Aluimento de terras em Alenquer põe em risco casa de munícipe

Carlos Santos vive com receio de ver a sua casa desabar no Lagar das Machedes, em Abrigada. Há ano e meio que pede uma solução à Câmara de Alenquer, mas a autarquia diz aguardar um relatório técnico do LNEC para poder intervir numa faixa de terreno junto a linha de água. Oposição fala em “novela mexicana”.
Há ano e meio que Carlos Santos, proprietário de uma moradia no Lagar das Machedes, em Abrigada, pede, nas reuniões públicas do executivo da Câmara de Alenquer que seja resolvido o aluimento de terras na zona onde construiu casa. Na última reunião, o morador exaltou-se e acusou o município de não fazer nada e de dar “respostas redondas”, sendo que as terras continuam a deslizar.
Recorde-se que, em Junho, tal como O MIRANTE noticiou, o presidente da câmara, Pedro Folgado (PS), disse que os serviços municipais já tinham contactado a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), no sentido de esta entidade indicar a melhor forma de conter as terras, junto à ribeira, enquanto se aguardava o relatório técnico do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Agora, o ex-vice-presidente, Tiago Pedro, diz que a autarquia continua à espera do LNEC. “A faixa não está sob nossa gestão porque não foi feita a recepção definitiva da urbanização. O LNEC foi lá precisamente para emitir um relatório técnico, com carácter de urgência, para que se possa avançar com a conservação da margem. Sem o LNEC, não há forma de fazer as coisas”, afirmou.
Recorde-se que existem várias infraestruturas por fazer e outras por terminar na Urbanização Quinta do Lagar. Tal como noticiámos, o banco Santander comprometeu-se a assumir as obras deixadas por concluir pelo promotor da urbanização, obras essas que estariam prontas a 30 de Setembro próximo — mas Carlos Santos tem dúvidas, uma vez que os trabalhos ainda nem começaram.
Além disso, o proprietário diz que, desde o dia 7 de Fevereiro, não consegue contactar o dono do loteamento, porque os contactos fornecidos pela câmara não funcionam. Segundo o morador, a autarquia reencaminhou um e-mail da Direcção de Desenvolvimento do banco Santander, no qual se refere que tudo o que está mal na urbanização é da responsabilidade da câmara.
Tiago Pedro respondeu que, caso o promotor da urbanização não cumpra com as suas obrigações, a câmara agirá judicialmente e/ou libertará as garantias bancárias. O autarca rejeitou a acusação de que o município não está a fazer nada.
Oposição lamenta “novela” sem resolução prática
O vereador do PSD, Nuno Miguel Henriques, considerou que os eleitos do PS no executivo são todos responsáveis e recordou que chumbaram a proposta de uma auditoria sobre o assunto. Também o eleito da CDU, Ernesto Ferreira, classificou o processo de “novela mexicana” e recordou que foi contra a auditoria por esta demorar muito tempo, confiando no compromisso do PS de resolver o problema de imediato.
«De facto, não se fez a auditoria e não se fez nada. De quem é, afinal, a faixa de terreno entre os lotes e a ribeira? Se não é da câmara, e se não foi entregue ao município, por que razão se devolveram duas vezes as garantias bancárias?”, questionou.
Tiago Pedro voltou a sublinhar que a faixa ficará sob gestão da câmara para ser transformada num espaço verde, mas apenas após a emissão do relatório do LNEC, para que a autarquia possa então actuar «ao abrigo da protecção civil», afiançou.
À margem
A batata quente que ninguém quer segurar
O caso do aluimento de terras no Lagar das Machedes, em Abrigada, mostra, de forma nua e crua, como funciona (ou melhor, como não funciona) a engrenagem entre entidades públicas, promotores privados e instituições bancárias. Carlos Santos comprou um terreno, construiu a sua casa, paga os seus impostos, participa nas reuniões públicas e aguarda há ano e meio por uma resposta concreta da Câmara de Alenquer. Em vez disso, tem recebido promessas vagas, explicações técnicas e um desfile de justificações que apenas adiam o inevitável: a responsabilidade de agir.
A faixa de terreno entre a sua moradia e a ribeira não está, segundo a autarquia, sob a sua gestão. A recepção definitiva da urbanização nunca foi feita. Mas, curiosamente, as garantias bancárias do promotor já foram devolvidas. Como é possível que uma urbanização que não foi formalmente recebida tenha merecido a devolução dos instrumentos que servem precisamente para garantir que tudo é feito de acordo com o previsto?
A resposta, infelizmente, é a mesma de sempre: a culpa é do outro. A câmara empurra o problema para o promotor; o promotor já não está acessível; o banco aponta agora responsabilidades à autarquia; a APA está a estudar; o LNEC está a analisar. E o morador continua à espera que alguém, finalmente, tome a decisão de fazer alguma coisa.
Quando não há coragem política, quando os mecanismos legais são usados para justificar a inacção em vez de servir o cidadão, o resultado é sempre o mesmo: ninguém responde, mas todos contribuem para o falhanço colectivo. É tempo de alguém segurar a batata, mesmo que queime.