Fernando Correia, Pedro Chagas Freitas e José Figueiras foram a Pernes conversar sobre a da finitude da vida

Reflexões sobre envelhecimento, fragilidade e alegria reuniram especialistas e convidados no Festival da Terceira Idade, em Pernes, mostrando que aceitar a idade é viver com sabedoria, humor e gratidão. “Cada idade tem o seu encanto e a velhice, quando vivida com sabedoria, é uma bênção”, salientou o antigo bispo de Santarém, D. Manuel Pelino, acrescentando que falar da finitude da vida na nossa sociedade ainda é um tema tabu.
“A sabedoria está em aceitar a idade que temos”. A frase deixada pelo antigo bispo da Diocese de Santarém, Manuel Pelino, marcou o tom da conferência “A Idade em Debate”, no âmbito do Festival da Terceira Idade promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Pernes. O evento decorreu dia 1 de Outubro e mais do que um exercício de reflexão, foi uma partilha de perspectivas sobre o envelhecimento. O colóquio contou com vários oradores, destacando Manuel Pelino que a idade traz consigo uma oportunidade única de sabedoria, desde que não se viva em negação da realidade.
Inspirando-se nos Salmos 89-90, o prelado recorda que a consciência da brevidade da vida é fonte de sabedoria, pois ajuda a aceitar a fragilidade de todos os seres humanos e a viver cada dia com maior sentido. “Contar todos os dias da nossa vida ajuda a alcançar sabedoria. Mas falar da finitude da vida na nossa sociedade é um tabu”, afirmou, lamentando que hoje se afaste até as crianças do tema. Para o bispo, aceitar todas as fases da vida, inclusive a última, é saber viver em paz e em harmonia, pois quando “a gente nasce, a vida tem logo esta irmã gémea que é a morte, que é como uma sombra que nunca nos abandona e que devemos por isso aceitá-la”. Na sua visão, os idosos têm um “papel insubstituível na transmissão da sabedoria” e da memória das famílias e das comunidades, devendo ser respeitados e cuidados. “Cada idade tem o seu encanto e a velhice, quando vivida com sabedoria, é uma bênção”, salienta.
O humor como arma
de sobrevivência
Além do olhar espiritual da idade, destacou-se o testemunho visceral do escritor Pedro Chagas Freitas, que comoveu a plateia ao abordar o tema a partir das viragens que a vida lhe impôs, confessando que só depois de perder o pai e ver o filho internado percebeu a verdadeira fragilidade da vida. Comparou a vida a uma alface — aparentemente firme, mas que se desfaz ao mínimo toque — e assumiu que foi no hospital, em plena ala de oncologia pediátrica, que encontrou as maiores lições de alegria. Relatou como o humor se tornou arma de sobrevivência para si e para o filho Benjamim, durante os três meses de internamento, e que ali aprendeu que o riso é o verdadeiro antídoto para o medo.
“O máximo que posso desejar ao meu filho é que espero que ele um dia seja velho”, afirmou Pedro Chagas Freitas, defendendo também que a rotina, tantas vezes desprezada, é uma bênção, pois “se alguém me dissesse que o meu filho ia viver uma vida banal até ao fim, eu seria o homem mais feliz do mundo”. Hoje, o seu mantra é simples: celebrar os dias em que não acontece nada, porque é aí que para si reside a paz e felicidade, concluindo que todos devem aprender com os mais velhos, pois eles “falharam muito mais do que eu e é nas falhas que se aprende”.
Morrer é apenas deixar de ser visto
Já o jornalista e locutor Fernando Correia trouxe uma perspectiva mais contemplativa e filosófica, afirmando que envelhecer é um privilégio que deve ser vivido com gratidão. Com humor e filosofia, afirmou que o tempo não passa — “somos nós que passamos por ele” — e desafiou a ideia convencional de velhice. Citando Santo Agostinho e Fernando Pessoa, referiu que a vida não se resume à dimensão física e que morrer “é apenas deixar de ser visto”, salientando que para si, a verdadeira idade não está nos anos, mas no espírito. “Eu tenho 90 anos, então se eu acreditasse na idade que tenho, estava em casa de pantufas — e não estou”, disse com um sorriso.
O jornalista partilhou ainda histórias marcantes da sua vida, como os dois livros que escreveu junto da mãe dos seus filhos, internada há 18 anos com Alzheimer. Sem memória nem consciência do tempo, ela ensinou-lhe uma nova forma de compreender as questões do tempo e memória. “Ela não sabe quem eu sou, pois já está fora do tempo. A memória dela, que é tempo, não existe, então onde ela está?”, questionou. A resposta chegou com ternura. “Está num lugar onde eu ainda não cheguei, mas que um dia hei de chegar e agradecer-lhe por tudo o que me deu”, afirmou emocionado.
Decorrendo durante toda a manhã, o evento contou ainda com intervenções do médico António Pinto Correia, que abordou a temática sob a perspetiva da saúde, de Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, oferecendo uma visão técnica sobre o papel das IPSS, e do apresentador de televisão José Figueiras, que partilhou histórias pessoais sobre a sua mãe e o impacto positivo que boas instituições têm na sociedade.
Administração pública está desactualizada perante a nova geração de idosos
A directora do Centro Distrital da Segurança Social de Santarém, Paula Carloto, deixou uma mensagem contundente durante o Festival da Terceira Idade em Pernes, ao afirmar que a administração pública “é lenta, burocratizada e pouco humanizada”, acrescentando ainda que “está desactualizada” perante as necessidades da nova geração de idosos. “Temos uma nova geração de idosos. Pessoas com 80 ou 90 anos que mantêm autonomia, que querem viver com liberdade, com os seus animais, os seus livros, a sua música. E o Estado precisa de dar respostas melhores”, lamentou.
A responsável defendeu a criação de residências colaborativas como alternativa aos modelos tradicionais, com espaços onde os seniores possam viver com maior independência, receber familiares para dormir e continuar a decidir o seu quotidiano. “Instituições como esta Misericórdia de Pernes são exemplares, mas temos de pensar além e precisamos de respostas que respeitem a identidade de cada pessoa, pois a ideia de felicidade não é igual para todos”, afirmou.
A iniciativa da Misericórdia de Pernes, realizada a 1 de Outubro, com o apoio da Câmara Municipal de Santarém, começou com a conferência “A Idade em Debate”, no auditório da ERPI Nossa Senhora da Purificação, e reuniu várias figuras de destaque. Paula Carloto encerrou a sessão e após escutar os testemunhos dos oradores, assumiu que saiu do encontro “com mais trabalho a fazer”, garantindo que leva dali “um compromisso reforçado” para defender novas soluções para a terceira idade.
Paula Carloto reconheceu ainda que o papel do Estado deve ser mais de apoio do que de controlo, pois “as IPSS são quem sabe fazer”. “Não é o Estado que sabe cuidar, quem sabe cuidar são as IPSS. E ao Estado só compete dar meios humanos, materiais, e todos os recursos possíveis para vos ajudar a fazer melhor”, declarou, destacando também o privilégio de actuar num distrito com instituições e equipas técnicas de elevada qualidade.