Alargamento da ferrovia vai desgraçar a qualidade de vida das populações de Alhandra e VFX

O MIRANTE começou a ouvir nesta edição figuras do concelho de Vila Franca de Xira sobre o projecto de alargamento da Linha do Norte entre Alhandra e Vila Franca de Xira. A empresa pública Infraestruturas de Portugal (IP) introduziu melhorias ao projecto, mas não são suficientes para convencer Alves Machado, Fernando Neves Carvalho, Manuela Peleteiro e Mário Correia, que consideram ser um atentado à identidade local e à qualidade de vida das populações.
A empresa pública Infraestruturas de Portugal (IP) introduziu melhorias ao projecto de duplicação da Linha do Norte entre Alhandra e Vila Franca de Xira, que prevê o alargamento de duas para quatro linhas para permitir a circulação de comboios de alta velocidade, mas o projecto continua a prever impactos significativos na estrutura urbana das duas localidades. E isso, para vários moradores, não é aceitável. A O MIRANTE, personalidades do concelho acusam a IP de se manter irredutível no projecto, não estudar alternativas convenientemente e não olhar aos impactos que uma obra desta natureza terá na qualidade de vida de milhares de pessoas.
“Quando falamos com a IP é o mesmo que falar para uma parede. Não venham com o argumento do progresso, porque ele não pode ser feito à custa da qualidade de vida das pessoas. O progresso entende-se como a melhoria da qualidade de vida, não o contrário, em nome de um progresso que não as vai servir. Isto vai ser muito mau, só vamos perder, o projecto não traz benefício nenhum aos cidadãos nem nenhuma mais-valia”, considera Mário Correia, morador de Alhandra e porta-voz do movimento Em Defesa de VFX e Alhandra. Para o professor reformado, destruir boa parte de Alhandra para ganhar 20 minutos na ligação Lisboa-Porto não faz sentido. “Vão arrasar com a Avenida Afonso de Albuquerque e quem vive nos rés-do-chão e primeiro andar ficará com taipais em frente às janelas”, avisa.
Mário Correia acusa a IP de fazer chantagem sobre a população, ao dizer que só serão introduzidas melhorias na linha se este projecto avançar e garante que as obras não são inevitáveis, como querem fazer crer. “Se são precisas podem avançar em qualquer altura”, remata. O responsável do movimento lamenta ainda não terem sido estudadas alternativas e condena o silêncio da CP sobre o assunto. “Os nossos políticos estão com medo do que possam dizer por causa das eleições. Encolheram-se. Estão hesitantes. Não se demarcam deste projecto que vai piorar para sempre a qualidade de vida das pessoas”, defende.
Também Alves Machado, ex-presidente da Junta e da Assembleia de Freguesia de Vila Franca de Xira, e ex-vereador, diz a O MIRANTE que o projecto, a avançar, vai “danificar em muito a estrutura urbana” das duas localidades. “Faz-me impressão a forma como a IP apresenta o projecto como inevitável e deixa-me apreensivo ver os autarcas a aceitarem essa inevitabilidade, sem apontarem alternativas. As compensações propostas pela IP para o concelho são pífias e eles deviam lutar por verdadeiras propostas de compensação”, critica.
Alves Machado teme uma destruição sem precedentes no jardim da sua cidade e consequente descaracterização da identidade de VFX. “VFX tem de aproveitar esta oportunidade para fazer um investimento alternativo, prologando a muralha do rio, compensando a largura de dois terços que vai ser retirada ao jardim. A postura dos autarcas fica muito aquém do que seria desejado, quer a procurar alternativas quer a aceitarem aquilo que parece um facto consumado que nos querem impor”, critica. O ex-autarca diz não ter dúvidas que o projecto da IP vai “desgraçar” a cidade e pede que sejam avaliadas alternativas credíveis ao canal actual.
Autarcas têm sido passivos perante as intenções da IP
O Ciradania – Movimento de Cidadãos do município de Vila Franca de Xira foi um dos primeiros a manifestar-se contra as pretensões da IP. Fernando Neves Carvalho recorda que, em 2023, o mestre em Engenharia e Transportes, Carlos Gaivoto, defendeu soluções alternativas mais baratas, como a gestão semafórica da linha de comboio, tal como acontece, por exemplo, na ligação entre Paris e Lyon, em França. Ou seja, é possível, na mesma linha, ter tráfego de naturezas distintas. Além disso, referiu que só faz sentido a alta velocidade em percursos superiores a 500 quilómetros, o que não acontece entre Lisboa e Porto, que perfaz uma distância de cerca de 300 quilómetros e, por isso, o ganho de velocidade não é significativo.
Fernando Neves Carvalho afirma que o Ciradania não aceita a destruição total ou parcial do Jardim Constantino Palha, em VFX, e da Avenida Afonso de Albuquerque, em Alhandra, espaços que fazem parte da memória colectiva da população. E diz que as contrapartidas da IP não passam de “rebuçados”. O jurista acusa ainda a Câmara de Vila Franca de Xira de subserviência. “Se o presidente, em vez do Fernando Paulo, fosse a Maria da Luz Rosinha, será que ela estava sentada à secretária à espera de ver o que o Governo fazia? Quando o Governo quis fazer a incineração na Cimianto, em Alhandra, a autarca trouxe a população para as ruas. Sob o ponto de vista ambiental e técnico, a destruição da Avenida Afonso de Albuquerque e do Jardim Constantino Palha, como os conhecemos hoje, é mais grave do que a co-incineração – e a câmara está a assobiar para o lado”, lamenta.
A residir há meio século em Alhandra e a encabeçar o grupo Árvores de Alhandra, Manuela Peleteiro considera o projecto da IP irreal, imoral, fantasioso e perigoso. Para a cidadã, a alameda de plátanos da Avenida Afonso de Albuquerque é um símbolo da identidade de Alhandra e desempenha um papel essencial na protecção contra a poluição e o ruído. “A última coisa que nos passa pela cabeça é tornar Alhandra e VFX numa pista ferroviária. Não estamos a falar de comboios de brincar e casinhas de bonecas, mas sim de pessoas e tesouros culturais. Se a Avenida Afonso de Albuquerque for entaipada e cortada uma via de trânsito, a circulação vai ser infernal e o aspecto da vila miserável”, considera.
Manuela Peleteiro diz ainda que as contrapartidas apresentadas pela IP como benefícios “não fazem qualquer sentido” e recusa a construção de um túnel como solução viável, porque iria destruir tudo o que se quer preservar. Sublinha, sim, que a solução passa por um novo traçado da alta velocidade fora do eixo da Linha do Norte, por exemplo, o corredor que segue em direcção ao futuro aeroporto.
Lamenta, por fim, a postura do município de Vila Franca de Xira. “A câmara optou por tomar uma posição que nos preocupa, e aquilo que mais nos afligiu na última assembleia municipal foi a passividade e aceitação dos eleitos. É caso para perguntar: foram eleitos por quem?”, questionou.