As Batucadeiras de Vialonga levam a música de Cabo Verde pelo mundo fora

As Batucadeiras de Vialonga tocaram com Madonna, mas continuam a ensaiar todos os domingos na sede da Associação dos Africanos do Concelho de Vila Franca de Xira. O grupo, formado apenas por mulheres, tornou-se símbolo da colectividade e da tradição cabo-verdiana. O maior desafio é transmitir a tradição às gerações vindouras.
As Batucadeiras de Vialonga já marcaram presença num dos videoclipes mais mediáticos da cantora Madonna, mas a essência do grupo continua a ser a mesma: preservar uma tradição ancestral cabo-verdiana que atravessou séculos e oceanos. O grupo foi criado no ano 2000 e integrou a Associação dos Africanos do Concelho de Vila Franca de Xira (AACVFX). O grupo tornou-se símbolo da associação e presença obrigatória em actividades culturais promovidas pela Câmara de Vila Franca de Xira, juntas de freguesia e outras entidades.
Dulcineia Semedo, dirigente da AACVFX e responsável pelo apoio às Batucadeiras, explica que o batuque nasceu em Cabo Verde, nos tempos da escravatura, quando as mulheres se reuniam durante as pausas do trabalho agrícola para cantar as suas dores e partilhar experiências. O instrumento utilizado, a “Tchabeta”, é feito de napa cosida e recheado com diferentes materiais até se obter o som desejado. Mais do que música, o batuque sempre foi catarse, resistência e afirmação cultural. “Em Cabo Verde a tradição mantém-se e até ganhou nova vida. O batuque equivale, em certa medida, ao rancho folclórico português. Mesmo a nível internacional, foi sendo valorizado pelas comunidades cabo-verdianas emigradas e transmitido aos descendentes”, conta a O MIRANTE.
Em Portugal a tradição continua, ainda que com dificuldades em atrair os mais jovens, cada vez mais expostos a outras referências culturais e linguísticas, outros estilos musicais e sobretudo à Internet. O batuque é redescoberto através das mães e avós e mediante transmissão de conhecimento e história.
Batucar a saudade, amizade e também a tristeza
As Batucadeiras de Vialonga contam com 15 mulheres, entre os 35 e os 80 anos, que ensaiam aos domingos na sede da associação dos africanos. A indumentária é obrigatoriamente composta por saia, símbolo de feminilidade, blusa, e muitas vezes lenços que remetem para as cores da bandeira cabo-verdiana. A música faz-se apenas com a “Tchabeta” e com as vozes, num crescendo que acompanha o canto e a dança. Apesar de já existirem formações mistas, este mantém-se exclusivamente feminino.
Entre as batucadeiras mais antigas estão Etelvina Dias Tavares, de 73 anos, e Maria Semedo, de 69. Ambas aprenderam a batucar ainda crianças, seguindo o exemplo das mães. Etelvina compõe novas letras inspiradas pela vida, pela amizade e pelo amor, enquanto Maria recorda a emoção da sua primeira canção, Valoriza a Mãe, criada após a morte da progenitora em Cabo Verde. “Aquelas cantigas que eu cantava antigamente, agora ninguém mais canta. Mas agora faço novas cantigas, as letras, notas e o som dentro da minha cabeça. Depois ensaio com as colegas, pergunto se está bem, e se a resposta for positiva continuamos”, conta Etelvina.
De Vialonga para o Mundo
A notoriedade das Batucadeiras de Vialonga levou-as a experiências inesperadas. Etelvina e Maria chegaram a integrar a banda de Madonna e participaram no videoclipe da artista “Batuka”. Mais recentemente, o grupo colaborou com os Wet Bed Gang. Estas colaborações demonstram que o batuque pode cruzar-se com outros estilos sem perder a autenticidade.
A AACVFX continua bastante activa e é presidida por Luís Fernandes. Tem parcerias com a câmara e junta de freguesia de Vialonga. Além de dinamizar o batuque, apoia cerca de 120 famílias através do Banco Alimentar e presta ajuda em processos de legalização e nacionalidade. Apesar das dificuldades do associativismo, a associação mantém-se viva e com vontade de crescer. A comunidade africana em Vialonga ainda é maioritária, mas as culturas têm vindo a diversificar-se. Chegam novas famílias, outras partem, e a associação procura ser ponto de referência para todos. As Batucadeiras, entretanto, continuam a tocar pela memória, pela identidade e pela certeza de que cada batida ecoa uma história maior do que elas próprias.