Sociedade | 23-06-2025 21:00

Rogério Godinho, o músico que questiona o mundo com acordes e poesia

Rogério Godinho, o músico que questiona o mundo com acordes e poesia
Rogério Godinho, músico e autor de Alverca, diz que compor faz parte da sua razão de viver - foto O MIRANTE

Numa altura em que a sociedade se comprime em histórias nas redes sociais com 15 segundos, Rogério Godinho vive ao ritmo da introspecção, da criação cuidada e da mensagem pensada. Natural de Alverca, o músico constrói um percurso no panorama musical nacional, com raízes no jazz, no fado e na música clássica, mas sempre ancorado na palavra e na autenticidade. Uma conversa com O MIRANTE no âmbito das comemorações do Dia Europeu da Música e Dia Mundial da Música, ambos assinalados a 21 de Junho.

Ser músico profissional é uma paixão da qual Rogério Godinho, de Alverca, não abdica. É um caminho difícil, ainda para mais vivendo sem agenciamento dos grandes nomes da praça musical nacional, mas é a sua integridade musical que está em causa e insiste que não a quer comprometer a qualquer preço.
Ribatejano de nascença, escolheu continuar a viver em Alverca, a cidade da sua infância, por amor à terra. Um dos momentos mais simbólicos da sua carreira foi, de resto, quando foi o músico escolhido para actuar na cerimónia do Dia da Cidade de Alverca, onde foram entregues os galardões de mérito da cidade, em 2023. “Foi um dia muito simbólico, actuar em frente da minha gente, foi muito bonito, muito emocional”, recorda. Já tem dois discos lançados e vários singles.
Rogério Godinho começou o seu percurso musical aos 8 anos, numa escola de música em Alverca, influenciado pela irmã que já lá andava. “Comecei a aprender órgão. Depois tive na escola de música até aos 16 anos e decidi sair para continuar por mim. Não estava a aprender muito mais”, conta.
Desde cedo, Rogério Godinho revelou um ouvido apurado para os acordes do piano. Apesar desta ligação à música desde cedo, viver da arte não era a sua intenção quando era estudante. “Na juventude nunca tive a ideia de ser músico profissional, porque era bom aluno e queria uma profissão segura”, conta. Licenciou-se em Engenharia do Ambiente mas a música viria a chamar mais alto, quando um dia, num baptizado, viu um músico ao piano a tocar jazz e decidiu que era aquilo que queria continuar a fazer.
O eco dos acordes desse dia foi decisivo. Rogério Godinho começou a ter aulas de piano, depois de canto, ingressou no Hot Clube de Portugal e sentiu que estava na hora de mudar de vida. “Senti que estava a perder tempo na engenharia, queria estar a estudar e a evoluir na música”, confessa a O MIRANTE. “Aos 13 ou 14 anos já estava a fazer as minhas próprias músicas e essa é a parte que mais me fascina. Gosto de ser um autor, de criar, de passar uma mensagem, e não de copiar a música dos outros ou tocar covers”, confessa.
Em 2009 deixou definitivamente a engenharia para se dedicar inteiramente à música. Ingressou na Universidade de Évora, no curso de piano e jazz e realizou um programa Erasmus na Bélgica (Lemmensinstituut), experiências que reforçaram a sua base técnica e criativa.

Faz-nos falta mais silêncio
A sua voz própria ficou registada no primeiro disco, “Eterno Regresso” (2015), lançado no Sardoal, um trabalho intimista onde se cruzam som, palavra e imagem. “Quando há um foco forte na vida levamos tudo à frente. Aprendi imenso com a experiência de lançar o primeiro disco”, partilha.
As suas composições nascem muitas vezes à noite, ao piano, graças ao silêncio. “A inspiração flui melhor à noite porque tens o silêncio. O silêncio é uma das maiores dádivas que temos e é no silêncio que conseguimos pensar devidamente e ter ideias, conseguimos ser introspectivos”, considera.
Para Rogério Godinho, primeiro nasce a letra, depois a melodia. O seu segundo trabalho discográfico, “We Change” (2022-23), é o seu primeiro disco inteiramente em inglês. “Mesmo com tudo traduzido no livro do disco ou a pessoa é fluente na língua portuguesa ou a mensagem não vai passar. E eu queria que a minha mensagem passasse e fosse entendida noutras línguas. Podes ter uma grande canção turca mas se não souberes a letra do que adianta?”, questiona.
O disco aborda o tema da mudança, tanto interior como social e ambiental. “Um dos temas é o “SOS Planet”, porque estamos numa fase terrível do mundo, com o desrespeito total pelo meio ambiente e pela nossa casa, que é a terra. A capa do disco é uma ilha de gelo isolada, uma imagem simbólica do que poderá ser um futuro próximo e a urgência ecológica. É uma mensagem para salvarmos o planeta enquanto pudermos, se ainda formos a tempo”, teme.
Além dos discos, Rogério Godinho também lançou temas como “Para Sassetti”, em homenagem ao pianista Bernardo Sassetti, ou “Évora, Cidade do Mundo”, composto para um documentário sobre Évora.

O imediatismo é inimigo da qualidade
A sua abordagem à música implica tempo para ouvir e reflectir e critica a vida acelerada dos tempos actuais. “As pessoas hoje não têm paciência seja para o que for. Quando abres o Instagram e tens um limite de 15 segundos para uma história isso é algo que me aflige. Para mim, uma imagem ou uma música, pode ser poesia. E a poesia não se consegue em 15 segundos, lamento”, critica.
Para ele, ser autor é ter algo a dizer. “É ter um impulso para passar uma mensagem e querer fazer ouvir a sua voz. É preciso ter alguma coisa para contar, uma mensagem a transmitir. Não lanço um disco de 3 em 3 meses. Não sinto a pressão comercial. É preciso ter coisas novas a contar. Se for para contar o mesmo já lá está o disco anterior”, nota.
Outro momento recente da sua carreira foi a colaboração com o músico brasileiro Rodrigo Campos na música “Virou Silêncio”, cujo videoclipe, em linguagem gestual, foi gravado também na SFRA de Alverca. Actualmente está a preparar o terceiro disco e sobre os formatos diz que tanto é bom o analógico como o digital, embora este último seja mais importante para os autores do que para os ouvintes. “Cada vez é mais fácil para as pessoas ir ao streaming e colocar a música que querem. O grande problema é que os músicos não são minimamente recompensados pelo Spotify ou outras plataformas deste género, que usam os artistas para terem lucros astronómicos não recompensando os músicos”, critica. Os únicos que ainda vão sendo recompensados são os músicos que já ganham milhões, reforça.

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