Empresa de família de Carreiro da Areia investigada por alegadas descargas poluentes em Setúbal

Empresa gerida por membro da família Gameiro da Silva está a ser investigada por alegadas descargas poluentes em Poçoilos. O cheiro descrito por essa população soa a familiar em Carreiro da Areira, aldeia de Torres Novas onde a desactivada Fabrióleo ainda é motivo de preocupação. Lagoas da antiga unidade industrial continuam cheias e a transbordar para a ribeira e terrenos contíguos.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) revelou que está a decorrer “um processo de investigação” a alegadas descargas poluentes da empresa Composet, Compostagem e Gestão de Resíduos, em Poçoilos, no concelho de Setúbal, anunciou a associação Zero. As descargas são, supostamente, de águas residuais produzidas na empresa Mipeoils, antiga Extraoils 4 The Future, Lda, sediada em Vendas Novas, encaminhadas em camiões-cisterna pela Composet para a zona de Poçoilos, em Setúbal.
Pedro Gameiro da Silva, filho dos antigos donos da Fabrióleo, empresa situada em Carreiro da Areia, concelho de Torres Novas, encerrada pelo Estado em 2018 após várias irregularidades ambientais, é um dos gerentes da Composet e dono da Mipeoils, antiga Extraoils. Uma empresa aberta em 2019 que usa óleos alimentares e vegetais para produzir biodiesel e alvo de uma investigação da GNR. A Câmara de Vendas Novas já lhe tinha vedado o acesso ao colector de esgoto depois de se ter verificado que, divulgou em 2020 o município, “estava na origem das descargas poluentes que contaminaram a ETAR da cidade”.
Em Poçoilos, a luta da população e do município de Setúbal, por causa da continuidade das alegadas descargas poluentes, levou também a uma queixa conjunta apresentada pela autarquia, pela Comissão da Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo e pela APA, esperando-se agora que o Ministério Público avance com medidas. O caso ganhou força após uma reportagem de investigação da Repórter Sábado, transmitida no canal Now, que deu conta das queixas dos moradores que vivem junto ao terreno onde camiões-cisterna foram filmados a descarregar para uma lagoa onde, em volta, a vegetação está morta. Um cenário que, acompanhado dos cheiros nauseabundos descritos pelos moradores, traz más memórias à população de Carreiro da Areia, aldeia de onde a família Gameiro da Silva é natural e na qual começou a actividade numa casa particular a “derreter sebo numa fogueira”.
Más memórias perduram em Carreiro da Areia
O crescimento da actividade foi lento até a família comprar o terreno na rua Pinhal Conde, onde laborou a Fabrióleo. A partir daí começaram os “cheiros horríveis, corrosivos” que atormentaram, durante anos, os que viviam mais próximos da fábrica. O que se vê agora em Poçoilos “pelo menos pela imagem, era o que acontecia aqui; aquilo de que as pessoas se queixam era do que nós nos queixávamos”, diz uma moradora à reportagem de O MIRANTE que voltou a Carreiro da Areia, onde a preocupação com o passivo ambiental deixado pela família Gameiro da Silva continua a ser motivo de preocupação.
Caminhamos por terrenos acompanhados por uma moradora que os sabe de cor, até encontrarmos as lagoas da ex-Fabrióleo, cheias de águas de cor acinzentada e pastosa. A moradora atira um pedaço de telha que, durante alguns segundos, fica à tona. “Imagine-se o que aqui está. Há dias atirei uma pedra e ficou ainda mais tempo em cima da água”, conta, acrescentando que quando chove com mais intensidade as lagoas transbordam para os terrenos contíguos. Num deles é visível uma pequena horta cultivada, algo raro naquelas propriedades onde, durante o tempo em que a Fabióleo laborava, poços foram fechados e árvores de fruto secaram, conta a moradora que nunca mais plantou nada no seu terreno. “As descargas que faziam empestavam tudo. Até uma manilha que tinha lá está toda corroída pela acção dos ácidos”, relata ao nosso jornal um antigo residente de Carreiro da Areia com propriedade a jusante da ex-Fabrióleo.
Intimidações e casos de cancro associados à poluição da fábrica
Na reportagem transmitida no Now, os moradores falam num cheiro a podre, ácido, nauseabundo que chega a causar irritação nas vias respiratórias e infiltra-se nas casas tornando o ar “irrespirável”. Em Carreiro da Areia foi assim durante anos, com os residentes mais próximos da fábrica a ter de vedar entradas de ar nas casas por causa do cheiro que até fazia sangrar o nariz, relata um morador que, tal como os restantes que falam a O MIRANTE, pede o anonimato por receio de represálias.
Falar do passado não só traz más memórias como o medo de novas intimidações por parte da família Gameiro da Silva. Aconteceu, conta, muitos serem ameaçados, inclusive através de chamadas anónimas, depois de as suas declarações aparecerem na imprensa. A reportagem televisiva, emitida em Junho último, também dá conta de um clima de intimidações, inclusive a um membro da equipa. Confrontado pela jornalista, Pedro Gameiro da Silva rejeita tê-lo feito, assim como nega que o que os camiões-cisterna estavam a descarregar para a lagoa “impermeabilizada” fosse poluente. O MIRANTE ligou para o número disponível na Internet associado à Mipeoils. Quem atendeu foi Pedro Gameiro da Silva, filho dos antigos donos da Fabrióleo, que desligou a chamada assim que a jornalista identificou o órgão de comunicação social e disse que tinha questões para colocar sobre a antiga Fabrióleo.
Em Poçoilos há quem tenha deixado de beber água da rede pública e tema consequências para a saúde por causa das descargas que aparentam tratar-se de um crime ambiental. Em Carreiro da Areia, as consequências temidas foram uma trágica realidade para os que crêem que os efluentes descarregados e que tantas vezes poluíram a ribeira da Boa Água, terrenos contíguos e outras linhas de água, foram responsáveis por doenças oncológicas. “Porta sim, porta sim. Quase em todas as casas nesta frente houve pessoas que faleceram de cancro e outras que estão com problemas”, relata a moradora que nos levou até próximo das lagoas.
“Infelizmente nunca houve preocupação das entidades oficiais em explorar este assunto. Chegou a haver um alerta de um médico que passou pelo Centro de Saúde de Torres Novas que começou a aperceber-se que qualquer coisa se passava aqui, porque não era normal tanta gente desta população aparecer com problemas oncológicos”, conta outro morador.
Águas contaminadas continuam a preocupar
Mas, até hoje, não há provas ou qualquer investigação que demonstre que os cancros e outras infecções respiratórias em moradores de Carreiro da Areia, a maioria já falecidos, foram provocados por contaminação indirecta da Fabrióleo. Embora as perdas de familiares os lembrem todos os dias do que passaram com a laboração da fábrica, gozam agora de um ambiente livre de maus odores. No entanto, o problema ainda não está resolvido e continua a ser uma preocupação. “Aquilo que ali está são águas contaminadas não só na ETAR como nas lagoas que estão cheias e quando chove deitam fora”. Em Janeiro último, o movimento Basta, denunciava através de imagens vídeo novos sinais de escorrências das águas e lamas das lagoas para o leito da ribeira.
Questionado a propósito desta reportagem, o vereador com o pelouro do Ambiente, João Trindade, refere ao nosso jornal que a autarquia tem mantido reuniões com as entidades competentes e que continua a trabalhar no processo no sentido de se dar seguimento aos trabalhos de remoção do passivo que carecem de financiamento. Uma solução que para quem ali vive tarda em chegar.
Removidas toneladas de resíduos perigosos da antiga Fabrióleo
A Câmara de Torres Novas concluiu em Novembro de 2024 a remoção de mais de três mil toneladas de resíduos perigosos da ex-Fabrióleo, equivalentes a 4.200 metros cúbicos, provenientes dos tanques e da Estação de Tratamento de Águas Residuais Industriais. Ficou assim concluído o protocolo estabelecido com a APA, assinado em Março de 2023, que previa um financiamento até 745 mil euros, através do Fundo Ambiental, para cobrir os trabalhos de remoção, transporte e tratamento dos resíduos perigosos.