Vila Franca de Xira precisa de mais indústria e menos logística

Luís Ferreira Lopes fez carreira como jornalista especializado em economia. Começou em Alverca do Ribatejo, terra natal e onde ainda vive, a vender nas ruas o extinto Notícias de Alverca. Depois passou pela RTP e SIC e foi professor universitário. Foi ainda assessor de Marcelo Rebelo de Sousa mas saiu no final do primeiro mandato.
Luís Ferreira Lopes foi desafiado pelo presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, para criar e desenvolver o Conselho para o Desenvolvimento Económico do concelho, um órgão consultivo que liderou entre 2022 e 2024. Foram identificados vários desafios e potencialidades, sendo a elevada burocracia da máquina autárquica um dos problemas que mais queixas gerou entre os empresários. Outro problema é o da mobilidade e acessibilidades, com o jornalista a defender que quem ficar à frente da câmara deve dar um novo impulso para resolver problemas crónicos com décadas, como o das infraestruturas rodoviárias.
“Somos um concelho muito espartilhado, nomeadamente em Alverca. Entrar e sair da cidade é sempre complicado. Por isso, o grande desafio é saber como conseguimos atrair mais investidores para terem aqui as suas empresas. É preciso haver uma revisão do PDM para podermos olhar com outros olhos para áreas que já não têm uso agrícola mas poderão ter uso industrial”, defende Luís Ferreira Lopes. Para o jornalista, o concelho não deve voltar a cair no excesso de implantação de áreas logísticas e de distribuição alimentar mas sim atrair empresas com valor, nomeadamente indústria.
“VFX tem sabido atrair vários negócios e empresas, mas a nossa força é ao mesmo tempo a nossa fraqueza. Devemos posicionar-nos como a entrada norte de Lisboa a nível nacional. Podemos continuar a ter a plataforma logística mas precisamos de mais indústria, essa é que gera emprego e riqueza. Ou uma agricultura mais moderna. Metade do nosso território é lezíria com um potencial enorme. Sem prejuízo de considerar muito importante o cavalo e o toiro, temos outras potencialidades. Só temos de adoptar um caminho de sustentabilidade. Há uma altura em que os responsáveis políticos devem dizer basta ao sector da logística”, defende.
Para Luís Ferreira Lopes, VFX não pode pensar em fazer concorrência directa a Oeiras ou Cascais mas sim apostar na diferenciação. “Temos de ver o que são as boas práticas, o que podemos fazer aqui, mas sobretudo como é que retemos talento e como o atraímos. Temos de ter uma dinâmica económica, e com ela dinâmica social, mas primeiro é preciso atrair pessoas para viverem cá. Se não podemos libertar espaços para construção de habitação de qualidade, como é que o vamos fazer?”, defende.
Foi no extinto Notícias de Alverca que começou a fazer-se jornalista. Tem saudades do jornalismo regional? Muita gente começou nos órgãos de comunicação social local. Aos 16 anos vendia o jornal nas ruas, ao sábado, incluindo no mercado. Foi engraçado. Quando o jornal entrou em dificuldades, eu e o meu pai ficámos com ele, na década de 2000, mas já era muito complicado manter o título. Depois entregámos ao antigo Vida Ribatejana que, na altura, era propriedade da Fundação CEBI.
Foi um sinal das dificuldades que estavam a chegar... A culpa da situação actual não é apenas do digital e das redes sociais. São questões antigas de mercado em que a maioria das empresas de comunicação não se souberam adaptar. Muita gente associa a crise na imprensa a uma quebra dos apoios do Estado mas não concordo. No final dos anos 90 houve uma imensa desregulação relativamente à implantação de grandes superfícies que mataram o comércio tradicional. Foi um crime. Com menos comércio local há menos anunciantes e acabamos por ter a tempestade perfeita.
Um bom jornal começa com um bom sector comercial? Sem dúvida. Nos jornais nacionais a publicidade em papel é hoje praticamente irrelevante e o digital representa uma fatia baixa das receitas. Tudo o que é feito hoje é nos limites dos limites. Na maior parte das empresas não há uma estratégia clara e sustentável. As comunidades locais e regionais, se ainda têm alguma força, incluindo o movimento associativo, têm de perceber que devem apoiar a imprensa regional. Esse é o caminho.
O serviço público não deve ser à borla. Seja a nível nacional ou regional esse serviço depende do princípio do utilizador-pagador. A oferta em papel é cada vez mais um luxo, pelo que é normal que haja pagamento. A imprensa regional continua a ter um papel muito importante mas nos últimos anos vai-se assistindo a fenómenos curiosos, incluindo o surgimento de algumas televisões regionais. Uma forma de combater a crise na imprensa é também ganhar escala e nisso O MIRANTE é um bom exemplo. A partir do momento em que ganhou escala no Ribatejo e na Área Metropolitana de Lisboa conseguiu ter maior resiliência e ser relevante do ponto de vista noticioso.
Como vê o futuro da profissão numa altura em que alguns jornais têm tiragens baixíssimas? Adoro o jornalismo mas estou preocupado. Tem de haver uma grande dose de loucura para se ser jornalista em Portugal e não é só de agora. Há uma degradação da profissão. Mas as pessoas vão sempre precisar do jornalismo, um jornalismo que faça a mediação entre o leitor e as fontes, tem é de ser um jornalismo adaptado a uma lógica de multiplataforma. Se não apostar na qualidade as pessoas não vão precisar de um jornalista. O desafio é saber como se atrai os jovens que estão a deixar de ver notícias
Foi assessor económico de Marcelo Rebelo de Sousa mas saiu no final do primeiro mandato. Chateou-se com o Presidente? Não. O Presidente da República convidou-me para desempenhar funções durante um mandato. Acompanhei todos os sectores da economia e empresas de todas as dimensões e confederações patronais. Preparei os fóruns empresariais e foi um desafio muito estimulante mas também muito duro e exigente.
Não ficou desiludido com o seu pai por ter doado a casa para ser o actual edifício da junta de freguesia? Não. Eu tinha 14 anos e acompanhei essa decisão. O meu pai, enquanto vereador, sugeriu que assim fosse, porque as instalações da junta na altura, junto ao pelourinho, eram muito pequenas e Alverca começava a crescer e a expandir-se. A família entendeu dar a casa. Chegou a haver uma proposta de um construtor, na altura em expansão, que a queria destruir e fazer prédios naquela zona. Dissemos-lhe que nem pensar. Por isso decidiu-se que ficaria património municipal. O gabinete do presidente é hoje onde era o meu quarto (risos).
Foi uma surpresa ser distinguido como cidadão de mérito da cidade? Completamente. Imagino que terão tido em conta o percurso profissional que fui tendo ao longo dos anos e a ligação que tenho ao concelho, incluindo pelo lado associativo, desde miúdo. Ajudei a criar nos anos 80 a Associação de Defesa do Ambiente e do Património do concelho de VFX. Fizemos muitos debates, muitas acções, agitámos a comunidade com vários temas. Alverca e o concelho tinham na altura, como hoje, uma força notável de associativismo.
E agora foi convidado para integrar a direcção da Fundação CEBI. Está disponível para ser o próximo presidente? Não estou a pensar nisso, estou a entrar na direcção, um órgão não remunerado, e a tentar acompanhar e ajudar como puder. Uma coisa é estar no conselho de curadores, acompanhar a estratégia e dar sugestões, outra coisa é estar num cargo executivo a resolver problemas.
Um apaixonado por história que não esquece as raízes
Luís Ferreira Lopes é jornalista especializado em economia com uma carreira de três décadas. Natural de Alverca, é licenciado em Comunicação Social, mestre em Relações Internacionais e tem um curso de alta direcção de empresas. Passou pelo jornalismo regional e depois nacional, na Renascença, RTP, SIC e esteve envolvido na criação da SIC Notícias. Actualmente está a desenvolver projectos para a Euronews e o SOL. Foi comentador de economia, autor de vários livros sobre economia e geopolítica e assessor económico do Presidente da República para as empresas e inovação entre 2016 e 2022. A União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho, nas celebrações do Dia da Cidade deste ano, atribuiu-lhe o galardão de mérito da cidade.
Fez-se homem na quinta dos pais, onde existiam muitos animais, pomares e vinhas. “Acartei muitos fardos de palha e fiz muita vindima na minha juventude. Foi uma altura fantástica”, recorda a O MIRANTE. A paixão pelo jornalismo chegou aos 14 anos, embora quando era pequeno sonhasse ser diplomata para poder conhecer o mundo. Com 12 anos, por influência do pai, já lia os editoriais do Diário Popular, da Capital e do DN. Sempre gostou de história e a primeira peça que escreveu foi sobre a batalha da Alfarrobeira em Alverca e a figura marcante do infante D. Pedro.
Gosta de ler sobre matérias relacionadas com história e política internacional. Um dos seus livros favoritos é “O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial” de Samuel Huntington. Ouve música rock mas quando vai de carro sozinho gosta de ouvir ópera. É casado e tem dois filhos, de 20 e 23 anos, um a estudar Gestão e outro Direito. “Nenhum deles com tendência para o jornalismo”, nota. Costuma ir às compras ao centro da cidade e gosta de futebol, ténis e de natação. Chegou a ser praticante de canoagem no Alhandra Sporting Club. “Em Alverca nunca tivemos uma grande ligação ao Tejo mas o novo passadiço que estão a construir é uma enorme conquista, poderem concluir a ligação entre VFX e Lisboa será fantástico”, defende.