Sociedade | 02-10-2025 21:00

Em Salvaterra de Magos há uma formação em língua gestual que contribui para tornar a sociedade mais inclusiva

Em Salvaterra de Magos há uma formação em língua gestual que contribui para tornar a sociedade mais inclusiva
Duarte Bernardo, Marta Marques e Vera Andrónico, da Escola Profissional de Salvaterra de Magos - foto O MIRANTE

Na Escola Profissional de Salvaterra de Magos existe uma formação em Língua Gestual Portuguesa para preparar melhores profissionais e dar voz a quem se expressa com as mãos. No Dia Internacional das Línguas Gestuais, celebrado a 23 de Setembro, o director da escola e a formadora do curso partilharam com O MIRANTE como a língua gestual é muito mais que um meio de comunicação.

O Dia Internacional das Línguas Gestuais, celebrado a 23 de Setembro, lembra a luta de quem comunica com as mãos e por vezes não é ouvido. Na Escola Profissional de Salvaterra de Magos, existe uma formação em Língua Gestual Portuguesa (LGP), tendo o director Duarte Bernardo e a formadora Marta Marques partilhado com O MIRANTE as barreiras e preconceitos que ainda existem sobre a língua gestual.
Marta Marques, de 34 anos, é intérprete de LGP e há quatro anos que lecciona a formação em Salvaterra de Magos. A formadora explica que a maioria dos alunos nas aulas são pessoas ligadas à educação, sector social ou ao atendimento ao público, que procuram aprender o básico para comunicar com pessoas surdas. Já recebeu também alunos surdos, mas destaca que mesmo para eles a formação é enriquecedora pela componente teórica, que aborda temas como a história da LGP, fonologia e características linguísticas que muitos surdos também não dominam. A formação existe há mais de seis anos na escola e Duarte Bernardo afirma que a ideia por detrás do curso é dar resposta às necessidades do território, envolvendo as necessidades das empresas, autarquias e instituições sociais. “A nossa intervenção não é só preparar jovens para o mercado de trabalho, mas também formar adultos e apostar na inclusão”, sublinha.
Apesar da procura – com turmas de 16 a 20 alunos em horário pós-laboral – ambos defendem que a LGP deveria ser introduzida de forma geral no ensino. “Ela já é reconhecida como língua oficial, mas os jovens devem ter contacto com ela desde cedo”, afirma o director, acrescentando Marta Marques que apesar de ser uma utopia toda a gente saber LGP, deve haver uma maior sensibilização e valorização da língua.

Obstáculos ainda por derrubar
Ainda persistem preconceitos e ideias erradas sobre a língua gestual e a surdez, salientando Marta Marques que muitos ainda acreditam que existe uma única língua gestual em todo o mundo e olham para as pessoas surdas como indivíduos isolados e tristes, quando na realidade “são alegres, participativos e até vivem a música através das vibrações”. A formadora defende que deveria existir uma disciplina extracurricular de LGP nas escolas, aberta a quem quisesse aprender, para dar o primeiro passo rumo a uma sociedade mais inclusiva. Contudo, Duarte Bernardo alerta para as limitações financeiras das escolas, não escondendo que, se houvesse mais apoios do Governo, a formação poderia chegar a mais pessoas, havendo ainda um longo caminho a percorrer para que tal seja possível em Portugal.
Além da escola, Marta Marques salienta que há ainda outro grande desafio actualmente, com a falta de intérpretes em serviços essenciais. “Nos noticiários já vemos intérpretes, mas quando uma pessoa surda vai às finanças ou a uma consulta médica, não tem muito apoio, tendo que por vezes pagar do próprio bolso por um intérprete”, lamenta, sublinhando que divulgar a língua gestual é um acto de cidadania que todos deviam defender. “Qualquer pessoa pode beneficiar de aprender língua gestual, desde um médico a um funcionário de balcão. A comunicação em LGP pode ser a diferença entre exclusão e cidadania activa”, frisa.

Inclusão para além da sala de aula
Na escola de Salvaterra o exemplo de integração não se fica só pelas formações. Vera Andrónico, de 46 anos, é uma ex-aluna, surda desde bebé devido a uma meningite. Funcionária há mais de 20 anos no serviço de contabilidade, Vera Andrónico aprendeu a ler lábios e conta por gestos simples a O MIRANTE que sempre se sentiu incluída na escola, apesar de reconhecer que nem sempre é fácil comunicar em grupos de muitas pessoas ou em locais ruidosos. Casada com um homem igualmente surdo, Vera Andrónico construiu uma vida marcada pela resiliência e pelo apoio da família, com duas filhas gémeas de nove anos, ouvintes, que assumem muitas vezes o papel de intérpretes improvisadas e ajudam a reforçar a ponte entre os dois mundos. Uma delas até garante à mãe que, um dia, vai aprender língua gestual para apoiar ainda mais os pais, que nunca conseguiram dominar a LGP a 100%.
Histórias como a de Vera são para Duarte Bernardo a prova de que inclusão não se resume a legislação, mas a práticas concretas que devem ser aplicadas. “Tentamos sempre tratar todos como iguais, adaptando apoios quando necessário e a prova disso é a Verinha que está connosco desde jovem e que é uma das melhores colegas e profissionais que temos”, explica, lamentando que muitas vezes os recursos não acompanhem as boas intenções.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1736
    01-10-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1736
    01-10-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1736
    01-10-2025
    Capa Vale Tejo