As ligações de João Moura a offshores e ao amigo socialista condenado e suspeito em casos de corrupção

O secretário de Estado da Agricultura, político de Ourém, onde também é presidente da assembleia municipal, está a ser investigado pela Judiciária após um negócio milionário na Golegã, em que comprou através das suas empresas uma casa avaliada em dois milhões de euros. Há muito que entre políticos, incluindo do PSD, se falava na possibilidade de um dia o ex-presidente da distrital de Santarém do partido e deputado poder ficar a contas com a justiça, estranhando-se situações que o ligam a paraísos fiscais e a sua amizade com o ex-deputado socialista da mesma terra, envolvido em casos de corrupção, mas não havia indícios fortes.
O secretário de Estado da Agricultura, João Moura, que está a ser investigado por corrupção, depois de O MIRANTE ter noticiado a compra milionária de uma casa na Golegã, em nome de uma empresa de que é sócio com a mulher, tem ligações a casos de paraísos fiscais e é muito próximo do ex-deputado socialista António Gameiro, suspeito em dois casos de corrupção e condenado por se apropriar de dinheiro da venda de um apartamento. O governante, que é também presidente da Assembleia Municipal de Ourém, também tem ligações a João Gama Leão, um dos grandes devedores do Novobanco e com empresas em paraísos fiscais, para o qual João Moura trabalhou. Neste momento a Polícia Judiciária está a passar a pente fino as movimentações de dinheiro e os negócios das empresas do governante.
João Moura, que foi presidente da distrital de Santarém do PSD, e António Gameiro, que dirigiu a distrital do PS e que se escondeu da vida pública, são ambos de Ourém e já passaram férias juntos. A amizade também os juntava a jogar golfe. Em 2017, no segundo mandato como deputado eleito pelo distrito de Santarém, na XIII Legislatura (2015-2019), o nome de João Moura surge associado a um paraíso fiscal através de uma empresa de que era sócio desde 2013, a Lego Mix Holding Limited, empresa que segundo a Malta Files, consórcio de jornalistas de que o jornal Expresso fazia parte, terá sido criada por Martinho Gama Leão, irmão de um dos maiores devedores do Novobanco, João Gama Leão.
O então deputado e agora secretário de Estado nunca quis comentar a situação da offshore, mas João Gama Leão confirmou a ligação do político de Ourém à empresa com sede em Malta, para contornar a tributação fiscal, numa audição parlamentar em 2021. Aliás, o empresário informou mesmo que João Moura tinha sido seu funcionário cerca de seis anos antes. Nessa altura, quando O MIRANTE consultou o registo de interesses parlamentar do então deputado, este detinha metade de uma segunda empresa de engenharia em Moçambique, a Metroaoquadrado, sendo que a primeira tem sede em Ourém com a designação de Quadradoaometro, em que partilha o capital com a mulher.
Quanto a António Gameiro, o secretário de Estado já tinha confirmado a sua amizade pessoal ao ex-deputado do PS em cinco legislaturas (20 anos). Desistiu nas últimas autárquicas da candidatura à presidência da Câmara de Ourém quando surgiu envolvido como advogado no caso de corrupção que atinge a presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, relacionado com um negócio em Monte Gordo de 5,6 milhões de euros.
No início deste ano de 2025, António Gameiro foi constituído arguido por suspeitas de condutas ilícitas relacionadas com a venda da antiga sede da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). António Gameiro já tinha sido condenado por ter ficado com 45 mil euros da venda de um apartamento de uma emigrante na Austrália, da qual era advogado. O caso tem contornos quase anedóticos como a do advogado e deputado ter viajado até à Austrália com uma pasta com dinheiro para, alegadamente, fazer contas com a cliente. Entretanto os juízes da Relação de Évora, na sequência do recurso de Gameiro, agravaram a decisão ao condená-lo a pagar mais juros na casa dos 10 mil euros.
A investigação a João Moura já era expectável
João Moura é conhecido no meio político como um homem mais de negócios do que de política, tendo grande conhecimento sobre o imobiliário e as características de terrenos e operações urbanísticas na região de Santarém, e a possibilidade de um dia vir a ser investigado já era falada entre a classe política, incluindo camaradas do seu partido. A investigação ao secretário de Estado da Agricultura surgiu depois de O MIRANTE ter noticiado, na edição de 4 de Setembro, que o político de Ourém comprou uma casa na Golegã avaliada em dois milhões de euros, onde terá gasto em obras mais de 600 mil euros. A PJ está a investigar os pormenores da compra feita pela empresa do governante do espaço privilegiado no centro da Feira Nacional do Cavalo, com condições para alojar cavalos, sendo que é uma área que tutela enquanto secretário de Estado.
A falta de confiança enquanto vice da bancada parlamentar do PSD
Em 2023, o presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, com o conhecimento do presidente do partido, Luís Montenegro, decidiu retirar a João Moura, enquanto vice-presidente da bancada, os pelouros da gestão administrativa e financeira e o dos recursos humanos. O caso assumiu contornos caricatos quando João Moura quis escamotear a derrota, tendo pedido para ser ele a informar os colegas e mandou mensagens a dizer que iria assumir “reforçadas responsabilidades” na bancada parlamentar. O que levou Joaquim Miranda Sarmento a informar logo de seguida através de mensagem enviada a todos os deputados e funcionários do PSD, de forma concisa e directa, que os pelouros que estavam atribuídos a João Moura seriam assumidos pela vice-presidente do grupo parlamentar, deputada Clara Marques Alves, alegadamente por não ter gostado da insinuação de João Moura.
João Moura faz-se de vítima e desculpa-se na Assembleia Municipal de Ourém
O presidente da Assembleia Municipal de Ourém e secretário de Estado da Agricultura aproveitou a última sessão para se justificar, ainda que indirectamente, das acusações de que tem sido alvo e acusa a comunicação social de alimentar “juízos de valor” sobre a sua pessoa.
O presidente da Assembleia Municipal de Ourém, João Moura, aproveitou a última sessão para se desculpar e justificar, ainda que indirectamente, em relação às suspeitas de corrupção de que é alvo e que têm sido destaque principal nos últimos dias nos órgãos de comunicação social. Sem mencionar directamente o processo, o também secretário de Estado da Agricultura falou em cartas anónimas “repugnantes” que têm circulado sobre o licenciamento de uma obra em Fátima, defendendo a sua integridade e acusando a comunicação social, sobretudo a regional, de “alimentar juízos de valor” e até de “tentativas de ajuste de contas” sobre este tipo de situações. João Moura não conseguiu disfarçar alguma tensão e nervosismo durante a sessão, um dos motivos para ter decidido justificar-se sem que ninguém colocasse alguma questão ou pedisse esclarecimentos sobre o assunto.
O líder da bancada do Partido Socialista, Nuno Batista, aproveitou o seu discurso de balanço do mandato para indicar que a democracia do país e do concelho de Ourém está em perigo e que para isso “basta acompanhar as notícias”. O autarca criticou também os bastidores da política local e sem citar nomes, falou de uma “eminência parda” que há anos influencia resultados eleitorais no concelho, ora a favor do PS, ora a favor do PSD, recorrendo a “ameaças” e “jogos de bastidores”. Nuno Batista deixou ainda o aviso de que essa figura continuará a mexer peças nos próximos actos eleitorais, mas garantiu que nunca terá influência enquanto ele se mantiver no PS. Num dia em que se assinalava o Dia Internacional da Democracia, a sessão ficou marcada pela troca de recados e pelo retrato de um concelho onde as suspeitas e o clima de desconfiança parecem pesar cada vez mais na vida política.
À margem
João Moura: a fama já vem de longe
João Moura enfurece-se quando alguém lhe faz frente nem que seja com perguntas que não lhe convêm. O autarca de Ourém anda nas bocas do mundo há muitos anos pelas piores razões, e é raro encontrar quem o defenda das atordoadas, como aquela em que muitos o definem: senta-se a conversar como um deputado e acaba como empresário.
É verdade que o povo não aguenta ver uma pessoa com uma camisa lavada, mas quem anda nesta vida sabe bem que não é só o caso de João Moura. A falta de vergonha política em certas decisões, o compadrio que promove entre as suas hostes, a liderança coxa que sempre exerceu, e a mania da exibição, fazem dele um alvo a abater. Só admira como é que domina há tantos anos o PSD distrital quando há tanta gente que tapa os olhos de vergonha de ser seu camarada e como é que chega a um governo do país e ainda consegue ser reconduzido noutro.
João Moura é um caso sério. Não o critico por gostar de contratar na vizinhança, por ser arrogante com quem o escrutina, por ter um bando de pessoas à sua volta que lhe fazem a corte como se ele fosse um rei, um grande chefe ou um génio. Não é nada disso: é uma fraca roupa que range os dentes quando é confrontado, amigo do peito de António Gameiro, um foragido das hostes do Partido Socialista por tudo o que é público e publicado; acima de tudo é um tipo que se promove à custa do PSD, um partido que em Ourém passou do 8 para o 80, depois de ter durante muitos anos um líder incontestado e respeitado, em Ourém e na região, como foi o caso de Mário Albuquerque. JAE.