“Mesquita não”: protesto reuniu duas centenas de pessoas em Samora Correia

No dia 10 de Junho ouviram-se palavras de ordem em Samora Correia contra uma mesquita que ainda não existe. Duas centenas de pessoas manifestaram--se contra o projecto da Associação Ahmadia do Islão em Portugal, que apela ao diálogo.
“Mesquita não, não queremos o Islão”, “Samora sim, mesquita não”, “Portugal, Portugal” ou “Samora vai em frente, tens aqui a tua gente” foram as palavras de ordem mais ouvidas por populares durante a manifestação que juntou, dia 10 de Junho, cerca de duas centenas de pessoas em Samora Correia, concelho de Benavente. Apesar de denominado “Pelas tradições e costumes”, o protesto de cariz popular, como afirmou o organizador Ruben Vicente, político (agora independente depois de se desvincular do Chega) e dirigente associativo na localidade, vincou a posição de força dos participantes em mostrar desagrado perante a possibilidade de construção de uma mesquita em Samora Correia.
“Podiam ter sido mais a participar nesta manifestação, mas aqueles que estiveram presentes passaram a mensagem de que uma mesquita não faz sentido na nossa terra. Esperemos que tenha sido uma prova clara que foi dada aos novos autarcas que vão aparecer na câmara municipal”, salientou Ruben Vicente em declarações a O MIRANTE.
Os manifestantes concentraram-se junto à Igreja Matriz de Samora Correia e percorreram um trajecto a pé, acompanhado por militares da GNR, até ao terreno situado em frente ao quartel dos bombeiros, onde colocaram uma faixa com a frase “Mesquita não!”. No final cantaram o hino nacional e a contestação, que decorreu de forma pacífica e ordeira, terminou. Pelo percurso destaque para um momento que não passou despercebido à nossa reportagem. Um cidadão indostânico, que se encontrava a trabalhar num espaço verde na Avenida O Século, permaneceu estático, em silêncio e de frente para as centenas de pessoas que passavam à sua frente a gritar “Islão aqui não”. Depois continuou a trabalhar no canteiro de flores em dia de feriado nacional em Portugal.
Ana Paula Duarte, 59 anos, tem uma costela ribatejana e vive em Samora Correia há 30 anos. Para a participante no protesto a intenção da associação islâmica em edificar uma mesquita “é puxar gente” para esta localidade num momento em que se prevê também para o território o novo aeroporto. “É inadmissível a construção de mesquitas por todo o país. Em Samora Correia, um meio pequeno, não pode ser invadido por uma cultura que põe em causa os valores da nossa região. Impõem-se e não se enquadram nos nossos costumes”, realçou.
José Carlos Gonçalves, 55 anos, reside em Samora Correia há seis anos e também se juntou à população junto ao Palácio do Infantado. “O nosso país não se coaduna com os costumes desses países. Assistimos a muitos casos de violações de mulheres noutros países e faz-me confusão. Eles entram de mansinho, instalam-se e depois já ninguém os consegue tirar daqui”, referiu, dizendo que “agora é o momento oportuno para as pessoas se manifestarem”.
No protesto, além da população, estiveram presentes elementos de várias forças políticas, nomeadamente do PSD, PS e Chega. O organizador do protesto rejeitou as vozes que defendem que a manifestação e todo o burburinho em torno da situação serve para colocar os samorenses uns contra os outros. Em Samora Correia, como refere, existe uma cultura com tradições bem vincadas. “Este protesto demonstrou, e é nossa convicção, que a cidade não quer esta mesquita”, concluiu.
Não há qualquer projecto na câmara
À data de hoje não há nenhum projecto nem nenhum pedido de viabilidade entregue na Câmara de Benavente para a possível construção da mesquita. A autarquia tem sido alvo de críticas por não ter exercido o direito de preferência sobre o terreno. Em concreto a Associação Ahmadia do Islão adquiriu um terreno de mais de 4 mil metros quadrados, na Avenida O Século, onde pretende erguer a sua nova sede nacional.
“A cultura de uma cidade não desaparece com a construção de uma mesquita”
O presidente da Associação Ahmadia do Islão em Portugal, Fazal Ahmad, veio a público reagir à contestação popular em Samora Correia. Em declarações a O MIRANTE, Fazal Ahmad classifica como “medo imaginário” os receios levantados por parte da população e rejeita que o projecto signifique qualquer ameaça aos costumes e tradições locais. “Que fique claro que o complexo religioso será um edifício como qualquer outro, não um edifício alienígena, e a vida das pessoas continuará a ser normal”, afirma o responsável.
Fazal Ahmad refuta que a mudança da comunidade para Samora Correia esteja relacionada com dificuldades em Odivelas, esclarecendo que a decisão resulta apenas da necessidade de espaço para construir um complexo que permita “gerir os assuntos e as actividades da comunidade de forma pacífica”. O dirigente religioso critica também o aproveitamento político do caso e apela a que não se utilizem “slogans contra qualquer religião ou cultura para atingir objectivos políticos ou pessoais”. Sublinha que os ensinamentos da Comunidade Ahmadia promovem o diálogo inter-religioso e o respeito por todas as tradições.
Abordando o tema da manifestação, Fazal Ahmad diz que a associação se identifica com a defesa das tradições e dos costumes locais, mas rejeita o incentivo ao ódio, racismo e xenofobia. “A cultura de uma cidade não desaparece com a construção de uma mesquita. A mesquita não vai apagar igrejas, nem vai proibir festas populares, nem vai eliminar as tradições locais”, frisa. Entre os receios manifestados nas redes sociais, está o de que Samora Correia se torne semelhante a zonas como Martim Moniz ou Odivelas. Fazal Ahmad considera essas associações infundadas, lembrando que a comunidade Ahmadia é independente e reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho, pela tolerância e liberdade de crença. “Dizer não à mesquita”, afirma, “não é um argumento, é apenas uma manifestação de preconceito”. Acrescenta ainda: “Não somos o que as pessoas estão a pensar a nosso respeito, somos pessoas pacíficas. O lema da nossa comunidade é ‘Amor por todos, Ódio por ninguém’ - e amor vence o ódio”.
À Margem
O mundo não gira à volta de uma mesquita
Não há como esconder que a pretensão dos imigrantes em construírem uma mesquita em Samora Correia tinha que gerar contestação por mais voltas que se dê ao discurso de tolerância e compreensão. Mas mesmo assim vale a pena insistir; se os imigrantes escolheram o nosso país para viver, e se são precisos para fazerem o trabalho que nós não queremos fazer, como integrá-los se não lhes dermos as condições de habitação, educação e da prática religiosa, entre outras, como desejamos para nós próprios e para os nossos amigos?
Esta semana ouvi o bispo Américo Aguiar a defender a construção de duas mesquitas na cidade do Porto, questão que também está na ordem do dia, dizendo que todos os povos têm direito a professar as suas crenças; e que dar-lhes condições para o fazerem nos locais próprios evita que o façam na rua, ou em apartamentos clandestinos, prejudicando a sã convivência entre todos. Na rua porque incomoda quem passa, e nos locais clandestinos por todas as razões.
O que se passa em Samora Correia não é de somenos importância para a comunidade, a fazer fé no número de manifestantes e no número de visualizações que as notícias de O MIRANTE têm ganho. Mas é certo que o assunto não se resolve com manifestações e que a normalização da situação vai acontecer mais cedo ou mais tarde, até porque o nosso mundo não gira à volta de uma igreja seja ela de que credo for.