Sociedade | 01-10-2025 18:00

Campos de Almeirim guardam histórias de quem não vira as costas à luta

Campos de Almeirim guardam histórias de quem não vira as costas à luta
Nury Fernandes trabalha desde cedo na agricultura, mas este foi o seu primeiro ano a apanhar abóbora manteiga - foto O MIRANTE

Nury Fernandes e António Tomé são dois exemplos da realidade dura de viver da agricultura. Entre jornadas de trabalho nos campos de Almeirim, rendimentos baixos e a ausência de trabalhadores na área, ambos partilham a convicção de continuar a trabalhar para não deixar cair um sector fundamental na vida da sociedade, mesmo quando o futuro parece incerto para a profissão.

Nos campos de Almeirim, entre abóboras, vinhas, milho e tomates, a terra continua a contar histórias de quem não vira a cara à luta. Nury Fernandes e António João Tomé representam duas gerações de agricultores que, em comum, têm a resistência, o esforço e o gosto por um trabalho que muitos já não querem abraçar.
António João Tomé tem 62 anos e conhece de olhos fechados o ciclo da vinha. Natural da freguesia do Chouto, na Chamusca, vive actualmente em Alpiarça e trabalha na vindima desde 1986, tendo a ligação com o campo começado muito antes. Durante a juventude trabalhou lado a lado com os pais, agricultores de várias culturas, até que, aos 23 anos, decidiu entregar-se à vinha e hoje soma quase 40 anos de vindima ininterrupta. Nos 50 hectares de vinha onde trabalha, António João explica que a vindima faz-se sobretudo à noite, entre as duas da manhã e o nascer do sol, durante seis a oito horas seguidas. A colheita nocturna tornou-se quase uma regra, não apenas para preservar a frescura da uva, mas também para reduzir custos de energia e prolongar a vida das máquinas.
“Quem compra as uvas prefere que sejam vindimadas de noite, sobretudo para os vinhos brancos. Como têm de ir para a máquina do frio para a fermentação, se já chegam frescas reduz os gastos de energia e o desgaste das máquinas”, justifica. Além da qualidade da uva, também as próprias máquinas beneficiam, ressaltando o agricultor que a humidade protege as varas, evitando rupturas que durante o dia são quase inevitáveis.
Este ano, o agricultor afirma que a produção ficou aquém da do ano anterior e que os preços voltaram a preocupar tanto agricultores como proprietários, sobretudo devido aos vinhos espanhóis chegarem ao mercado a preços muito mais baixos, sendo assim difícil a uva nacional competir. Ainda assim, António João encara as vindimas como um trabalho recompensador, desde que haja transportes, ajuda e companhia no campo. Actualmente as máquinas assumem boa parte da colheita, mas para o ribatejano continua a ser essencial manter o saber tradicional. “Ainda sou do tempo em que se fazia tudo à mão, mas agora as máquinas vieram facilitar muito. Apesar disso, é preciso saber trabalhar e continuar a valorizar o trabalho manual”, conclui, com a simplicidade de quem já colheu milhares de uvas, sentiu a terra entranhada nas mãos e tantas vezes chegou a casa com o peso do dia no corpo.

Da cesta de tomate à apanha da abóbora
Aos 42 anos, Nury Fernandes coordena uma equipa de imigrantes indianos na apanha da abóbora manteiga, em Almeirim, apesar de viver na Chamusca e ser natural de Coruche. Embora seja o seu primeiro ano nesta cultura, trabalha na agricultura desde os 18 anos e a ligação ao campo começou bem cedo, com apenas cinco anos, altura em que costumava acompanhar a mãe de cestinha na mão, na apanha do tomate.
“A colheita tem corrido bem”, conta Nury Fernandes, explicando que hoje o trabalho nos campos é feito sobretudo com a ajuda de estrangeiros e com o apoio de tesouras eléctricas. Reconhece que os jovens portugueses mostram pouco interesse pela agricultura e pela vida ligada à terra, mas lembra que esta continua a ser uma profissão essencial. “Se não for a agricultura, ninguém come”, diz, sublinhando que, enquanto os portugueses recusam trabalho da agricultura, são os estrangeiros que acabam por ocupar esses lugares. Apesar da importância do sector, Nury Fernandes não esconde as dificuldades, em que o tempo de descanso é escasso e as remunerações continuam baixas, tanto para portugueses como para imigrantes, que “muitas vezes recebem ainda menos e trabalham em condições mais duras”. Ainda assim, a agricultora não desiste da terra. Entre colheitas de tomate, abóbora ou qualquer outra cultura, encontra na agricultura o ofício que mais prazer lhe dá. Para Nury Fernandes, o trabalho no campo é duro, mas é também o que mantém vivo o ciclo da terra e garante que não falte comida na mesa.

António Tomé trabalha nas vindimas há 40 anos - foto O MIRANTE

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