Sociedade | 28-07-2025 18:00

Roubo de obras de arte da Câmara de Santarém: um crime sem castigo

Roubo de obras de arte da Câmara de Santarém: um crime sem castigo
O vereador Nuno Domingos recebeu o quadro recuperado pela Polícia Judiciária - foto DR

Há 47 anos, os paços do concelho de Santarém foram assaltados de madrugada e os larápios levaram uma dezena de obras de arte, avaliadas em 7 milhões de escudos, uma pequena fortuna à época. Foi a partir daí que o edifício passou a ter sistema de alarme. Metade das obras continua por recuperar.

Na noite de 28 para 29 de Agosto de 1978, desapareceram dos paços do concelho de Santarém dez valiosos quadros pertencentes ao legado de Anselmo Braamcamp Freire que se encontravam provisoriamente depositados no edifício sede do município, já que a biblioteca municipal, onde habitualmente estavam expostos, encontrava-se em obras. Desse lote foram recuperadas pelas autoridades seis peças, a última recentemente, mas o autor ou autores do furto nunca foram identificados e o crime continua sem castigo. Na altura, segundo relatava o Correio do Ribatejo na edição de 7 de Setembro de 1979, as obras roubadas estavam avaliadas em cerca de 7 mil contos, uma pequena fortuna à época.
O actual vereador com o pelouro da Cultura, Nuno Domingos (PS), era na altura um jovem a acabar o curso universitário e recorda-se do falatório que o caso deu na cidade. Lembra-se de Alfredo Pinheiro, uma figura grada da cidade ligada à cultura e ao turismo, já falecida, brincar com a situação, dizendo que foi preciso a câmara ser assaltada para colocarem um alarme no edifício e vigilância exterior. Desde aí, não se repetiu a façanha por parte dos amigos do alheio.
E foi com satisfação que a autarquia viu regressar no mês passado à sua posse o quadro “O Bibliófilo”, de Manuel Maria Bordalo Pinheiro, artista que fez carreira no século XIX e pai dos também renomados artistas Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro. A obra, datada de 1870, juntou-se às outras obras de arte recuperadas pela Interpol em meados da década de 80, na fronteira entre a Áustria e a Hungria, nomeadamente: “Paisagem com Rochedos”, de Vallin - óleo sobre tela, datado de 1793; “S. Pedro Mártir”- óleo sobre madeira do século XVI, de autor desconhecido; “Fuga de Nossa Senhora para o Egipto”, de Brueghel - óleo sobre tela; “Paisagem Holandesa”, de Drovgtroot - óleo sobre madeira, com figuras e ainda “Figuras com Paisagens, com Lago”, também de Vallin, datado de 1793 - óleo sobre tela.
Segundo informação partilhada por Nuno Domingos, em Janeiro deste ano, a Polícia Judiciária (PJ) contactou o município a informar que o quadro de Manuel Maria Bordalo Pinheiro tinha sido localizado num leilão. Segundo as autoridades, a pintura a óleo esteve na posse de um coleccionador da zona norte do país, entretanto falecido, tendo a sua herdeira colocado a obra de arte para venda em leilão. Foi nesse contexto que a PJ identificou a peça furtada em 1978. O autarca diz desconhecer onde esteve o quadro estes anos todos, onde foi recuperado e por que valor estava a ser leiloado. O MIRANTE tentou também obter esclarecimentos junto da PJ, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
Concluído o processo pelo Ministério Público, no dia 25 de Junho o quadro foi devolvido à Câmara Municipal de Santarém por inspectoras da Polícia Judiciária. A cerimónia de devolução da obra de arte foi revestida de alguma solenidade, contando com a presença das inspectoras Teresa Esteves e Paula Videira, do vereador Nuno Domingos, do chefe da Divisão da Cultura, Marco Loja, e da directora da Biblioteca Municipal, Luísa Cotrim.

O valioso legado de Anselmo Braamcamp Freire

A Biblioteca Municipal Braamcamp Freire contém um importante legado de peças de arte de autores conceituados deixado ao município e habitualmente visitável. Actualmente, o espaço onde estão em exposição as obras de arte não está aberto ao público devido às obras que decorrem no imóvel, destinadas, entre outros trabalhos, à substituição de caixilharias de portas e janelas.
Escritor, historiador, arqueólogo e genealogista, e um dos fundadores do Arquivo Histórico Português, Anselmo Braamcamp Freire (1849-1921) pertencia a uma família aristocrática. Foi um grande coleccionador de arte, tendo constituído uma notável pinacoteca, que legou à cidade de Santarém, assim como a sua biblioteca, com cerca de 10.000 volumes. A sua casa é actualmente a Biblioteca Municipal de Santarém. Na actividade política, Anselmo Braamcamp Freire foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Loures (pelo Partido Progressista (Portugal)), de 1887 a 1889, e de novo entre 1893 e 1895, vereador (pelo Partido Republicano) da Câmara de Lisboa e presidente da Câmara de Lisboa de 1908 a 1913. Após a implantação da República, foi deputado às Câmaras Constituintes de 1911 e o primeiro presidente do Senado da República.

Quatro quadros e um relógio por recuperar

O quadro O Bibliófilo, com dimensões de 23x29 cm, pertenceu ao espólio doado à cidade por Anselmo Braamcamp Freire, em cumprimento do seu testamento datado de Agosto de 1921. Estão ainda por encontrar as seguintes obras: Paisagem com animais - quadro a óleo, de Conoy; O Caçador - quadro a óleo, de Manuel Maria Bordalo Pinheiro; Alexandre Herculano - caricatura em aguarela, de Emílio Pimentel; Anselmo José Braamcamp – caricatura em aguarela, de Emílio Pimentel; e um relógio em mármore.

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