e o tratamento precoce são fundamentais porque quanto mais cedo descobrirmos a doença conseguimos sucesso, sobrevida e os números finais são sempre melhores. O rastreio que é realizado pela Liga Contra o Cancro é extremamente importante para detectar uma franja de doentes que são assintomáticas. No nosso país este cancro tem uma cobertura altíssima, de cerca de 90%. Estamos em segundo lugar a nível europeu em termos de rastreios. Ou seja, a liga faz um trabalho muito importante, em conjugação com os hospitais, para a detecção de doentes em estádios mais iniciais.
O que é que a CUF Santarém tem disponível para o diagnóstico e tratamento? Temos todas as valências que são necessárias, desde a consulta, passando pela realização de todos os exames, até à cirurgia se for necessário e reconstrução. Oferecemos todas as técnicas que hoje estão padronizadas. Temos um hospital de dia onde se faz quimioterapia e tudo o que é necessário. Temos equipas de enfermagem dedicadas a esta área.
Que tipo de tratamentos é que existem e em que situações é necessária a cirurgia? Depois do correcto diagnóstico tem de ser equacionado se se faz alguma terapêutica antes de as doentes serem operadas. Depois da cirurgia é definido o tratamento que pode passar por quimioterapia, radioterapia e os tratamentos hormonoterapia. Hoje em dia usamos muito as plataformas genómicas em que é feito um estudo genético para sabermos qual é que e se esta doente beneficia ou não em fazer quimioterapia, para não estarmos a fazer quimioterapia em excesso, por exemplo. Cada vez mais a terapêutica é feita caso a caso especificamente para se obterem os melhores resultados.
A cirurgia mamária provoca sempre os problemas de auto-estima. Como é que se tenta minimizar essa situação? Há aquela imagem da mastectomia, da mulher ficar sem a mama e que já é uma raridade. Actualmente há um conjunto de técnicas que nos permite preservar a mama sem ter de fazer uma mastectomia. Com o apoio muitas vezes da cirurgia plástica, conseguimos obter resultados e reconstruções, mesmo quando tivemos de tirar a mama toda, de reconstruções imediatas e que causam um impacto na mulher muito menor.
Como é que funcionam as equipas multidisciplinares? As situações das doentes são todas discutidas numa reunião multidisciplinar que se faz semanalmente, não só relativamente às situações malignas, mas também às situações benignas, onde estão médicos da cirurgia, oncologia, radioterapia, radiologia, imagiologia, para definirmos o melhor caminho. Nada disto pode ser decidido por uma pessoa. Na CUF temos uma certificação EUSOMA - European Society of Breast Cancer Specialists, que é muito rígida e nos obriga a ter determinados procedimentos.
E as situações benignas? Existe um conjunto de patologia benigna que também não pode ser descurada, porque apesar de ser benigna e não ter aquele impacto, tem de ser tratado, orientado e tem de ser diagnosticada.
Qual é que foi a mais jovem que teve de operar? A mais jovem que eu operei tinha menos de 20 anos. Estamos habituados a ver o cancro como uma doença das pessoas mais velhas e hoje em dia a incidência sobe porque a esperança de vida sobe e há cada vez mais pessoas com uma idade avançada. Mas nas pessoas jovens não é suposto existir, com o impacto que tem sobre a imagem da doente, sobre a parte da maternidade. Mas existem procedimentos que tentam ser menos agressivos e conseguem dar o máximo de qualidade de vida à doente.
Quando falamos do cancro da mama, estamos sempre a falar de mulheres. Mas também afecta homens. Isso é uma realidade. Não nos podemos esquecer que o homem também tem mama e que também pode ter cancro da mama. Por isso, qualquer sintomatologia que exista, também o homem deve estar alerta. É uma situação muito menos comum do que do que na mulher. Mas quando existe, muitas vezes é uma situação agressiva.