Soraia Moreira e bebé Serena: a história de um parto numa rua do Carregado que expõe as fragilidades do SNS

Soraia Moreira deu à luz a bebé Serena numa rua do Carregado, num parto acompanhado pelos avós e populares. Apesar do episódio e das falhas na Linha SNS 24, mãe e filha estão bem de saúde. O caso gerou críticas e pedidos de esclarecimento das autoridades de saúde.
Soraia Moreira, a grávida que deu à luz a bebé Serena numa rua do Carregado, já está em casa depois de ter tido alta do Hospital Distrital de Santarém. A bebé nasceu com o cordão umbilical à volta do pescoço e foi o avô que fez o parto da neta, na rua. Apesar do episódio, a bebé nasceu às 40 semanas e cinco dias, com 3,460 kg e 48 centímetros, e encontra-se bem de saúde.
Soraia Moreira, 28 anos, residente em Paredes, Alenquer, era considerada grávida de risco, uma vez que lhe foi retirado um rim e já tinha sido operada a hérnias umbilicais. Mãe de duas crianças de 3 e 9 anos, a terceira gravidez chegou a ser acompanhada no Hospital Vila Franca de Xira, mas, segundo a própria, a unidade de saúde alegou falta de médicos para continuar o acompanhamento. Passou a ser vigiada no Centro de Saúde de Alenquer e a médica tentou reencaminhá-la para a Maternidade Alfredo da Costa, mas não foi aceite. Com o avançar da gestação, as preocupações aumentaram, até porque a última ecografia que realizou, já depois das 37 semanas, mostrou que Serena ainda não tinha dado a volta para nascer de parto normal. Soraia não sabia a que hospital se dirigir caso a bebé necessitasse de nascer por cesariana, o que agravou ainda mais as preocupações.
Falha na triagem da Linha SNS 24
No dia 11 de Agosto, Soraia acordou e foi levar o filho ao infantário. Antes de regressar a casa, uma vez que é administrativa comercial e estava em teletrabalho, foi com a filha tomar o pequeno-almoço com os pais a uma pastelaria no Carregado. Começou a sentir muitas dores e percebeu que estava a entrar em trabalho de parto. A família ligou para a Linha Saúde 24, mas foi-lhes dito que se deslocassem de carro ao hospital, apesar de Soraia ser considerada doente de risco. Após essa resposta, a família ligou para o 112 a pedir ajuda; no entanto, a chamada demorou a ser atendida e, quando ocorreu, o operador falava inglês. Já depois do parto, apareceu uma enfermeira e um médico que moravam na zona e ouviram os gritos. De acordo com a avó de Serena, foram esses dois profissionais de saúde que cortaram o cordão umbilical, ajudados por pessoas que levaram toalhas.
Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) admitiram, em comunicado, que existiu um erro humano da Linha SNS 24 neste caso. “De acordo com a averiguação preliminar solicitada pela SPMS ao operador privado da Linha SNS 24, existiu um erro humano na aplicação do algoritmo de triagem e no encaminhamento, levando a que a chamada não tivesse sido transferida para o INEM”, pode ler-se.
Na sequência do mediatismo do caso, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alenquer emitiu uma nota oficial, garantindo que a ocorrência foi devidamente acompanhada pelas equipas competentes, assegurando assistência à gestante e ao recém-nascido durante todo o processo. De acordo com a cronologia divulgada, o alerta foi recebido às 10h28 por um operacional dos bombeiros, sendo a primeira ambulância accionada de imediato. A chegada ao local ocorreu às 10h38, momento em que foi prestada assistência à mãe e ao bebé. Por avaria técnica da viatura, foi necessário solicitar uma segunda ambulância, que procedeu à transferência às 10h55.
Com o serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital de Vila Franca de Xira encerrado, o CODU Lisboa orientou o encaminhamento para o Hospital Distrital de Santarém. A VMER de Torres Vedras chegou às 11h15 e acompanhou o transporte, que teve início às 11h20, chegando mãe e recém-nascido à unidade hospitalar às 12h06.
Linha SNS Grávida condiciona acesso aos cuidados de saúde
A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) pediu ao Governo a “abolição imediata” da Linha SNS Grávida, alegando que tem criado barreiras ao acesso imediato e seguro aos cuidados de saúde materna. A associação apontou o caso de Soraia Moreira como inaceitável e que em pleno século XXI, mulheres estejam a parir nas ruas por falta de resposta do sistema público de saúde.
Aludindo à situação ocorrida no Carregado, a associação afirma que “não é um caso isolado, mas sim uma consequência direta de um sistema que condiciona o acesso aos cuidados obstétricos com filtros telefónicos, desvalorizando os sinais clínicos e o tempo crítico de resposta nas situações de urgência obstétrica”. Também a Ordem dos Médicos pediu esclarecimentos ao Ministério da Saúde, à Direção Executiva do SNS e ao INEM e classificou o caso de “inadmissível”.