Mãe de Samora Correia luta por casa digna para não lhe serem retirados os filhos

Em Samora Correia, uma mãe de 42 anos enfrenta a possibilidade de ver os filhos institucionalizados por falta de uma casa digna. Após cinco anos de espera pela habitação social lançou uma carta aberta nas redes sociais e apela a uma solução urgente.
A história de Ana Sofia Gonçalves Inácio, 42 anos, é um retrato vivo das falhas do sistema de habitação em Portugal. Mãe de três filhos, um deles com diagnóstico de autismo e incapacidade reconhecida em 60%, carrega uma rotina de precariedade, burocracias e promessas incumpridas que se arrastam desde 2020, quando se mudou para Samora Correia.
A mudança não foi uma escolha, mas uma fuga. Depois de denunciar violência doméstica à PSP de São João da Talha, foi aconselhada por técnicas de apoio à vítima a não ir para uma casa de abrigo, devido às necessidades específicas do filho mais velho, hoje com 14 anos. A alternativa foi ocupar uma pequena casa devoluta que pertencera à avó. O espaço, sem água nem luz, exigiu obras de emergência, mas depressa se revelou insustentável: era uma arrecadação minúscula, sem condições mínimas de salubridade ou privacidade.
Na altura, inscreveu-se de imediato no concurso de habitação social da Câmara Municipal de Benavente, certa de que seria apenas uma questão de tempo até ter resposta. A pandemia travou o normal decorrer do processo e o concurso só teve resultados em 2022, dos quais a sua família ficou excluída, apesar de relatórios médicos, estatuto de vítima e outros documentos apresentados.
Entretanto, a casa onde vivia foi vendida em tribunal, em processo de partilhas de heranças, e em Novembro de 2024 chegou a ordem de despejo. Durante alguns meses contou com a compreensão dos novos proprietários, mas em Junho deste ano um juiz decretou a entrega imediata da habitação. Com as férias judiciais pelo meio, o mês de Setembro é o prazo final para a saída.
O impacto nos filhos foi imediato. As escolas deram o alerta: os três começaram a demonstrar sinais de instabilidade emocional e comportamental, em particular o mais velho, que frequenta o ensino adaptado e precisa de terapias regulares. A irmã gémea tem prosseguido os estudos, embora sem acompanhamento especializado, e vive sob o mesmo ambiente de incerteza. A filha mais nova, com oito anos, está identificada com necessidades de apoio no desenvolvimento e continuará a ser seguida por psicóloga.
O caso chegou à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), que se deslocou à habitação em Samora Correia para avaliar as condições. As fotografias tiradas pelas técnicas mostraram paredes degradadas, ausência de saneamento e divisões exíguas. “Saíram de lá brancas”, recorda Ana Sofia. O cenário extremo colocou em cima da mesa a possibilidade de acolhimento das crianças em instituição, uma hipótese que a mãe tenta evitar até às últimas consequências.
Nos últimos meses multiplicaram-se reuniões com a Câmara de Benavente. A única proposta concreta que lhe foi apresentada foi o pagamento da entrada e caução de uma renda até 500 euros. Mas a escassez de casas no concelho e os valores inflacionados do mercado privado tornaram a solução impraticável. Ana Sofia insistiu no enquadramento no programa Porta de Entrada, que prevê alojamento urgente para famílias em risco, mas a autarquia considera que não cumpre os requisitos por ter tido conhecimento prévio da venda judicial.
Inconformada, a mãe recorreu ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que confirmou, por escrito, que a família reúne os requisitos necessários para apoio. No entanto, esclareceu que o processo apenas pode ser formalmente encaminhado se for desencadeado pela autarquia. É nesse bloqueio que a vida da família continua suspensa.
As incapacidades do sistema
Mais do que uma história individual, o caso de Ana Sofia expõe as falhas estruturais de um sistema incapaz de responder com agilidade a famílias vulneráveis. A própria mãe não hesita em propor soluções. “Criaria uma autoridade nacional de habitação para coordenar todos os pedidos, centralizar informações num sistema digital transparente e monitorizar o trabalho das autarquias, assegurando que nenhuma família seja excluída injustamente”, diz.
A sobrevivência da família depende de pequenos pontos de equilíbrio. Ana Sofia Inácio faz trabalhos pontuais de design e marketing a partir de casa, conciliando horários com as necessidades escolares e terapêuticas dos filhos. Mas admite que vive no limite. “Se fosse só por mim, montava uma tenda. Mas os meus filhos têm direito a crescer com dignidade”, salienta.
Sem solução imediata e com Setembro ao virar da esquina, resta-lhe, se não conseguir alternativas, pedir ajuda a um advogado para apelar ao Provedor de Justiça ou recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, porque, como afirma, não está a pedir um favor, mas a exigir um direito consagrado na Constituição: o de oferecer aos filhos uma casa digna, segura e adequada.