Hélder Batista pedala vinte dias e angaria 24 mil euros para a associação Acreditar

Funcionário da Câmara de Alenquer, Hélder Batista, de 60 anos, natural da aldeia de Montegil, tem dedicado os últimos anos a percorrer milhares de quilómetros de bicicleta por causas solidárias. Depois de sobreviver a um grave acidente de viação em França, decidiu “pagar uma dívida à vida” com pedaladas que transformam a dor em ajuda. A mais recente aventura levou-o a dar a volta a Portugal em 20 dias, angariando mais de 24 mil euros para a associação Acreditar, que apoia crianças com cancro.
Não se diz religioso, mas carrega consigo uma dívida que está a tentar pagar. Hélder Batista, 60 anos, natural de Montegil, Alenquer, viu a vida virar do avesso aos 28 anos, quando sofreu um grave acidente de viação em França. “Parti tudo dos pés à cabeça”, recorda. O filho, na altura, estava prestes a completar quatro anos. Os médicos não auguravam grande futuro, mas contrariou os prognósticos: voltou a andar, a correr e a pedalar.
Foi quando a esposa estava no bloco operatório para ser operada à coluna que se lembrou de que tinha uma dívida por saldar. “Renasci após o acidente. Festejo o meu aniversário e a minha segunda vida. Tenho de tentar, de alguma forma, justificar porque cá estou ainda, e esta é a forma que escolhi: ajudar os outros”, conta Hélder Batista a O MIRANTE.
Começou por ajudar uma instituição de Alenquer e, por causa da leucemia do filho de um colega de trabalho, passou a apoiar a Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Doentes com Cancro. Depois de pedalar de Portugal até à Rússia, em 2018, percorreu o nosso país durante 20 dias, nos quais fez, com esforço, dois mil quilómetros — uma viagem que terminou a 19 de Junho à porta da sede da Acreditar.
No caminho teve percalços, como pneus furados, falta de câmara de ar e imprevistos com a bicicleta. Desistir nunca foi opção, no entanto chegou a ponderar livrar-se do atrelado, porque nas subidas tornava-se demasiado pesado. Por outro lado, era lá que transportava o saco-cama, o colchão e a tenda. “É mais fácil ir cinco vezes à Rússia do que fazer a volta a Portugal. O nosso relevo não é plano — nem sequer o Alentejo. Foi um horror atravessar as serras algarvias. Correu bem, mas foi muito mais difícil do que estava à espera”, conta.
Lágrimas, sorrisos e abraços ao longo do caminho
Todas as despesas da viagem foram pagas do próprio bolso. Reduziu os custos ao máximo, ficando a dormir em parques de campismo e nos quartéis dos bombeiros. Durante dois dias, precisou de alugar quarto. À saída de Rio de Onor, furou os pneus e ficou a pé perto de uma aldeia chamada Paradinha. Os populares fizeram de tudo até lhe encontrarem uma câmara de ar. Algumas pessoas metiam-se com ele, a perguntar se estava a fazer exercício, mas quando explicava que era para angariar verbas para a Acreditar, mudavam logo de atitude. Numa dessas paragens, conversou com uma senhora cujo filho tivera cancro em criança.
Emocionado, recorda que parou numa taberna pequena, numa aldeia. Ao balcão estava apenas um cliente, que o viu com a bicicleta. Hélder Batista reparou num sino pendurado com a indicação: Se pagares uma rodada, toca o sino. Tocou e pediu uma cerveja para o cliente. “Ele estava triste e eu perguntei o que se passava. Disse-me que tinha perdido o pai há poucos dias e que acabara de ter um acidente com o carro, que tinha ido para a sucata. Respondi que o carro era só um carro, mas que eu também tinha perdido o meu pai. Chorámos os dois, abraçámo-nos, e dei-lhe o meu contacto, caso precisasse de falar”, descreve.
Ao longo dos 20 dias foi surpreendido com a visita de amigos e da família. No entanto, admite que quem desconhece o projecto o considera, à primeira vista, um louco a andar de bicicleta.
Verbas canalizadas para bolsas de estudo de doentes oncológicos
Foram angariados mais de 24 mil euros, entregues directamente à Acreditar pelas empresas que aceitaram patrocinar o projecto Pedalar pela Acreditar. Os donativos particulares foram residuais. Ficou acordado com a associação que a verba se destinaria à atribuição de bolsas de estudo para estudantes universitários que têm ou tiveram cancro.
A viagem à Rússia, em 2018, teve mais impacto mediático, mas isso não se traduziu em maiores donativos. Na altura, pedalou durante 45 dias e passou, entre outros países, pela Alemanha, onde, sempre que parava nos cruzamentos, alguém lhe oferecia ajuda; e pela antiga Alemanha de Leste, onde uma senhora, não sabendo falar inglês, foi a casa buscar papel e lápis para lhe desenhar o caminho certo. “O maior medo nessa viagem era o ‘papão do Leste’, o que ia encontrar depois da Alemanha. Mas posso dizer que na Rússia senti-me em casa. Cada vez que parava ofereciam-me comida e bebida. Recordo-me de uma senhora que me deu um chá e uns bolos tradicionais porque disse que eu estava com cara de sofrimento — e por isso, só posso dizer bem das pessoas”, relembra.